1. Não é justo... A vida não me devia ter permitido abrir os olhos, e ver, e ver longe, como vejo, e tocar com a mão as questões fundamentais da vida, como toco, a encarar, de frente, a tragédia que é ser homem, ser mulher, ser sujeito-de-si, sair da lama úmida do carbono animado, e ascender à categoria se ser pensante, caniço que pensa, esmagado sob o peso do universo, e, ao mesmo tempo, ser tão pequeno, indigente, paupérrimo, menor, inerme...
2. Não, meu corpo, eu, eu-enquanto-isso-que-sou, não acompanha a mente, a velocidade da tomada de conciência, a velocidade da percepção das coisas, a mente vai, veloz, célere, e o corpo, coitado, pobre de mim, fica para trás, sofrrendo as angústias lancinantes, alucinantes, da nudez inexorável.
3. Vida, dá-me voltar para o escuro, para a caverna, para a indiferença do trabalho braçal, para a condição bovina de acordar e dormir, de pôr em funcionamento os intestinos, enchê-los, esvaziá-los, viver como um na multidão, cabeça-de-multidão, ignaro das coisas que não ignoro, vai, faz-me voltar...
4. Ah, crescer, ver, encarar... inutilmente, porque se é pequeno demais, anacrônico demais. De que me vale ver, vida?
5. Aliás - destino? -, há quase duas décadas, ou isso, minha mãe esforçou-se para abandonar o centro kardecista. Era médium ela. "Viu" a queda do viaduto Palo de Frontin, o assassinato do vigia da Padaria Paulista... e para quê? Decidiu - ela conta - abondonar tudo. Parece que pôde. Não sei se para melhor...
6. Como posso eu parar isso? Não mais meter-me onde não devo? Parar de ler? Fechar os olhos? Trancar-me no quarto? Matar a alma, e viver carbono?
7. Maldição do saber...
8. Imprevidentes... fugi daqui! Nunca mais voltai a Peroratio! Não levantem os olhos... vivam na escuridão... Cosmogonia é dor, e nada mais.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Por acaso pode-se voltar ao ventre da mãe?
Não há retorno, és mão única. A visão da alma, quando aberto ao menos por uma fresta, há de amanhecer e com a luz a aparência dos monstros se mostra em toda uma totalidade que gera a angústia de nunca poder ter visto. Mas é tarde, já vimos.
Aprendi, o homem é a corda sobre o abismo, não pode voltar, não pode parar, não pode seguir, afinal, sois corda.
E das emanações das sinapses neuroniais saem trevas e luz, o paradoxal efeito do conhecimento é a liberdade e prisão. Liberdade de seguir só e a saudade da cela que aquecia. Eis a luz, uma vez vista cegos estamos e nos resta tatear em busca do que nos cegou. O conhecer do conhecimento.
Não és guru, finalíssimo, conclusivo. És tiro de inicio, primeiro passo, o olhar após uma noite pesadamente dormida. Agora vou sozinho, daqui até a eternidade... Se é que existe...
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