segunda-feira, 13 de abril de 2009

(2009/165) Religião e saber


1. Mais um livro tratando da aproximação científico-humanista da religião com aquele tipo de crítica que faz da abordagem emancipada do fenômeno religioso uma espécie de "vingança" - compreensível, quase se registra - de criaturas que foram vítimas dos exageros da religião - condenáveis, quase se ouve dizer. No entanto, é a religião mesma quem sabe de si, e pronto.

2. Eu considero as abordagens desse tipo um desserviço, seja à pesquisa, seja à religião. Não cansarei de dizer: a religião não sabe nada, absolutamente, nada de si. A ênfase está no "sabe". Que a religião diz e diz e diz e diz coisas de si mesma, sabe-se desde a pré-história. No entanto, desde há não mais que duzentos e poucos anos se fez, programaticamente, uma distinção teórico-metodológica muito clara entre "saber" e "crer", sem cuja distinção não sobrevive qualquer diferença entre conhecimento cientificamente fundamentado e tradição ou opinião.

3. Não é preciso muita lucidez para reconhecer-se que nenhuma religião do planeta, nem a cristã, metida a saber-se filosófica e superior às demais, mas, nem ela nem nenhuma outra religião do planeta aceitaram essa regra heurística - todas elas lêem-se por meio de suas próprias doutrinas, sua própria mística, sua própria tradição, segundo a maioria das quais as demais são todas do diabo. Mesmo apenas com a lucidez média de cursos de graduação (dispensaam-se mestrados e doutorados), qualquer um pode compreender que se deve decidir sob que plataforma epistemológica se há de decidir sobre as questões epistemológicas.

4. Segundo a estrutura discursiva de Paden, o discurso que a religião faz de si mesma é correlativo ao discurso que as "ciências" (vingativas) fazem dela. Depois de dois capítulos muito introdutórios, seguem-se os seguintes capítulos: "3. Como a sociedade, assim é a religião", "4. Como a psique, assim é a religião", 4. Perspectiva comparada no estudo da religião" e, finalmente, "6. Interpretações religiosas da religião: visões internas". Ou seja, o que a Sociologia, a Psicologia e a História das Religiões têm a dizer a respeito do fenômeno religioso é estruturalmente equivalente ao que as próprias religiões dizem de si. Para encerrar, a coroação do argumento, oferece-se ao leitor o capítulo-chave: "7. A contextualidade da interpretação", cujo objetivo é reduzir a uma temporalidade sem fundamento para além de um gosto temporal/temporário de uma cultura dita moderna todo o esforço crítico-científico levado a termo em face do objeto "religião".

5. Trata-se de William E. PADEN, Interpretando o Sagrado - modos de conceber a religião. São Paulo: Paulinas, 2001, do qual eu diria o seguinte. Aquele que quer assumir como "conhecimento" o que as próprias religiões dizem de si, ou o que a sua própria religião diz de si e das demais, tem aí um bom instrumento político de "legitimação" ao desprezo ou à relativização das abordagens crítico-científicas. Assim, com Paden na mão, alguém poderia dar de ombros diante de todos os pronunciamentos científico-humanistas sobre "religião", para o que "estaria" suficientemente fundamentado no "saber" que sua própria tradição fornece a respeito de si mesma. Para os críticos - que nada têm de necessariamente vingativos, ao contrário do que acusa o autor -, Paden não apenas não terá serventia, quanto causará urticárias. Mas, sabe-se lá?, eventualmente se goste de coceira. Tenho a reclamar, contudo, que, aos R$ 17,80 que paguei, não foi acrescida uma emulsão anti-histamínica.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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