segunda-feira, 18 de maio de 2009

(2009/270) Entre as espécies


1. 200 anos de Darwin. Com ele desfez-se o pedestal sobre o qual o cogito, o ser humano pensado e definido a partir da razão caiu. O tombo foi feio. Caiu o cogito e caiu também a imagem e semelhança. O edifício teológico, construído em resistência e em paralelidade ao edifício modernista ocidental, ruiu.

2. Ruiu, mas permaneceram as colunas e algumas paredes. Os teólogos mantêm estas estruturas de pé. O discurso da imagem e semelhança, em sua retórica da defesa dos enfraquecidos e esquecidos da história, é digno de ser mantido. Reforça a luta por condições se não isonômicas, pelo menos menos assimétricas. É um dos modos como nós, que perdemos as garras para a sobreviência física, sobrevivemos nas lutas simbólicas.

3. No mais, estamos aí, lançados em meio aos "criados como tu", como diz tão belamente em Jó. Fazemos parte da complexidade da teia da vida. É uma teia de vida e morte, o tempo todo. Não são somente as vespas, que, após longínqua carreira evolutiva, utilizam de seus recursos para prover a sobrevivência da espécie.

4. O requinte da crueldade também está nas marcas dos nossos espaços. Não é que há povos que comem animais ainda vivos? Não jogamos frutos do mar vivos em água fervente? Nós que nos orgulhamos do cogito? O que dizer dos campos de concentração. Nem penso no dos nazistas, pois estes de fato desmantelaram o orgulho do cogito europeu, na Europa, pois, embora com menos intensidade e compressão de espaço, em outros contextos experiências diferentes reproduziram lógica similar. Penso no modo como agricultores, por exemplo, no interior de Santa Catarina criam o franguinho que ormamenta as nossas mesas. Produzir em cativeiro animais em absoluta compressão de espaço e tempo, reduzindo a 32 dias um desenvolvimento que a natureza leva para dois terços a mais, com absoluta exaustão, pela intensa ingestão de hormônios, isso é algo que desfila em carro paralelo ao da vespa.

5. A vespa faz para reproduzir a espécie. Mas nós fazemos com requinte de racionalidade.

6. Darwin nos retroprojetou para junto das espécies.

7. A partir daí há que evoluir. Há que pensar nosso lugar em meio a teia evolutiva. Ha que refazer as conexões. Compaixão deveria estar entre os termos-chave da reinserção.

8. Mas, estranho, da barata não tenho pena. E aí já começo mal...


HAROLDO REIMER

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