1. Haroldo, louvo sua disposição para o trabalho, sua dedicação, o fato de que você faz tudo que faz com muita atenção, zelo, responsabilidade. Isso admito muito - invejo mesmo! - em você. Quanto a Peroratio ser "diferente" - e isso pelo fato de ser uma plataforma de debate (ainda que um dos debatedores, eu tenho dúvida se ele entendeu o sentido da coisa [Jimmy - ame-o ou deixe-o!] -, foi exatamente por e para isso que convidei você e Jimmy para fazerem contra-ponto comigo. Queria exatamente isso, uma ágora inflamada e sangüínea, pulsional e racional, epistemologicamente consensual, mas agônica no esforço de abrir a carne da "realidade" com a faca do "espírito humano". Não um palanque monocórdio, mas, nem por isso, uma feira pós-modena... Que bom que aceitou, e, ainda mais, que permanece fiel ao projeto, conquanto eu sei, às vezes, porto-me além da "conta"...
2. Entendi melhor agora a distinção que você fazia e fez entre Teologia na Universidade pública e Teologia na Universidade privada. Um dos dois, contudo, está pegando o dado pela face errada - talvez eu. Sim, pode ser mesmo que eu esteja equivocado. Insisto: longe de considerar-me absolutamente certo, apenas dou oportunidade às críticas que me vêm à mente. Mas eu acho que se poderia, e talvez fosse melhor, pegar o dado por outra perspectiva: não o "espaço" onde a coisa é feita (Universidades pública e privada), mas a coisa que se faz nesse espaço.
3. Vamos à sua insistência no "Pacto Republicano", que, logo afirmo, assino sem ressalvas. O Pacto, Haroldo, foi "assinado" entre o Estado e a "Religião". Não é um tema fácil, porque o Estado não o assinou com um Abstração, mas, ao mesmo tempo, não o assinou com o conjunto das "religiões" concretas. Nenhuma religião assinou coisa alguma, apenas força-se a portar-se de modo minimamente tolerável (o que os Cristianismos fazem na TV, ah, Haroldo, isso já não é "quebra" de artigos do "Pacto"?). A rigor, melhor do que Pacto Republicano, a expressão devesse ser o Axioma Republicano, a Exigência Republicana, a Norma Republicana, isto é, a decisão soberana do Estado - outro fator complicador, porque essa decisão é "popular" e pode, a princípio, ser suspensa a qualquer momento - em face de sua existencialidade político-social. O Estado não quer relações com as religiões que não sejam aquelas próprias do Estado com os organismos jurídicos que permeiam sua constituição hipônima e em que se contam, também, as "Instituições Religiosas".
4. Tanto não é um "pacto" - no sentido estrito do termo - que nenhuma religião pode, por si mesma, suspendê-lo. Mesmo o Vaticano, "promiscuidade" moderna de Estado e Religião, deve parar diante da Laicidade de Brasília... Trata-se, pois, de um modus vivendi republicano, imposto pela filosofia/política republicana, moderna, laica - o qual, diga-se, erigiu-se em face da e contra a "religião" - se não a sua face estética, certamente a sua interface política (que "heurística", aí, nunca houve - até agora)...
5. Isso posto, assumido que é o próprio Estado quem não quer intrometer-se na "religião", porque não quer a religião intrometendo-se mais no Estado, resta fazer a seguinte pergunta: Teologia virou sinônimo de religião? Eu concordo com você que o modelo MEC atual de Teologia ainda é insuficiente para a Universidade Pública - mas eu gostaria de insistir em que ele é ainda insuficiente para a própria Universidade particular, porque ele é - e esse é o ponto - insuficiente para a própria Teologia universitária.
6. Fator de complicação: a Universidade particular de Teologia há de preparar profissionais para o mercado teológico. Ora, o mercado teológico, hoje, é um mercado sacerdotal/profético e/ou político/estético. Uma vez que não há uma Teologia não-religiosa (digamos assim), não há uma pesquisa teológica não-comprometida com o "mercado", que se porta alinhado à religião. Pior, é com vistas a esse mercado não-conforme as Ciências Humanas que a Teologia se faz presente no MEC! Chegamos ao absurdo de, nesse momento, o Estado acolher em seu corpo institucional dezenas de Cursos de Graduação em Teologia que ensinam, dentre outras cosias, "missiologia", isto é, a "Missão" que a Igreja diz ter de "Deus" de converter a "Ele" - leia-se, ao Cristianismo - todas as pessoas e todas as coisas. Isso é sumamente intolerável - e, contudo, toleramos, Haroldo, porque somos nós a nos beneficiar da situação. Injustificável. Ironia: se um "ateu" processar o Estado por conta da permissão que dá à Teologia de, dentro de um de seus Ministérios - o MEC -, promover o treinamento missiológico para a sua conversão à religião, caberá ao juiz, o quê, orientá-lo a que faça o mesmo, porque ele tem esse direito? Mas onde foi parar, então, o senso republicano? A batalha entre as fés há de se travar, também agora, no ventre da Mãe-Pátria? Já não chega o crucifixo ostentado acima da cátedra da Presidênia do STF?
7. Vejamos. A Igreja tolerou a escravidão por guerra, no passado. Era o costume. A Igreja tolerou a escravidão por raça, moderna. Era o costume. A Igreja tolerou a manutenção do sub-papel da mulher na sociedade. Era o costume. A Igreja tolera o preconceito de gênero alternativo - e com isso ela apenas assume o "costume". Ora, o costume qual é? Que ser teólogo é ser cristão, e que ser cristão é desejar - com Deus - a conversão do mundo inteiro. A Teologia - nós - acostumados a tudo tolerar e disso só abrir mão à força (não foi assim?) - vamos tolerar essa circunstância, nos acomodar a essa impertinência, quando nossos olhos sabem e vêem o equívoco dela?
8. Nossa discussão tem de mudar de foco, Haroldo. Não estamos discutindo a relação entre o Estado e as Organizações Religiosas - estamos discutindo as conseqüências inegociáveis para a Teologia - ao menos como "carreira"/disciplina do Sistema Federal de Ensino, seja público, seja privado: é federal - de ela ter sido aceita na plataforma moderna, crítica, emancipada, epistemológica, das Ciências Humanas. Seja na Universidade pública, seja na Universidade privada - ela, a Teologia - é, agora, outra coisa. Não é mais da "religião" - muito menos, "religiosa" ou "religião". Se o que as Organizações Religiosas, nossas igrejas, por exemplo, se o que elas querem é formar "profissionais" domésticos, provincianos, consumíveis, que abram cursos específicos como sempre fizeram desde a República. Mas, Teologia é, agora, outra coisa: não serve mais para isso. Conquanto possa servir, tanto quanto Psicologia serve para aconselhamentos pastorais - se também eles amadurecem.
9. Faço-me mais claro, amigo meu? Pensar a Teologia no MEC, suas implicações. Não, nada de negociar com as Organizações Religiosas, porque, você sabe, elas não negociam, amigo. Todos os avanços que a República conseguiu foi a despeito delas. Valeria um bom post e uma boa discussão o combate Igreja Romana versus Maçonaria, do início do século, quando do advento dos protestantes/evangélicos "missionários" no Brasil: na titânica batalha das Igrejas, foi o "princípio republicano", manejado (de dentro e de fora) pelos maçons, quem logrou nos proporcionar espaço público - para, agora, dedicarmo-nos, com todas as forças evangélicas, a cooptar a própria República! Roma, ao menos, é mais "profissional" nessas políticas... E, agora, elas vão aprendendo a lidar com a nova situação, mas, Haroldo, você desacredita de que elas, as organizações cristãs, não estão prontas, como sempre, para, na suspensão da República, voltar ao projeto mundial? Não é ele que operamos - ainda? Não é a ele que servem os "pastores", eles mesmos, teólogos, quando deixam a cátedra e se dirigem aos púlpitos - com as exceções louváveis e raras, mas, anda assim, obtidas muitas vezes à custa não da denúncia declarada do "projeto", mas de sua "metaforização"? No MEC, pois, os teólogos devem sentar, todos, e dialogar, e pensar uma Teologia pós-religiosa. No MEC, não é mais a serviço da religião que a Teologia está, como não é mais a serviço dela que estamos - mas a serviço do pensamento emancipado e necessário da relação entre o/a homem/mulher e o sagrado. E isso até se, para tanto, tivermos de nos pôr contra ela - já fizemos uma vez, e faremos de novo, se for necessário, porque acontece com a Teologia/MEC o mesmo que com a República/Religião - o segundo termo não joga o jogo - frauda-o.
10. É urgente a tarefa. Imenso, o desafio. Agora, a hora.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. meu privadíssimo amigo, por favor, faz-me ver onde estou errado! É muito, muito, muito angustiante "enxergar" de um jeito, estar eventualmente errado, e não "perceber". Eu vejo a situação de modo tão claro, tão límpido - e, desde que li Edgar Morin, contudo, apavora-me ser tomado de self deception, de auto-engano, da "mentira para si/mim". É do mais profundo desejo de ver claramente que peço - ajuda-me a ver se e onde erro, se e onde perco a saniade em nome da super-sanidade. Para isso, amigo, a ágora é imprescindível, o outro, não-descartável, o amigo, outro "eu"...
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