1. Alvíssaras! Dia 06 de maio passado (06/05/2009), foi aprovado pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação o PARECER CNE/CES Nº 118/2009, que dispõe sobre os Cursos de Graduação em Teologia, do Sistema Federal de Ensino. A Teologia agradece!
2. Histórico: desde 1999 que a Graduação em Teologia foi "aceita" no MEC. Em nível de Pós-graduação, já faz algum tempo. Mas o "fenômeno" significativo, mesmo, foi seu ingresso no Sistema Federal de Ensino, no nível de Graduação, porque mexeu com a infra-estrutura e com os eixos políticos mais próximos das bases eclesiásticas - referindo-me, obviamente, à Teologias dos Cristianismos (não sei como as demais confissões religiosas reagiram ao "fenômeno").
3. Bem, não houve qualquer tipo de "discussão" pública a respeito. Não houve "consultas públicas". Havia um anseio da comunidade "acadêmica" de Teologia (nesse sentido, contra um repúdio da comunidade eclesiástica) quanto ao seu ingresso no conserto das disciplinas oficiais, mas, que eu saiba, nem nós discutimos entre nós mesmos, nem as demais disciplinas discutiram a nosso respeito. Claro que eu queria! - mas não me perguntaram nada...
4. O que houve foi uma injunção política de bastidores, trabalho mesmo de políticos e alguns "acadêmicos" (reitores e diretores de Instituições de Ensino Teológico), que culminou na aceitação "política" da Teologia. Seja como for - entramos.
5. Aí começaram os problemas. Discussões intermináveis entre nós mesmos, entre a ala do "queremos isso!" e a ala do "não queremos isso!", mas, uma vez que a decisão foi política, uma vez que já estávamos dentro, tratava-se do famoso e de direito juris esperniandi - alguns eclesiásticos reclama(ra)m à beça pelo fato de que, agora, o MEC vai querer dar as cartas na Teologia.
6. Bem, parece que não foi bem assim. Pelo teor do Relatório do PARECER CNE/CES Nº 118/2009, parece que a ala eclesiástica é que tomou conta de muitos cursos de Graduação em Teologia por esse "Brasil de Jesus", único modo de se explicar o que ali se registra: "a exclusão da análise da matriz curricular, deixando às instituições plena liberdade na composição de seus currículos, no entanto, terminou por gerar a aprovação de cursos de Teologia com caráter, exclusivamente, confessional. Alguns desses cursos não apresentam características acadêmicas, não respeitam o pluralismo da área nem a universalidade de conhecimento própria do ensino superior. Restringem-se a uma única visão teológica e se caracterizam como cursos catequéticos a serviço de uma confissão religiosa e terminam por ferir o princípio constitucional da separação entre Igreja e Estado, pois preparam o aluno para atuar em uma única religião, papel que não cabe ao Estado nem a instituições de ensino superior por ele credenciadas".
7. Catequese de luxo! Eis o risco que se correu de se ir transformando a velha/novel Teologia - como se não esperássemos algo assim dessa velha freqüentadora dos salões do poder temporal... Alguém aí se surpreende? Eu, não. Não é contra isso que Peroratio, mormente eu, venho gritando aqui desde essa tribuna, contra a confessionalidade engajada e programática da Teologia no MEC? Até hoje, pasmem!, nenhum, nenhum artigo "acadêmico" eu encontrei defendendo o caráter não-confessional da Teologia no MEC. Pelo contrário! Só me deparei com tentativas algumas vezes explícitas e algumas vezes dissimuladas de manterem-se as coisas exatamente como sempre foram, uma Teologia de catecumenato de segundo grau, mas, a rigor, a mesma catequese jesuíta de sempre, para constrangimento meu, para sofrimento da minha alma.
8. Eu estava já achando que o louco era eu. Já ia desanimando, porque apenas eu ia dando a cara a apanhar - se bem que ninguém nem aqui veio dizer-me nada, tão escondidinho está Peroratio, e, por isso, eu. Todavia, um pesquisador há de deparar-se com imprecações duras de minha parte postadas desde o primero momento deste blog. Haroldo ajudou-me, registre-se. A rigor, minhas imprecações não serviram para nada que não meu desabafo, porque é certo que ninguém lá da Câmara de Educação Superior certamente consultou Peroratio. Entretanto, minha alma está lavada. Sob a perspectiva oficial do MEC, eu estava certo...
9. E essa é a questão: o PARECER corrige essa distorção, essa indecência, essa falta de decoro epistemológico, essa demonstração de espírito de gueto e corporativismo de nossa parte, nossa alma medieval e saudosa da teocracia anti-plural e potencialmente perversa. Não, não aprendemos absolutamente nada até agora: teólogos, fosse eu o parecerista, teriam de submeter-se a tratamento epistemológico... Não há justificativa alguma para nossa atitude nesses dez anos - 1999-2009 -, apenas nos aproveitamos para fazer da academia mais uma seara, da universidade, mais uma Cruzada, dos alunos, mais ovelhas - malditos somos nós e nosso espírito de conquista!
10. Mas aí está: palmadas nas crianças mimadas e pirracentas da Teologia, que, a essa hora, hão de estar choramingando pelos corredores, amaldiçoando a República, o XIX, a Secularização, a Emancipação e a Laicização. Quem diria, não, Teologia? De Dona do Mundo a ter que aprender como se vive em comunidade... Transcrevo o coração do PARECER, deliciando-me com cada palavra - eu, teólogo, endossando cada letra que aí está escrita:
10.1 "Por essa razão, o Parecer CNE/CES n° 101/2008 levanta dúvidas sobre a pertinência de o CNE credenciar uma faculdade a partir de um curso de Teologia. Tais discussões resultaram na constituição de Comissão, instituída pela Portaria CNE/CES nº 3/2008, com o objetivo de apresentar orientações que auxiliem na elaboração desse tipo de parecer.
10.2 Como graduação, os cursos de Teologia, bacharelado, devem obedecer ao Parecer CNE/CES nº 776/97, que afirma a necessidade de incentivar uma sólida formação geral necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de produção do conhecimento.
10.3 Vale lembrar que o Art. 43 da LDB, ao tratar das finalidades da educação superior, em especial em seus incisos I, III e VI, estabelece o dever de: I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo (...). III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive (...). VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais (...).
10.4 É importante, portanto, que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, no País garantam o acesso à diversidade e à complexidade das teologias nas diferentes culturas e permitam analisá-las à luz dos diferentes momentos históricos e contextos em que se desenvolvem. Devem, ainda, garantir uma ampla formação científica e metodológica, por meio da flexibilidade curricular na área do conhecimento e interação com as áreas afins.
10.5 Por essa razão, o estudo das teologias, da área de Ciências Humanas conforme classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir de conhecimentos das ciências humanas e sociais, da filosofia, da história, da antropologia, da sociologia, da psicologia e da biologia entre outras. Essas ciências permitem estudar o universo teológico respeitando o princípio da “exclusão da transcendência”, condição da abordagem científica, ou seja, não se trata de afirmar ou negar a veracidade das afirmações teológicas, mas, sim, estudar o modo como elas surgem, como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões da vida, das experiências e do conhecimento humano. O estudo da teologia deve, ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas, possibilitando estudos interdisciplinares.
10.6 Salienta-se, outrossim, a importância do respeito à laicidade do Estado, a fim de evitar que os cursos tenham um caráter confessional, proselitista, fechados em uma única visão de mundo e de homem. Espera-se que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, formem teólogos críticos e reflexivos, capazes de compreender a dinâmica do fato religioso que perpassa a vida humana em suas várias dimensões.
10.7 Propõe-se que os currículos dos cursos de graduação em Teologia, bacharelado, desenvolvam-se a partir dos seguintes eixos:
1.eixo filosófico – que contemple disciplinas que permitam avaliar as linhas de pensamento subjacentes às teologias, conhecer as suas bases epistemológicas e desenvolver o respeito à ética;
2.eixo metodológico – que garanta a apropriação de métodos e estratégias de produção do conhecimento científico na área das ciências humanas;
3.eixo histórico – que garanta a compreensão dos contextos culturais e históricos;
4.eixo sócio-político – que contemple análises sociológicas, econômicas e políticas e seus efeitos nas relações institucionais e internacionais;
5.eixo linguístico – que possibilite a leitura e a interpretação dos textos que compõem o saber específico de cada teologia e o domínio de procedimentos da hermenêutica;
6.eixo interdisciplinar – que estabeleça diálogo com áreas de interface, como a psicologia, a antropologia, o direito, a biologia e outras áreas científicas.
10.8 Vale dizer que, no Brasil, existe cerca de uma centena de cursos de Teologia, já autorizados ou reconhecidos, presentes em vários Estados. Eles são oferecidos por instituições públicas e particulares, pertencentes a mantenedoras confessionais ou não e contemplam teologias subjacentes a diferentes confissões: adventista, batista, católica, espírita, evangélica, luterana, messiânica, metodista, umbandista, entre outras. Trata-se de cursos de graduação com duração entre 1.500 e 4.500 horas. Considerando que se trata de cursos de graduação, orienta-se que respeitem um mínimo de 2.400 horas".
11. Ora, Diante de uma proposição dessa envergadura, restava o VOTO da comissão. E ei-lo:
12.1 "Votamos no sentido de fixar a sistemática referida nos termos deste Parecer, com vistas à instrução dos processos referentes ao credenciamento de novas Instituições de Educação Superior e de credenciamento institucional que apresentem cursos de Teologia, bacharelado.
12.2 Dê-se ciência das presentes recomendações à Secretaria de Educação Superior e à Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação, e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, para fins de avaliações, autorizações, reconhecimentos e renovações de reconhecimento dos cursos de Teologia, bacharelado".
13. Ah, que beleza! Hans Küng escreveu o meu livro predileto de Teologia cristã (ainda nsuficiente para uma Teologia plural) - chama-se Teologia a Caminho. Com esse PARECER, sinto que a Teologia pôs-se a caminho... Certamente que há de enfrentar obstáculos terríveis, porque, afinal, Teologia ainda é coisa basicamente de religiosos, e uma coisa que a História da Teologia ensina é que religiosos, cuidado com eles - principalmente quando se tornam amantes da Ortodoxia. E essa deusa ciumenta há de estrebuchar. Bulas excomungatórias haverão de ser escritas em Roma e em Wittenberg, para o trabalho de serem rasgadas e tristeza das árvores inultimente mortas. A Teologia acadêmica, contudo, que decerto tem muitos filhos, há de ficar feliz, há de festejar - é dia de Débora!
14. Parabéns aos membros da comissão do PARECER: Marília Ancona-Lopez (relatora), Aldo Vannuchi (presidente), Antonio de Araújo Freitas Júnior e Edson de Oliveira Nunes (membros). A Teologia acadêmica agradece!
15. O VOTO da comissão foi aprovado por unanimidade: "III – DECISÃO DA CÂMARA. A Câmara de Educação Superior aprova por unanimidade o voto da Comissão. Sala das Sessões, em 6 de maio de 2009. Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone – Presidente. Conselheiro Mario Portugal Pederneiras – Vice-Presidente". Parabéns, igualmente, aos membros da CES! A Teologia acadêmica agradece!
16. Cá me despeço, feliz, feliz, como criança no Natal, o a sensação de ter lutado o bom combate, ainda que uma batalha contra ninguém - uma batalha apenas a meu favor e a favor de uma Teologia que não tenha vergonha de sentar-se à mesa com as Ciências, e não por ser sem-vergonha, mas por justamente ter caráter e brio. E, agora sim, cidadania.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Caro Osvaldo,
Lamento, mas discordo radicalmente de sua apreciação do Parecer 118. A meu ver, ele é confuso - não distingue religião de teologia, nem teologia de ciências da religião - é pedagogicamente inviável: você reparou que apesar de seis eixos propostos para os currículos, não há um eixo teológico, nem se menciona a palavra religião? Ademais, o Parecer é autoritário e paternalista: diretrizes curriculares só são promulgadas pelo MEC após discussão com representantes das IESs - ninguém da teologia foi consultado.
Abs
Julio Zabatiero
Olá meu amigo Zabatiero, que honra! Sem nenhum sarcasmo, é um prazer enorme vê-lo aqui. São 5:33 da manhã, acabo de levantar para a labuta, e encontrá-lo é como esbarrar com você pela rua, para um bom dia fraterno. Obrigado por sua visita, e mais, por seu comentário.
Tenho que pegar o trânsito. Tenho a tarde meio livre, e vou responder sua crítica, está bem? É só o tempo de dar duas alas e almoçar...
Tenha também um bom dia, Zabatiero.
Osvaldo
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