1. Puxa vida! Minha postagem sobre a vespa-jóia rendeu reflexões em Haroldo e Jimmy. Jimmy me manda três e-mails - cada um de uma linha (mas é muito sovina esse sujeito!) -, cada um, uma golfada de sangue pisado. Haroldo, reage na tela de Peroratio (como deve ser, Jimmy!, conquanto seja agradável ler-lhe os e-mails).
2. Sim, Haroldo, ruiu. Se bem que está mais para aqueles casarões antigos ali de perto do Largo de São Francisco, casarões com a aparência de abandonados, quase caindo na cabeça da gente, às vezes, soltando rebocos, pedaços de lage, mas, ainda, de pé, sem que a gente saiba se vai cair amanhã de manhã, de tarde, ou de noite, ou se, ao contrário, vai ser restaurado e recomeçar a vida dentro dele.
3. Quando Nietzsche fez lá a profecia da morte de Deus - a rigor, apenas uma autópsia, porque o corpo, entregaram-no os próprios cristãos -, ele avisou-nos de que seu cheiro ainda haveria de ser sentido por muito tempo, seu cadáver, carregado às costas por muitos. Disse-o bem. Também as coisas que você diz terem caído, bem, caíram e não caíram - basta ligar a TV em horário nobre e assistir aos espetáculos de horror...
4. Penso aqui, contudo, na "evolução". Não me parece apropriado substituir uma teleologia teológica, de caráter platônico-hegeliano (Deus dirige a História até o cumprimento paulino-calvinista por ele predeterminado), por uma teleologia de caráter ateísta. Não penso que a idéia de "uma" evolução esteja correto. Penso que, para pensar o conceito de evolução, deveríamos pensar de modo aberto, plural, probabilístico, aleatório, com avanços, recuos, com dizimações, sem futuro determinado. Quer dizer, refiro-me, naturalmente, ao fenômeno geral da vida, deixando a questão mais complexa da História do Universo (falo da Tabela Periódica encenada em atos históricos) para outra manhã.
5. Estamos ainda na época infantil de projetarmos sobre os escombros do passado ensaios de epistemologia embrionária. A teologia migrou para o política (Lênin/Stalin) e as ciências (Newton) - e apenas passamos a pensar "secularmente", com os vícios teístas: um existencialismo pelagiano/arminiano, um estruturalismo agostiniano/calvinista - talvez todos, vícios de um teísmo monoteísta desconcertado desde dentro pela "encarnação" - definitiva? - do homem na História.
6. Precisamos passar para a fase do "politeísmo" epistemológico, para, então, quem sabe, conseguirmos nos livrar dessa inclinação hipostasiante. Que seja, então, por ora, pensarmos múltiplos centros, quase infinitos, de evoluções - cada espécie, uma história, e, mesmo dentro de cada espécie, roteiros aleatórios, ditados dia a dia pela ocorrência singular e fenomênica de relações imprevistas, incertas, fortuitas, singulares - a evolução é eco-situada: não há uma ontologia da evolução, apenas uma ecologia da evolução: por isso, evoluções ad hoc.
7. É preciso pensar a evolução no plural, para, então, pensarmos a vida humana também no plural. Não há centro. Nem periferia. Há efervescência - a vida é como chuva de meteoros. Há ensaios de roteiro. Há tentativas, frustrações, sucessos, recuos, avanços, evaporações, sobredeterminações, neuroses, recalques, probabilidades, chances, possibilidades. Cada homem espelha em si os processos múltiplos das evoluções, cada homem pode caminhar por onde queira e possa - e, no entanto, estará sempre ecossitemicamente situado, será sempre no tabuleiro da Natureza que cultivará seus delírios - de bem e de mal.
8. Nascemos faz dois dias. Balbuciamos palavras mal-sabidas/inventadas. Engatinhamos mal e porcamente. Ter ido à Lua? Não significa grande coisa, porque amanhã de manhã pode ser que destruamos o planeta: o céu e o inferno estão dentro de nós, aqui, agora. Se alguém sobreviver, talvez tenha de recomeçar tudo de novo, e, anotemos, nada garante que o romance será escrito do mesmo modo.
9. Uma vida humana é tempo pouco demais. Compreendermos tão pouco é, já, trabalho imenso. Talvez a sabedoria esteja em transformar isso, essa centelha, essa gota de luz, em praxis - viver isso, a pluralidade situada, a abertura ecossistêmica, a compreensão que em nós não vai nada além do que vai no processo geral da vida, que, contudo, é muito mais plural e aleatória do que podemos imaginar.
10. Por dois mil e quinhentos anos, por dez mil gerações - fechamo-nos, fora da vida. É necessário dar espaço às próximas gerações para se reconciliarem. Não estou certo de que nossas invenções simbólicas, velhas e surradas, estejam à altura da libertação humana. Não é apenas necessário inventar novas simbólicas - a própria simbólica precisa ser urgentemente revista.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Sim, Haroldo, ruiu. Se bem que está mais para aqueles casarões antigos ali de perto do Largo de São Francisco, casarões com a aparência de abandonados, quase caindo na cabeça da gente, às vezes, soltando rebocos, pedaços de lage, mas, ainda, de pé, sem que a gente saiba se vai cair amanhã de manhã, de tarde, ou de noite, ou se, ao contrário, vai ser restaurado e recomeçar a vida dentro dele.
3. Quando Nietzsche fez lá a profecia da morte de Deus - a rigor, apenas uma autópsia, porque o corpo, entregaram-no os próprios cristãos -, ele avisou-nos de que seu cheiro ainda haveria de ser sentido por muito tempo, seu cadáver, carregado às costas por muitos. Disse-o bem. Também as coisas que você diz terem caído, bem, caíram e não caíram - basta ligar a TV em horário nobre e assistir aos espetáculos de horror...
4. Penso aqui, contudo, na "evolução". Não me parece apropriado substituir uma teleologia teológica, de caráter platônico-hegeliano (Deus dirige a História até o cumprimento paulino-calvinista por ele predeterminado), por uma teleologia de caráter ateísta. Não penso que a idéia de "uma" evolução esteja correto. Penso que, para pensar o conceito de evolução, deveríamos pensar de modo aberto, plural, probabilístico, aleatório, com avanços, recuos, com dizimações, sem futuro determinado. Quer dizer, refiro-me, naturalmente, ao fenômeno geral da vida, deixando a questão mais complexa da História do Universo (falo da Tabela Periódica encenada em atos históricos) para outra manhã.
5. Estamos ainda na época infantil de projetarmos sobre os escombros do passado ensaios de epistemologia embrionária. A teologia migrou para o política (Lênin/Stalin) e as ciências (Newton) - e apenas passamos a pensar "secularmente", com os vícios teístas: um existencialismo pelagiano/arminiano, um estruturalismo agostiniano/calvinista - talvez todos, vícios de um teísmo monoteísta desconcertado desde dentro pela "encarnação" - definitiva? - do homem na História.
6. Precisamos passar para a fase do "politeísmo" epistemológico, para, então, quem sabe, conseguirmos nos livrar dessa inclinação hipostasiante. Que seja, então, por ora, pensarmos múltiplos centros, quase infinitos, de evoluções - cada espécie, uma história, e, mesmo dentro de cada espécie, roteiros aleatórios, ditados dia a dia pela ocorrência singular e fenomênica de relações imprevistas, incertas, fortuitas, singulares - a evolução é eco-situada: não há uma ontologia da evolução, apenas uma ecologia da evolução: por isso, evoluções ad hoc.
7. É preciso pensar a evolução no plural, para, então, pensarmos a vida humana também no plural. Não há centro. Nem periferia. Há efervescência - a vida é como chuva de meteoros. Há ensaios de roteiro. Há tentativas, frustrações, sucessos, recuos, avanços, evaporações, sobredeterminações, neuroses, recalques, probabilidades, chances, possibilidades. Cada homem espelha em si os processos múltiplos das evoluções, cada homem pode caminhar por onde queira e possa - e, no entanto, estará sempre ecossitemicamente situado, será sempre no tabuleiro da Natureza que cultivará seus delírios - de bem e de mal.
8. Nascemos faz dois dias. Balbuciamos palavras mal-sabidas/inventadas. Engatinhamos mal e porcamente. Ter ido à Lua? Não significa grande coisa, porque amanhã de manhã pode ser que destruamos o planeta: o céu e o inferno estão dentro de nós, aqui, agora. Se alguém sobreviver, talvez tenha de recomeçar tudo de novo, e, anotemos, nada garante que o romance será escrito do mesmo modo.
9. Uma vida humana é tempo pouco demais. Compreendermos tão pouco é, já, trabalho imenso. Talvez a sabedoria esteja em transformar isso, essa centelha, essa gota de luz, em praxis - viver isso, a pluralidade situada, a abertura ecossistêmica, a compreensão que em nós não vai nada além do que vai no processo geral da vida, que, contudo, é muito mais plural e aleatória do que podemos imaginar.
10. Por dois mil e quinhentos anos, por dez mil gerações - fechamo-nos, fora da vida. É necessário dar espaço às próximas gerações para se reconciliarem. Não estou certo de que nossas invenções simbólicas, velhas e surradas, estejam à altura da libertação humana. Não é apenas necessário inventar novas simbólicas - a própria simbólica precisa ser urgentemente revista.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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