quarta-feira, 20 de maio de 2009

(2009/277) Da dança dos pés trocados


1. Dançam em mim danças inconfessáveis os pés dos deuses, danças africanas de tambor e pisar de chão, danças rotundas e sonoras, cadenciadas no ritmo do coração da terra.

2. Dançam em mim danças inebriantes os pés das deusas da água, da terra, das deusas do fogo, de fogo, do ar, danças por demais pudicas, conquanto sensuais, que disso entendo, de pegar com a mão e olhar nos olhos, de rodopiar à luz da Lua Cheia.

3. Vão entrando, um a um, os casais divinos, e dançam no meu peito, sobre minha cabeça, em meus ombros, nas palmas estendidas, na minha língua, nos meu pés doridos.

4. Faz quatro dias que acabou a festa, mas eles permanecem, dançando, e rindo-se, folgando, e rindo-se, alegres, que deuses não sabem chorar e, se choram, é só um pouquinho assim, já acabou, pronto. Não me deixam ir, que aqui é teu lugar, e vinho, há muito, ainda.

5. Posso ler? Ler? Mas claro! E dão-se gargalhadas... Por que achas que ler te afastará de nós? Não sabes que quanto mais fundo cavas, mais te molhas d'água da terra, sangue e saliva de deuses e deusas inaturos?

6. Leio e escrevo como quem faz exorcismos, quem celebra ritos de interdição a sal de espectros de além-mundo, aprendidos em alfarrábios de duzentos anos, como quem arranca um membro implantado... Mas os deuses, ah, bum!, bum!, bum!, bum! E riem-se...

7. Como ler, com esse barulho? Barulho, que barulho? Esse, dos bumbos. Bumbos? Que bumbos? Esses, da festa. Mas que festa? Essa, em que dançais. Quem dança, Osvaldo? Não vês que são teus pés, e que falas contigo mesmo?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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