1. Meu amigo e teólogo Zabatiero reage a meu post sobre o PARECER CNE/CES Nº 118/2009 (cf. comentário ao post). Fiquei agradavelmente surpreso com a visita de Zabatiero a Peroratio e, desde já, registro nossa satisfação em tê-lo como leitor e comentador. Ainda que em tom de discordância de (nesse caso) minha posição em face do PARECER? Sim, porque não havemos de desejar apenas concordâncias. Diga-se de passagem que a reação de Zabatiero foi até bastante tranqüila, cortez - e, em face de minha provocação, mesmo que arrostada muito genericamente, poder-se-ia reagir de modo mais contundente. Seja bem-vindo, Zabatiero!
2. Eis o teor do comentário de Zabatiero: "caro Osvaldo, lamento, mas discordo radicalmente de sua apreciação do Parecer 118. A meu ver, ele é confuso - não distingue religião de teologia, nem teologia de ciências da religião - é pedagogicamente inviável: você reparou que apesar de seis eixos propostos para os currículos, não há um eixo teológico, nem se menciona a palavra religião? Ademais, o Parecer é autoritário e paternalista: diretrizes curriculares só são promulgadas pelo MEC após discussão com representantes das IESs - ninguém da teologia foi consultado. Abraços. Julio Zabatiero".
3. Não é possível que eu comente todo o teor de uma vez. Tenho, agora, uma janela de quinze minutos. Começo, então, pelo seguinte: "não há um eixo teológico". Sim, é verdade. Contudo, Zabatiero, por que haveria de haver? Talvez, no futuro, quando a Teologia decidir-se a transformar-se em ciência - e a aceitar as regras do jogo científico (nesse caso, contrariamente a seu postulado [sua posição - minha crítica a ela]) - talvez, então, faça sentido que se preveja um "eixo teológico". No futuro, talvez. Hoje, cá entre nós, meu amigo, inviável.
4. O que seria esse eixo - quero dizer: hoje? Um "falar de Deus metodologicamente responsável"? Uma "interpretação da realidade à luz da esperança", diga-se, "fé"? Mas - na "academia"? Fiquemos apenas no e com o bom e velho mártir Bonhoeffer - ele tinha plena convicção, e o disse, de que Barth constituía um retorno à Idade Média, bem como de que Bultmann representava uma "hermenêutica pela metade". Bonhoeffer aceitava, sem restrições, o século XIX. Ora, essa posição seria uma posição aceitável para a Teologia na Universidade (a seu turno, Hans Küng já o "estabeleceu" como condição sine qua non, no que estamos, ele e eu, de acordo), e, ainda assim, não se haveria, ainda, de pensar, não agora, em um "eixo-teológico".
5. Porque a Teologia - na prática - vai ter que "nascer" de novo. Vai ter que se "descobrir". Esse é o sentido da discussão que a EST começou, com os artigos de von Sinner, de Müeller e seu - uma pergunta pelo estatuto teórico da Teologia. O risco que se correu - e juízo meu, o "buraco negro" onde se caiu - foi transformar o esforço fundamental e necessário desse pensamento estatutário em simples apologética da Teologia "tradicional/confessional", "revelada/normativa", construindo um ciclo de argumentações refratárias às bases epistemológicas do século XIX, as quais constituem os pilares das Ciências Humanas - e Teologia, ou será uma das Ciências Humanas, ou não será "ciência" (nem saber "racional público", Zabatiero, conquanto, aí sim, "saber racionalizado"). Até você, meu amigo, postulou superá-las, ainda que por um caminho politicamente diferente do escolhido por von Sinner e Müeller. Diferente de mim, você postulou uma Teologia fora da Universidade. Eu quero que ela fique - e que pague o preço da "aposentadoria", isto é, de usar os aposentos da cátedra...
6. A Teologia conforme praticada na Igreja, Zabatiero, seja qual Igreja for, seja Roma, seja Wittenberg, seja Londres, seja "Moscou" - é ontológica, ainda, metafísica, traditiva, normativa - a despeito dos esforços retóricos do século XX de "vendê-la" como outra coisa. Até as Ciências da Religião - e isso é um absurdo, me permita dizê-lo - quando falam da Teologia, defendendo a sua presença no Curso, tratam-na como "saber da fé", saber na perspectiva "de Deus" - foi o Faustino Teixeira quem o disse!, quem o escreveu! Eu nem sei, quando se chega a defender essa posição constrangedora, a quem aí se presta "favores", se a si mesmo, enquanto teólogo, se aos amigos teólogos-pastores. O que sei é que esse é um de-serviço, seja à Teologia, seja às Ciências da Religião. Ora, como uma coisa assim, que se considera revelada, que se assume tradição, que se posiciona no plano da transcendência, que se gaba de ser confissão, que se quer confissão - que nem se envergonha de o dizer em público (no máximo, isso seriam segredos de alcova!) -, pode pretender estabelecer um eixo diretivo?
7. Não, Zabatiero - nesse momento a Teologia terá de, primeiro, ouvir (percebes o tom peremptório de minha fala - mas é apenas estilo: estou aberto às contestações que me demovam de minha posição, mas, não, certamente, por meio de apelos à Tradição). Terá de ir para o deserto. Fazer contas. Transformar-se. É pupa, ainda. O que tem a dizer, está viciado, contaminado com uma postura medieval, ainda. São os interesses próprios que estão em jogo. É por isso que a Anciã luta. Há que ser exorcizada. Tem de deixar-se passar pelo XIX, um ritual de iniciação, pela epistemologia emancipada, laica, crítica, do primeiro - e jamais do segundo - Kant, e pronto. De Dilthey, como queria Bonhoeffer - e mataram-no (qual terá sido a culpa da Teologia em sua morte?).
8. Veja, amigo, não sou pastor, não tenho essas preocupações de defesa do depósito da fé - pelo contrário! O que quero é pensar a possibilidade de a Teologia estar na academia, como igual, entre iguais, no plano da horizontalidade, cujo pressuposto é a crítica das "Humanidades" - Kant, Schopenhauer, Feuerbach, Nietzsche, Marx, Dilthey, Peirce. Há, até, que superá-los, mas não recalcá-los, não contorná-los, não, certamente, desprezá-los, assassiná-los.
9. No caso da Teologia, qualquer tentativa de manter um discurso entre "revelado" e "confessional", sub, super ou a-crítico (e a isso se chega por meios, ou medievais, ou pós-modernos!) é rotina e roteiro de lesa-humanidade. Eu, teólogo, teria vergonha - tenho vergonha - de aprensentar-me em público, na Universidade, para falar de "revelação", "falar de Deus", "plano de Deus", a partir de "revelação", do "falar de Deus", no "plano de Deus", quando o jogo sabido aí é o exercício da crítica dos discursos, das práticas, das epistemologias. Quero uma Teologia que seja equivalente e compatível - acima de tudo, compatível, em todos os níveis, principalmente o epistemológico - com as Ciências Humanas, com as Ciências da Natureza e, mais ainda, com as Ciências Cognitivas - e cada vez que a Teologia é apresentada como aquele espectro mal-assombrado da Idade Média, de Nicéia, de Agostinho (ou uma nova assombração, pós-moderna) e que tais, arrepiam-me os cabelos da nuca, e me benzo. Valha-me, Deus!
10. Como vê, estou irremediavelmente encantado pelo XIX. Talvez tratamento de choque resolva a questão... Por isso o PARECER me agrada, porque ele não pede nada a mais de mim que não o que eu esteja há muito ansioso para dar: entregar minha carreira, minha formação, minha escolha de vida, serenamente, ao processo de transformação heurística, epistemológica, teórica, estatutária, das Ciências (Humanas). Encarnar, definitivamente, a Teologia, na Terra. Xô, Idade Média...
11. Depois que decidirmos o que é de fato a Teologia - e isso para uma Teologia no MEC, já que a Teologia das Igrejas você e eu sabemos a que se resume -, aí então está na hora de perguntarmo-nos se há lugar para um eixo teológico não apenas para ela, mas, também, para as demais disciplinas. Por ora - penso que não. Nem se sabe o que viria a ser isso. Eventualmente, alguma coisa como um "falar de Deus", o que eventualmente se obteria por consultas oraculares a Deus, a anjos e a demônios, os único verdadeiros teólogos da Teologia pré-MEC. Chegou, agora, a vez de homens e mulheres fazerem Teologia, sem consultar os oráculos...
12. Duros dias. E como me agrada a dureza dessa rocha fria...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Muito bom toda a discussão em torno do parecer 118/2009.Sou estudante de teologia pela UNIGRAN, claro que pertenço a uma denominação, mas no curso que ora faço não tive nenhuma amarra, nenhum direcionamento,nenhuma tendência a um só pensamento (a não ser o cristão,pois sabe-se que existem várias teologias) e isso me agrada muito. Vamos ter que nos acostumar a isso, é uma nova fronteira.Prefiro essa do que estar sujeito a uma regulamentação/normatização de uma igreja. Acho que o estudante de teologia é um insurgente, parece uma criança, perguntando sempre porque, porque,porque? Tenho muito que aprender ainda,sou muito novo nisso.Mas não quero ter meus argumentos avaliados por um conselho federal, o que é isso, um novo nome de uma inquisição cultural? Acho que depois que comecei a me aprofundar eu pude ficar livre, realmente a verdade liberta.
Um abraço.
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