1. Está bem, é uma questão subjetiva, eu sei. O problema, contudo é: a subjetividade é não-ecológica? Quando uma comunidade inteira consome determinada música - penso aqui, especificamente, mas à guisa de exemplo, no funk pornográfico e promotor de ilegalidades (1) que assola as comunidades pobres dos morros cariocas, invade os subúrbios do Grande Rio e da Baixada Fluminense e chega a invadir nossas casas, como é meu caso, dado o "gosto" de alguns de meus vizinhos - trata-se de um fenômeno inevitável? Esse "gosto" é, digamos, genético? É natural? É, assim, digamos, inexorável e irrefreável? É um "dom"? Ou, antes, trata-se de uma adesão subjetiva, sim, mas à luz ecológica da experiência concreta e das alternativas sócio-culturais dessas comunidades? Nasceu com eles ou, antes, eles "aprenderam" a gostar disso, e não porque havia exatamente uma gama variadíssima de opções - muito pelo contrário! -?
2. Trago a discussão para o campo do consumo dos símbolos religiosos. Avalio o tema sob um recorte muito restrito - a prática batista, que é a minha. Desde 1993, leciono em instituições oficiais de ensino teológico batista. Na prática, 90% dos alunos e das alunas que para aí vão comporão a "elite" gestora das igrejas e, de certo modo, das associações regionais e convenções estaduais e nacionais dos batistas brasileiros. São os "vocacionados". Ordenados, passam para uma outra dimensão - acresce-lhes, vejam só, até um termo ao nome...
3. Quando vêm para cá, saem das igrejas com uma idéia absolutamente equivocada do que seja teologia - e mesmo Bíblia! Culpa, obivamente, de seus próprios líderes, eles mesmos, a seu tempo e modo, vítimas do processo cruel que se instalou na administração político-religiosa dessas comunidades todas. Daí que haja muitos "iluminados" que não apenas detestam a teologia e a exegese criticamente engajadas, mas, inescrupulosamente, ocultam informações de seus "vocacionados", de suas "ovelhas" - e, se um dia Jesus lhes aparecer na frente, também de Jesus.
4. Quando esses "vocacionados" chegam às salas de aula, mas isso apenas em lugares onde não são escondidas informações, e também onde eles são tratados como pessoas, e não como peças numa linha de montagem, e, então, se deparam com as informações que é de dever ser-lhes fornecidas, informações, aliás, a que deveriam ter tido acesso desde sempre, mas lhes roubaram o direito, alguns, então, fecham-se, apavorados, outros, reagem, sob o controle da idéia-neurose, e outros, animam-se, motivados pela esperança. As diversas reações, antagônicas até, revelam, por si só, que nada é congênito na subjetividade - é o cenário que atualiza as potencialidades político-religiosas humanas, mesmo o "gosto", inclusive o "símbolo". Em tudo, o homem é ecológico.
5. Nesse contexto, o que mais se ouve é justamente a afirmação de que a igreja (e eles se referem tanto àquela que os "enviara" quanto aquela, supostamente "universal") não ia agüentar o tranco, não ia gostar, não ia querer saber, ia falir, iam sair, todos, correndo...
6. Essa reação dos estudantes me faz concluir: a) que os próprios "vocacionados" reconhecem, tacitamente, talvez com isso até expressem sua própria condição, que a "igreja" só está ali, fazendo o que faz, porque há meia dúzia de "iluminados" mantendo-as ali, sob a condição de não as permitirem desconfiar que não é bem do jeito que pensam que as coisas são. Isso quer dizer que, tacitamente, eles acreditam que, se as pessoas da igreja vierem a "saber" o que "não sabem" (o que lhes é furtado saber), automaticamente irão embora, para nunca mais voltar.
7. Concluo ainda b) que, na prática, essas igrejas nunca hão de mudar, salvo um milagre?, porque os "vocacionados", que deveriam ter a missão de promoverem as transformações, simplesmente se omitem, entregues a essa idéia política de que é a igreja que não quer mudar, quando, a rigor, ela sequer sabe que essa possibilidade existe. E existe!
8. Minto? Tem certeza? Então que me seja explicado: por que, quando esses mesmos "vocacionados" querem, eles simplesmente enfiam goela abaixo da igreja novos "modelos" de igreja? Não foi assim na década de oitenta, quando mais e mais "vocacionados" arrastaram multidões para suas comunidades "renovadas"? Não foi assim na década de noventa, quando mais e mais "vocacionados" arrastaram metade de uma multidão para "comunidades em células" e a outra metade para modelos "com propósito", as mais das vezes sob o argumento criminoso de visões de Deus? Alguns deles, ao vê-los, ali, nos bancos da classe, já antecipava o gesto. Errei pouco quanto a essas previsões...
9. Ah, não, só há um benefício e para uma única classe derivado da situação contemporâena das igrejas, teocratizadas e pseudo-espiritualizadas (alienadas!) de nosso tempo - o poder sempre maior de seus "vocacionados". Privados de pensar com a própria cabeça, privados de pensar, privados de ler, privados de saber, acabam nas mãos "sacramentais" de homens e mulheres que ainda ou acreditam, ou fingem acreditar, em "manifestações divinas", depois de tudo que aprendemos em duzentos anos, ao passo que os budistas sabem, há milênios, que, se Buda for encontrado, deve ser imediatamente morto...
10. Se os "vocacionados" assumissem, verdadeiramente sua honestidade crítica, a primeira coisa que fariam - e o preço é alto, atíssimo, eu sei - seria parar, imediatamente, de manipular as consciências, os corpos - mesmo que sob a desculpa de que é para o bem - dessa gente que sobre si permite seja invocado o nome de Deus e de Jesus. É criminoso!
11. Como poderão escolher, se não lhes dão alternativas? Como saberemos o que eles realmente pensam de sua situação, se a creditam a um desígnio de Deus? Como poderemos estar seguros de que estão ali por pura expressão da liberdade - liberdade que só existe em face da auto-gestão de suas próprias vidas, à luz das opções que, de fato, lhes são de direito -, se seus "vocacionados-gestores" não lhes facultam tais opções? Pelo contrário, eles lhes controem muros altíssimos ao redor da mente, ao redor do corpo.
12. Para retornar, então, ao tema com que abri essa discussão, vale perguntar se a economia simbólica com que essa multidão lida semana após semana, dia a dia, é "naturalmente subjetiva", ou se, ao contrário, ela foi gestada pela sua própria história e ecologia, administrada programaticamente pelos sistemas de gestão teocráticos que as enfetiçam, como que divinos, eles, os sacerdotes (só falta a coragem de usar o termo), fossem.
13. Eu gostaria de crer que há uma outra igreja possível, um outro modo, verdadeiramente novo, não falsamente novo, de ser igreja, de relacionar-se, seja com o próximo, seja com seus próprios mitos. Mas não consigo crer - e cada vez menos - que as sucessivas levas de "vocacionados" estejam, de algum modo, preocupados com isso... Não estão a serviço delas. São operários de Deus. Eventualmente, de si mesmos.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
1. Por favor, saibam ler-me: não disse "funk, pornográfico e promotor de ilegalidades", mas "funk pornográfico e promotor de ilegalidades". Com vírgula, eu estaria dizendo que todo funk o é como esse que descrevo. Sem vírgula, estou me referindo apenas aquele funk que é, nesse caso, assim. Nem todo funk o é. E há alguns dos quais até gosto. Poucos, vá lá. Mas há. Está bem - bem poucos.
2. Trago a discussão para o campo do consumo dos símbolos religiosos. Avalio o tema sob um recorte muito restrito - a prática batista, que é a minha. Desde 1993, leciono em instituições oficiais de ensino teológico batista. Na prática, 90% dos alunos e das alunas que para aí vão comporão a "elite" gestora das igrejas e, de certo modo, das associações regionais e convenções estaduais e nacionais dos batistas brasileiros. São os "vocacionados". Ordenados, passam para uma outra dimensão - acresce-lhes, vejam só, até um termo ao nome...
3. Quando vêm para cá, saem das igrejas com uma idéia absolutamente equivocada do que seja teologia - e mesmo Bíblia! Culpa, obivamente, de seus próprios líderes, eles mesmos, a seu tempo e modo, vítimas do processo cruel que se instalou na administração político-religiosa dessas comunidades todas. Daí que haja muitos "iluminados" que não apenas detestam a teologia e a exegese criticamente engajadas, mas, inescrupulosamente, ocultam informações de seus "vocacionados", de suas "ovelhas" - e, se um dia Jesus lhes aparecer na frente, também de Jesus.
4. Quando esses "vocacionados" chegam às salas de aula, mas isso apenas em lugares onde não são escondidas informações, e também onde eles são tratados como pessoas, e não como peças numa linha de montagem, e, então, se deparam com as informações que é de dever ser-lhes fornecidas, informações, aliás, a que deveriam ter tido acesso desde sempre, mas lhes roubaram o direito, alguns, então, fecham-se, apavorados, outros, reagem, sob o controle da idéia-neurose, e outros, animam-se, motivados pela esperança. As diversas reações, antagônicas até, revelam, por si só, que nada é congênito na subjetividade - é o cenário que atualiza as potencialidades político-religiosas humanas, mesmo o "gosto", inclusive o "símbolo". Em tudo, o homem é ecológico.
5. Nesse contexto, o que mais se ouve é justamente a afirmação de que a igreja (e eles se referem tanto àquela que os "enviara" quanto aquela, supostamente "universal") não ia agüentar o tranco, não ia gostar, não ia querer saber, ia falir, iam sair, todos, correndo...
6. Essa reação dos estudantes me faz concluir: a) que os próprios "vocacionados" reconhecem, tacitamente, talvez com isso até expressem sua própria condição, que a "igreja" só está ali, fazendo o que faz, porque há meia dúzia de "iluminados" mantendo-as ali, sob a condição de não as permitirem desconfiar que não é bem do jeito que pensam que as coisas são. Isso quer dizer que, tacitamente, eles acreditam que, se as pessoas da igreja vierem a "saber" o que "não sabem" (o que lhes é furtado saber), automaticamente irão embora, para nunca mais voltar.
7. Concluo ainda b) que, na prática, essas igrejas nunca hão de mudar, salvo um milagre?, porque os "vocacionados", que deveriam ter a missão de promoverem as transformações, simplesmente se omitem, entregues a essa idéia política de que é a igreja que não quer mudar, quando, a rigor, ela sequer sabe que essa possibilidade existe. E existe!
8. Minto? Tem certeza? Então que me seja explicado: por que, quando esses mesmos "vocacionados" querem, eles simplesmente enfiam goela abaixo da igreja novos "modelos" de igreja? Não foi assim na década de oitenta, quando mais e mais "vocacionados" arrastaram multidões para suas comunidades "renovadas"? Não foi assim na década de noventa, quando mais e mais "vocacionados" arrastaram metade de uma multidão para "comunidades em células" e a outra metade para modelos "com propósito", as mais das vezes sob o argumento criminoso de visões de Deus? Alguns deles, ao vê-los, ali, nos bancos da classe, já antecipava o gesto. Errei pouco quanto a essas previsões...
9. Ah, não, só há um benefício e para uma única classe derivado da situação contemporâena das igrejas, teocratizadas e pseudo-espiritualizadas (alienadas!) de nosso tempo - o poder sempre maior de seus "vocacionados". Privados de pensar com a própria cabeça, privados de pensar, privados de ler, privados de saber, acabam nas mãos "sacramentais" de homens e mulheres que ainda ou acreditam, ou fingem acreditar, em "manifestações divinas", depois de tudo que aprendemos em duzentos anos, ao passo que os budistas sabem, há milênios, que, se Buda for encontrado, deve ser imediatamente morto...
10. Se os "vocacionados" assumissem, verdadeiramente sua honestidade crítica, a primeira coisa que fariam - e o preço é alto, atíssimo, eu sei - seria parar, imediatamente, de manipular as consciências, os corpos - mesmo que sob a desculpa de que é para o bem - dessa gente que sobre si permite seja invocado o nome de Deus e de Jesus. É criminoso!
11. Como poderão escolher, se não lhes dão alternativas? Como saberemos o que eles realmente pensam de sua situação, se a creditam a um desígnio de Deus? Como poderemos estar seguros de que estão ali por pura expressão da liberdade - liberdade que só existe em face da auto-gestão de suas próprias vidas, à luz das opções que, de fato, lhes são de direito -, se seus "vocacionados-gestores" não lhes facultam tais opções? Pelo contrário, eles lhes controem muros altíssimos ao redor da mente, ao redor do corpo.
12. Para retornar, então, ao tema com que abri essa discussão, vale perguntar se a economia simbólica com que essa multidão lida semana após semana, dia a dia, é "naturalmente subjetiva", ou se, ao contrário, ela foi gestada pela sua própria história e ecologia, administrada programaticamente pelos sistemas de gestão teocráticos que as enfetiçam, como que divinos, eles, os sacerdotes (só falta a coragem de usar o termo), fossem.
13. Eu gostaria de crer que há uma outra igreja possível, um outro modo, verdadeiramente novo, não falsamente novo, de ser igreja, de relacionar-se, seja com o próximo, seja com seus próprios mitos. Mas não consigo crer - e cada vez menos - que as sucessivas levas de "vocacionados" estejam, de algum modo, preocupados com isso... Não estão a serviço delas. São operários de Deus. Eventualmente, de si mesmos.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
1. Por favor, saibam ler-me: não disse "funk, pornográfico e promotor de ilegalidades", mas "funk pornográfico e promotor de ilegalidades". Com vírgula, eu estaria dizendo que todo funk o é como esse que descrevo. Sem vírgula, estou me referindo apenas aquele funk que é, nesse caso, assim. Nem todo funk o é. E há alguns dos quais até gosto. Poucos, vá lá. Mas há. Está bem - bem poucos.
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