1. Teologia, agora, é oficial. Está no MEC. Quer queiramos, quer não, ser teólogo, agora, é in. E, saibamos, não se trata, apenas, de teologia cristã. Todas elas. Quais? Qualquer uma, porque, a rigor, não faz diferença. Um teólogo cristão talvez tenha lá suas reservas, porque há de considerar a sua, a teologia, quiçá a única, logo ele, tão dado a inculturações e a transculturações "dialogais", e há de considerar que o MEC não entendeu direito do que se tratava...
2. Bem, nesse caso, não se vá deixar de lado nenhuma teologia. Por exemplo, chega-me à mão um texto muito interessante, que, a despeito da distância enorme que o separa de minha própria "espiritualidade", toca-me no campo de algumas instigações que já me permiti, quando pensava a respeito da possibilidade de algumas práticas proféticas e/ou visionárias da tradição israelita/judaíta terem sido fomentadas por meio de ingestão de substâncias alucinógenas - ou, nos termos próprios, enteógenas. O artigo que acabo de ler trata justamente disso: no contexto da religião do Daime, num texto muito bem escrito, Alex Polari de Alverga pergunta-se - e a nós, penso eu -: Seriam os Deuses Alcalóides?
3. A hipótese do artigo é a de que as substâncias enteógenas têm o poder de colocar a consciência humana de si em contato com a Consciência Universal, e que tal experiência, inefável, dela participa o "mirante", ou seja, aquele que se permite a percepção das realidades últimas sob o efeito das substâncias sagradas - enteógenas. Naturalmente que essa hipótese não pode ser - por mim? - refutada, de modo que passo por ela como que por algo interessante de ler, para, então, me deter mais à frente.
4. O ponto em que paro é aquele em que Alverga desce das alturas enteógenas para o campo da crítica das hipóteses científico-humanistas da religião - Alverga comenta as hipóteses de Marx e de Freud. Ei-lo a dizer: "as últimas gerações viram naufragar as esperanças depositadas nas soluções marxista e freudiana, incapazes de solucionar totalmente o enigma da consciência humana. Isso porque, o marxismo confiou demasiadamente na suposição de que a consciência seria uma mera introjeção das relações sociais, bastando promover uma ordem social mais justa para gerar um estado de consciência mais elevado. Já a psicanálise freudiana falhou porque superestimou o papel que a liberação da sexualidade poderia trazer para a humanidade, e que terminou se limitando a cura de uns tantos casos de histeria e neurose no contexto da sociedade ocidental".
5. Bem, quanto a Marx, ainda que não fosse assim tão simples quanto a desenhada por Alverga, mas que seja, devemos reconhecer que a condição suposta jamais foi alcançada, em qualquer sociedade do planeta, para que pudéssemos "descartar" a hipótese marxiana. E, mais uma vez insistirei, com ou sem Daime, com ou sem Espírito Santo, o conteúdo concreto das religiões (ou seja, seus mitos, suas doutrinas, suas explicações, seus credos, seus ritos) são, sem exceções, elucubrações da imaginação humana, somente por um salto não-epistemologicamente acompanhável transformado em "revelação", transformação essa que, ou nela se crê, ou se dá de ombros. Nos dois casos, dou de ombros.
6. Alverga não pode esquecer, nem nós, cristãos, principalmente aqueles carismáticos entre nós, que as experiências místicas, emocional-carismáticas ou enteógenas, são experiências de não-conteúdo. É a consciência, de posse das "memórias" alucinógenas, quando é o caso, que tece e entretece, a posteriori, as explicações, para o que haverá de recorrer desde à tradição até as novidades das ciências - como Alverga faz. Não se pode, impunemente, misturar, acriticamente, a experiência extática, em si, e as explicações racionalizadas que lhe são propostas a posteriori. E, no que concerne às explicações, são, todas, antropológicas - ainda que Alverga deseje recorrer, e o afirme fazê-lo, a uma "antroposofia", do mesmo tipo e da mesma qualidade que aquela "teopsicologia" a que os teólogos junguianos que tenho comentado soem recorrer (não é à toa que falamos de teologia...).
7. Quanto a Freud, não se vá misturar a sua teoria da sexualidade e suas concepções a respeito da religião. Para Freud, a religião constitui uma "ilusão", em sentido psicológico, assim como a idéia a respeito de "Deus" constituiria uma neurose. Não há de ser recriminado por isso. Freud está, nesse campo, certo. Freud não pode falar de um eventual "Deus" extra-humano, extra-psicológico, platônico ou enteógeno, tanto faz. Só pode falar daquele "Deus" que cabe à consciência humana, ou seja, aquela idéia de Deus que os homens nutrem desde a infância, catequisados, então, até a velhice e morte, e que sobrevive ao pó em que se convertem. Quanto a esse "Deus", a essa "idéia-imagem", não resta dúvida de que se trata, mesmo, de uma neurose. Quanto ao eventual "Outro Deus", como "saber"?
8. O problema das religiões, hoje, é se deixarem obrigar pela discursividade teológico-científica a saírem de sua plataforma epistemológica e a ligitimarem-se nela. É como se, apesar da crítica que fazem às ciências - que teólogo há que não dê suas estocadas pelas costas de Marx, Nietzsche e Freud, sempre que podem?, heim, Hans Küng? -, no fundo, elas, as religiões modernas, e as velhas, modernizadas, tivessem um profundo ciúme delas, das ciências, ensaiando gestos de tomar delas seu discurso científico para, com ele, legitimarem-se a si mesmas, as teologias, como um von Sinner tentou - debalde, e não pelo fato de ter tentado uma teologia científica, exeqüível, quero crer, mas por ter tentado fazer da teologia medieval e religiosa uma ciência. Por que não ficam onde estão? Por que não se assumem como mito, que são, e usufruem de seu direito de existência? Por que essa neurose de fundamentação "científica" ao preço, sempre, da fraude epistemológica? É assim essa neurose tão profunda que, não importa o registro discursivo, ela quer "cidadania"?
9. Eu acho que deve ser o máximo do "barato" a experiencia do Daime, e o digo sem ironia, para quem tem personalidade própria para experiências enteógenas. Eu tenho dúvidas se sequer um exercício eu poderia fazer, porque tenho horror à perda da consciência. Não vejo que o resultado, o estado alterado de consciência, aí, seja muito diferente do daqueles produzidos em cultos carismáticos. Há um divino que se acha, apenas, na supressão do humano - é ele que se pode encontrar nessas experiências.
10. Seja como for, estou mesmo bastante interessado em perguntar a respeito da tradição enteógena provável por trás de alguns profetas bíblicos - e certamente não para, com isso, legitimar as suas práticas, mas para compreendê-las! Em Is 4,2-6, numa passagem que a América Latina relacionou ao sangue dos inocentes derramados em Jerusalém, leio, lá, "sangue e vômito" - vejo, lá, mulheres. Sangue e vômito, ali, me permitem uma tentação de os relacionar a práticas religiosas "enteógenas" de sacerdotizas, mulheres, judaítas, interditadas pelo sacerdócio macho de Judá. Mas falta-me, ainda, fôlego para a pesquisa. Alex Polari de Alverga bate à minha porta para lembrar-me de que é preciso não perder isso de vista. Esta "miração" me seria um barato...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Bem, nesse caso, não se vá deixar de lado nenhuma teologia. Por exemplo, chega-me à mão um texto muito interessante, que, a despeito da distância enorme que o separa de minha própria "espiritualidade", toca-me no campo de algumas instigações que já me permiti, quando pensava a respeito da possibilidade de algumas práticas proféticas e/ou visionárias da tradição israelita/judaíta terem sido fomentadas por meio de ingestão de substâncias alucinógenas - ou, nos termos próprios, enteógenas. O artigo que acabo de ler trata justamente disso: no contexto da religião do Daime, num texto muito bem escrito, Alex Polari de Alverga pergunta-se - e a nós, penso eu -: Seriam os Deuses Alcalóides?
3. A hipótese do artigo é a de que as substâncias enteógenas têm o poder de colocar a consciência humana de si em contato com a Consciência Universal, e que tal experiência, inefável, dela participa o "mirante", ou seja, aquele que se permite a percepção das realidades últimas sob o efeito das substâncias sagradas - enteógenas. Naturalmente que essa hipótese não pode ser - por mim? - refutada, de modo que passo por ela como que por algo interessante de ler, para, então, me deter mais à frente.
4. O ponto em que paro é aquele em que Alverga desce das alturas enteógenas para o campo da crítica das hipóteses científico-humanistas da religião - Alverga comenta as hipóteses de Marx e de Freud. Ei-lo a dizer: "as últimas gerações viram naufragar as esperanças depositadas nas soluções marxista e freudiana, incapazes de solucionar totalmente o enigma da consciência humana. Isso porque, o marxismo confiou demasiadamente na suposição de que a consciência seria uma mera introjeção das relações sociais, bastando promover uma ordem social mais justa para gerar um estado de consciência mais elevado. Já a psicanálise freudiana falhou porque superestimou o papel que a liberação da sexualidade poderia trazer para a humanidade, e que terminou se limitando a cura de uns tantos casos de histeria e neurose no contexto da sociedade ocidental".
5. Bem, quanto a Marx, ainda que não fosse assim tão simples quanto a desenhada por Alverga, mas que seja, devemos reconhecer que a condição suposta jamais foi alcançada, em qualquer sociedade do planeta, para que pudéssemos "descartar" a hipótese marxiana. E, mais uma vez insistirei, com ou sem Daime, com ou sem Espírito Santo, o conteúdo concreto das religiões (ou seja, seus mitos, suas doutrinas, suas explicações, seus credos, seus ritos) são, sem exceções, elucubrações da imaginação humana, somente por um salto não-epistemologicamente acompanhável transformado em "revelação", transformação essa que, ou nela se crê, ou se dá de ombros. Nos dois casos, dou de ombros.
6. Alverga não pode esquecer, nem nós, cristãos, principalmente aqueles carismáticos entre nós, que as experiências místicas, emocional-carismáticas ou enteógenas, são experiências de não-conteúdo. É a consciência, de posse das "memórias" alucinógenas, quando é o caso, que tece e entretece, a posteriori, as explicações, para o que haverá de recorrer desde à tradição até as novidades das ciências - como Alverga faz. Não se pode, impunemente, misturar, acriticamente, a experiência extática, em si, e as explicações racionalizadas que lhe são propostas a posteriori. E, no que concerne às explicações, são, todas, antropológicas - ainda que Alverga deseje recorrer, e o afirme fazê-lo, a uma "antroposofia", do mesmo tipo e da mesma qualidade que aquela "teopsicologia" a que os teólogos junguianos que tenho comentado soem recorrer (não é à toa que falamos de teologia...).
7. Quanto a Freud, não se vá misturar a sua teoria da sexualidade e suas concepções a respeito da religião. Para Freud, a religião constitui uma "ilusão", em sentido psicológico, assim como a idéia a respeito de "Deus" constituiria uma neurose. Não há de ser recriminado por isso. Freud está, nesse campo, certo. Freud não pode falar de um eventual "Deus" extra-humano, extra-psicológico, platônico ou enteógeno, tanto faz. Só pode falar daquele "Deus" que cabe à consciência humana, ou seja, aquela idéia de Deus que os homens nutrem desde a infância, catequisados, então, até a velhice e morte, e que sobrevive ao pó em que se convertem. Quanto a esse "Deus", a essa "idéia-imagem", não resta dúvida de que se trata, mesmo, de uma neurose. Quanto ao eventual "Outro Deus", como "saber"?
8. O problema das religiões, hoje, é se deixarem obrigar pela discursividade teológico-científica a saírem de sua plataforma epistemológica e a ligitimarem-se nela. É como se, apesar da crítica que fazem às ciências - que teólogo há que não dê suas estocadas pelas costas de Marx, Nietzsche e Freud, sempre que podem?, heim, Hans Küng? -, no fundo, elas, as religiões modernas, e as velhas, modernizadas, tivessem um profundo ciúme delas, das ciências, ensaiando gestos de tomar delas seu discurso científico para, com ele, legitimarem-se a si mesmas, as teologias, como um von Sinner tentou - debalde, e não pelo fato de ter tentado uma teologia científica, exeqüível, quero crer, mas por ter tentado fazer da teologia medieval e religiosa uma ciência. Por que não ficam onde estão? Por que não se assumem como mito, que são, e usufruem de seu direito de existência? Por que essa neurose de fundamentação "científica" ao preço, sempre, da fraude epistemológica? É assim essa neurose tão profunda que, não importa o registro discursivo, ela quer "cidadania"?
9. Eu acho que deve ser o máximo do "barato" a experiencia do Daime, e o digo sem ironia, para quem tem personalidade própria para experiências enteógenas. Eu tenho dúvidas se sequer um exercício eu poderia fazer, porque tenho horror à perda da consciência. Não vejo que o resultado, o estado alterado de consciência, aí, seja muito diferente do daqueles produzidos em cultos carismáticos. Há um divino que se acha, apenas, na supressão do humano - é ele que se pode encontrar nessas experiências.
10. Seja como for, estou mesmo bastante interessado em perguntar a respeito da tradição enteógena provável por trás de alguns profetas bíblicos - e certamente não para, com isso, legitimar as suas práticas, mas para compreendê-las! Em Is 4,2-6, numa passagem que a América Latina relacionou ao sangue dos inocentes derramados em Jerusalém, leio, lá, "sangue e vômito" - vejo, lá, mulheres. Sangue e vômito, ali, me permitem uma tentação de os relacionar a práticas religiosas "enteógenas" de sacerdotizas, mulheres, judaítas, interditadas pelo sacerdócio macho de Judá. Mas falta-me, ainda, fôlego para a pesquisa. Alex Polari de Alverga bate à minha porta para lembrar-me de que é preciso não perder isso de vista. Esta "miração" me seria um barato...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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