1. Hoje, não. Hoje é possível e provável que alguém o faça por uma questão de costume e cultura, de protocolo, digamos assim. Assim: há milhares que o fazem, há milhões que esperam que seja feito, faz-se aqui, dentro da Igreja, tanto quanto lá fora, nas outras religiões - logo, o normal, o natural, o que se espera, é que líderes falem "em nome de Deus", ou seja, que se expressem como que porta-vozes do divino, seja ele qual for. É assim como donos de empresas andarem de carros de luxo, artistas meterem-se com drogas, políticos deixarem-se tomar por corrução, moças do BBB posarem para revistas ditas de "nu astístico", são todos esses comportamentos muito mais do que esperados - é de praxe. É assim que as coisas acontecem e, se não acontece para todo mundo, o anti-natural, aquilo que sai da normalidade, é justamente essa exceção.
2. De modo que não diria que hoje, aquele que fale "em nome de Deus" o faça necessariamente, ou por uma espécie de delírio, ou por uma deslavada sem-vergonhice, ainda que haja, sim, ainda hoje, os que o fazem por essas razões, mas o todo já não se resume, mais, a eles.
3. No início das religiões, não duvidaria de uma estreita relação entre sacerdócio e loucura. Não há, ainda, uma rede de práticas "naturais" a ser copiada, como hoje, quando o aspirante ao sacerdócio já sabe até como se comportar, como orar, o que dizer - ele até muda a voz! Também não sou de imaginar que o primeiro sacerdote tenha sido um espertalhão à custa de simplórias criaturas, dadivosas. Como não partirei para a opção de estabelecer aqui a hipótese de que o próprio Deus fale por eles, resta-me assentar uma base que especule na direção da loucura mesmo, seja uma loucura pura e simpelsmente psico-biológica, seja uma loucura momentânea, causada pela ingestão, incialmente casual, e, finalmente, programática, de líquidos e substâncias alucinógenas, como o jupará, "bêbado" de comer frutas velhas, caídas no chão de árvores, fermentadas.
4. Talvez o sujeito "ouvisse" vozes, mesmo. Daí, para a instrumentalização dessas vozes para a relação religiosa da comunidade pode ter sido um pulo. Talvez a loucura fosse até mesmo um sinal de carisma - talvez o "transe" administrado não passasse de uma tentativa de mimese dos estados de loucura - dos surtos: um bom sacerdote, um exímio xamã, petrifica o olhar, assim, e repete mantras, desse jeito... agora, faz você...
5. Logo mais, os espertalhões de todas as culturas, observando como aquele bando de gente, se o xamã as mandava sentar, elas sentavam, de pé, elas ficavam, pra lá, pra lá, pra cá, pra cá, aproveitaram-se da capacidade mimética humana e começaram a fazer-de-conta, representando teatralmente os gestos, já conhecidos, os passos, os passes, verbalizando as palavras, já decoradas. Deu certo. Difícil separar a nuvem dos espertalhões da dos alucinados - ressalvando-se que, segundo a hipótese que aqui articulo, os "honestos" contam-se entre os últimos...
6. Na modernidade, ou seja, esses dias em que vivemos, e talvez já há algum tempo, surgiu uma terceira via, ao lado da loucura e da fraude consciente: o protocolo cultural. Não é preciso, mais, ser psicologicamente disfuncional, necessariamente, nem necessariamente estelionatário, porque a cultura religiosa já espera que o comportamento da liderança se legitime no "falar de Deus" - e quanto mais, melhor! Trata-se de um comportamento padrão, um estereótipo, uma normalidade comportamental, uma etiqueta religiosa, à luz do que a massa crente "julga" a habilidade de seu sacerdote, o que valeria, indistintamente, para quaisquer religiões e, dentro de uma específica, para qualquer uma de suas facções.
7. Sentado aqui, nesse dia nublado e de pensativas reflexões circunstanciais, penso que, hoje, é preciso muito esforço pessoal para reconhecer-se o absurdo em que se constitui alguém falar em nome de Deus - seja na ontologia ou na metáfora. É preciso insurgir-se contra uma longa história, seja de demência, seja de embuste, seja de protocolo. É preciso dizer não. E, eventualmente, ficar só.
OSVALDO LUZI RIBEIRO
2. De modo que não diria que hoje, aquele que fale "em nome de Deus" o faça necessariamente, ou por uma espécie de delírio, ou por uma deslavada sem-vergonhice, ainda que haja, sim, ainda hoje, os que o fazem por essas razões, mas o todo já não se resume, mais, a eles.
3. No início das religiões, não duvidaria de uma estreita relação entre sacerdócio e loucura. Não há, ainda, uma rede de práticas "naturais" a ser copiada, como hoje, quando o aspirante ao sacerdócio já sabe até como se comportar, como orar, o que dizer - ele até muda a voz! Também não sou de imaginar que o primeiro sacerdote tenha sido um espertalhão à custa de simplórias criaturas, dadivosas. Como não partirei para a opção de estabelecer aqui a hipótese de que o próprio Deus fale por eles, resta-me assentar uma base que especule na direção da loucura mesmo, seja uma loucura pura e simpelsmente psico-biológica, seja uma loucura momentânea, causada pela ingestão, incialmente casual, e, finalmente, programática, de líquidos e substâncias alucinógenas, como o jupará, "bêbado" de comer frutas velhas, caídas no chão de árvores, fermentadas.
4. Talvez o sujeito "ouvisse" vozes, mesmo. Daí, para a instrumentalização dessas vozes para a relação religiosa da comunidade pode ter sido um pulo. Talvez a loucura fosse até mesmo um sinal de carisma - talvez o "transe" administrado não passasse de uma tentativa de mimese dos estados de loucura - dos surtos: um bom sacerdote, um exímio xamã, petrifica o olhar, assim, e repete mantras, desse jeito... agora, faz você...
5. Logo mais, os espertalhões de todas as culturas, observando como aquele bando de gente, se o xamã as mandava sentar, elas sentavam, de pé, elas ficavam, pra lá, pra lá, pra cá, pra cá, aproveitaram-se da capacidade mimética humana e começaram a fazer-de-conta, representando teatralmente os gestos, já conhecidos, os passos, os passes, verbalizando as palavras, já decoradas. Deu certo. Difícil separar a nuvem dos espertalhões da dos alucinados - ressalvando-se que, segundo a hipótese que aqui articulo, os "honestos" contam-se entre os últimos...
6. Na modernidade, ou seja, esses dias em que vivemos, e talvez já há algum tempo, surgiu uma terceira via, ao lado da loucura e da fraude consciente: o protocolo cultural. Não é preciso, mais, ser psicologicamente disfuncional, necessariamente, nem necessariamente estelionatário, porque a cultura religiosa já espera que o comportamento da liderança se legitime no "falar de Deus" - e quanto mais, melhor! Trata-se de um comportamento padrão, um estereótipo, uma normalidade comportamental, uma etiqueta religiosa, à luz do que a massa crente "julga" a habilidade de seu sacerdote, o que valeria, indistintamente, para quaisquer religiões e, dentro de uma específica, para qualquer uma de suas facções.
7. Sentado aqui, nesse dia nublado e de pensativas reflexões circunstanciais, penso que, hoje, é preciso muito esforço pessoal para reconhecer-se o absurdo em que se constitui alguém falar em nome de Deus - seja na ontologia ou na metáfora. É preciso insurgir-se contra uma longa história, seja de demência, seja de embuste, seja de protocolo. É preciso dizer não. E, eventualmente, ficar só.
OSVALDO LUZI RIBEIRO
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