1. Se é Cristo que o diz, aplausos. E se é Nietzsche? Tanto mais, já que de um "deus" não esperaríamos nada menos, mas, e de um diabo? Ora, ora, ora...
2. Em Jo 9, passagem que me causa riso vê-la exposta aos púlpitos, todos sujos do barro e da saliva, porque é aí que ficam rodeando, como pombos à cata de grãos (eu teria escrito como porcos à cata de bolotas, mas pareceu-me desnecessariamente pesado, e não escrevi), pois lá se conta a história - a rigor, um tratado antropológico/sociológico a respeito da "tradição" e da self deception (os termos não estam/estavam lá, mas as idéias, sim) - de como um cego de nascença pôde aderir a Jesus como Cristo somente tendo sido expulso da sinagoga. À luz do outro curado, o do capítulo cinco, que, não obstante curado, permanece no templo, e, destarte, denuncia Jesus, esse, o do capítulo nove, não - é apenas quando e porque ele sai da sinagoga (é necessário mais do que saírem com ele, é necessário que ele mesmo saia), só aí ele adquire a condição de "perceber" Jesus como messias.
3. A "tradição" é boa. A "tradição" é má. Porque ela ensina, ela prende. Porque ela dá à luz, ela mata. Porque ela é chão, ela é cova. Tudo depende de sua relação com ela, do modo como você se deixa levar. As gônadas sabem disso, os hormônios esperam o momento, o sinal de alarme, a luz vermelha e azul das sirenes, e, em desabalada carreia, despejam-se nas carnes febris da adolescência - isso tudo a ver se o pobre, se a pobre, podem contra família, tribo, fé e política, "nascer de si mesmo/a".
4. Não há de ser esse um momento necessariamente de isolamento e revolta, mas de autonomização, de cosmogonia de si mesmo. Para isso deveria servir tudo quanto se aproximasse da criança - tudo, aí, uma preparação para a superação do ontem, para, hoje, começar a erigir o novo, cujo nome é futuro.
5. Nietzsche, insurgente! Nietzsche, rebelde! Nietzsche, de dura cerviz! "'Ele desce, ele cai', troçais vós. / A verdade é que desce sobre vós. / O seu excesso de felicidade foi a sua desgraça, / O seu excesso de luz acompanha a vossa obcuridade" (Nietzsche, A Gaia Ciência, Aforismo 47). "O seu excsso de luz acompanha a vossa obscuridade"... Teria Nietzsche lido e, agora, recorda-se das palavras postas a dizê-las Jesus aos fariseus, ao cabo daquela saga do cego e da tradição?
6. "Alguns fariseus qu ali estavam com ele, ouvindo isso, perguntaram-lhe: Porventura somos também nós cegos? Respondeu-lhes Jesus: Se fosseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Nós vemos, permanece o vosso pecado" (Jo 9,40-41). É porque se consideram de boa visão, que não enxergam em Jesus o Cristo, e, não o fazendo, encerram-se em seu pecado - é o argumento do Evangelho. Nietzsche usa o mesmo: é vosso excesso de luz, senhores, vosso excesso de luz... e nem sabeis de vossa cegueira de luz... Cegos de luz, sois vós!, e quanto lhes faz falta a penumbra...
7. Por isso, senhores, de que vale toda a pesquisa, se sois luminosos? "Eu, um pesquisador? Não empregueis tal palavra... / Sou apenas muito pesado, extremamente pesado! / Caio, caio sem descanso, / Para descer finalmente, até o fundo" (Nietzsche, A Gaia Ciência, Aforismo 44). E te pegaram, meu amigo, para gadameriano patrono da Tradição... Pecado! Traição!
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário