segunda-feira, 4 de maio de 2009

(2009/251) Nauru - um retrato 3x4 do planeta?


1. 0' 31' 40.92'' S e 166' 56' 11.54'' L. Ou digite simplesmente Nauru e o Google Earth levará você para um sobrevôo ao terceiro menor país do mundo, uma pequena ilha no Pacífico, com 21 km2 - cabem duas Naurus dentro do território de Mesquita/RJ.

2. A história recente de Nauru é muito instrutiva - quase um holograma em miniatura da história do Ocidente - ao menos, do que a história do Ocidente pode chegar a ser. Rica em minerais fosfáticos, a ilha tornou-se um país independente em 1968, e, a partir de então, entrou para o time do Primeiro Mundo. Chegou a ter a segunda maior renda per capita do planeta, cuja riqueza vinha da mina de fosfatos localizada no centro da ilha. Por ironia, sua mina de fosfato não contribuía em nada para sua própria agricultura, já que a ilha constitui-se, basicamente, da mina e do litoral piscoso.

3. Nauru tornou-se muito rico. A riqueza passou a ser gasta de modo cada vez mais estravagante: uma empresa aérea própria com sete Boeings. Prédios de primeiro mundo. Importações de alimentos enlatados de todos os tipos. Importação de trabalhadores da China e da Austrália. Consumismo ocidental de Primeiro Mundo...

4. À medida que o progresso engolia a ilha, e o progresso, aí, representa a extração cada vez mais acelerada de fosfatos, também sua ecologia foi sendo devastada: "intensive phosphate mining during the past 90 years - mainly by a UK, Australia, and NZ consortium - has left the central 90% of Nauru a wasteland". Subitamente, o preço dos minerais fosfáticos caiu no mercado internacional. Para manter o nível de riqueza e as condições sociais de vida, a ilha investiu, então, no mercado financeiro. Tornou-se um "paraíso fiscal". Consta que a máfia russa teria lavado ali algo como 70 bilhões de dólares. Mas uma a uma, as empresas foram falindo. Em 2004, o país quebrou.

5. Hoje, os quatorze mil habitantes do país vivem de pesca. Podiam retornar à prática de extrativismo vegetal, coleta de frutas, mas, como se pode ver no Google Earth, não há mais tantas árvores na ilha... O povo tornou-se fechado, depois que uma série de documentários interpretaram a história da ilha como decorrente da inabilidade da etnia indígena local. Aqueles que se fartaram dos fosfatos da ilha, agora tratam seus habitantes com o clássico racismo ocidental...

6. Não é curioso que essa pequena história lembre, de algum modo, a recente história do planeta? Em nome do mercado, em nome das "necessidades" cada vez mais alucinantes, a ecologia planetária corre o risco de entrar em colapso. A ciranda e o cassino financeiros dos países ricos quase quebra o planeta. Os paraísos fiscais fazem a festa dos capitais criminosos de todas as nações.

7. Hoje, Nauru voltou ao século XIX. Se bem que tenha a infra-estrutura de país de primeiro mundo, já que as construções são recentes e ainda devem durar um bom tempo antes de se deteriorarem e eventualmente se transformarem em ruínas, a vida do povo retorna ao que fora antes do milagre econômico. Mas o mais interessante é que grande parcela da população daria um braço para voltar aos "belos" dias de glória...


(fontes: Nauru, uma ilha à deriva, CIA - The World FactBook, U.S. Departament Of State, Nauru Tourism, Department of Economic Development, Wikipédia).


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS1. Nada mal. Acabo de descobrir Paradise for Sale, de Carl N. McDaniel e John M. Gowdy, um livro que trata da História de Nauru exatamente nos termos em que, modestamente, refleti: como que a cupidez econômico-financeira pode pôr a perder todo um país: "In a captivating and moving style, the authors describe how the island became one of the richest nations in the world and how its citizens acquired all the ills of modern life: obesity, diabetes, heart disease, hypertension. At the same time, Nauru became 80 percent mined-out ruins that contain severely impoverished biological communities of little value in supporting human habitation".

PS2. Nauru só é menor do que o Vaticano (0,44 km2) e o Principado de Mônaco (1,9 km2). Naturalmetne que não se pode contar aí o Principado de Sealand, já que nenhum país do mundo reconheceu-o oficialmente como um país...

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