1. E rasgaram-se as nuvens, e, nuas, excitadas as gotas da libido, as musas lamberam-lhe os olhos e meteram-lhe as línguas boca adentro. E ele disse:
2. Disse-o mais, mas, a essa altura, as musas gargalharam, rolaram de rir e suplicaram Elixir Paregórico - as cólicas me matam, diziam, quando podiam, quando o estremecer rítmico dos corpos gargalhantes permitiam.
3. E disseram:
3.1 "Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde"! Ah, mortal, tolo, insensato, cego! Agacha, besta burra, e olha o "plano verde" de perto, animal! Cada fiapo de grama tem milhões de carnes a se comerem vivas, mas tu és surdo, és cego, és parvo! Cada árvore, ameba!, tem milhões de bichos, uns a esperar topar com o próximo, a comer-lhe a cabeça, a arrancar-lhe uma pata, duas, todas, uma antena, duas, umas partes sem nome, tripas, caldos, nojos de fluidos e gosmas vivas, móveis, escorrendo. Vê ali, não, toupeira cega? Pois lhe conto o que é: são pequenas bactérias, mínimos e múltiplos fungos, devorando vivo aquele ser insignificante, que urra e geme e morre. Anota, quasímodo: fome, sede, fúria, ataque, mandíbula, garra, mordedura, picada, estocada, ferroada, corte, furo, serra, veneno e morte. É que não ouves, irrisão!, o chiado que soltam, dia e noite, esses chiados que são tão mais agudos e doloridos quanto mais são os atacantes, como formigas, como besouros, como correições de ácido com pernas sobre a carne exposta ao sal... E vens me falar de "indizível beleza e harmonia do plano verde". Poeta, é isso a poesia? Arrancas o olho pra viver, poeta?
3.2 Tu deliras! "A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio". Paz? Sabes a paz da Natureza? É a paz de um totalitarismo de não-consciências, o império da força bruta. A vida, ignorante, é uma força impiedosa, e, se não sabes, devias meter-se num buraco e calar a boca! Estúpido... As plantas se matam umas às outras, segregam toxinas, estrangulam-se mutuamente, lutando ferozmente por território - aqui, não!, aqui, não! A paz que pensas ver é apenas a palavra proibida, que mudas são para ti - mas não para nós. Nem as plantas, criatura de barro, nem as plantas, sabem o que é fraternidade. E os céus, ah, os céus, deliciam-se dessa orgia!
3.3 Ha! Ha! Ha! Matas-nos de rir! Que pérola cândida e rubicunda de pureza: "a pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula". Ah, é que vives sobre a terra. Mergulha, bagre, baiacu de escarro - os peixes se devoram, se entredevoram vivos, caçam, matam, mordem, engolem - viver, húmus!, é comer e defecar a carne comida, apodrecida no próprio ventre! Predam - a Lei e a Força estão ali, homem. Na savana, passa o dia com as hienas, e come vivas as gazelas, enquanto guincham à luz das próprias tripas... E quanto à cópula pura das formas vivas? Fábricas de mais e mais carne, que a matança e o sangue são divinos!
4. Ah, poeta, como te invejamos! Ah, se pudéssemos mentir, como tu, inventar, como tu, fingir, como tu... Ah se, para nós, existisse a fraude teológica! Essa consciência ígnea, ela iria embora? Ela desapareceria? Poderíamos viver com ares de gente grande, mas tão imbecis quanto tu? Ah, quem nos dera? Quem, homem, quem nos dera? Não, certamente, ele...
5. E quanto a tu, bicho-homem, agora Deus não descansou - e estás aí a fitar, de cara, a a-moralidade da sua obra!
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário