1. Vai ver é. Contudo, julgue o leitor:
1.1 "Que não há fatos, mas somente interpretações, como ensina Nietzsche, não é, por sua vez, um fato inequívoco e tranqüilizador, mas, 'somente' uma interpretação. Essa renúncia à presença confere à filosofia pós-metafísica, e principalmente à hermenêutica, um inevitável caráter deiettivo. A superação da metafísica, em outras palavras, só pode acontecer como niilismo. O sentido do niilismo, porém, se não deve, por sua vez, resolver-se numa metafísica do nada - como aconteceria se imaginássemos um processo em que, no final, o ser não é, e o não-ser, o nada, é - só pode ser pensado como um processo indefinido de redução, de adelgaçamento, de enfraquecimento. Seria imaginável um pensamento destes fora da Encarnação" (Gianni VATTIMO, O Vestígio do Vestígio, em Jacques DERRIDA e Gianni VATTIMO, A Religião - o seminário de Capri, Estação Liberdade, 2000, p. 106-107).
2. Aí está "Vattimo", em troda sua pujança - pai de uma "teologia como metáfora", que se vai tornando via alternativa para, deixando-se irem os anéis, ficarem os dedos: nenhuma, absolutamente nenhuma "palavra mágico-política" da Tradição "cai", nos termos dessa "teologia como metáfora", porque são as palavras que constroem o território político, e ela, essa nova teologia, é apenas política, a dispensar palavras de comando. É uma saída, uma criatividade de manter o velho como se fosse novo, mas, a rigor, sem que nada de novo, absolutamente nada, esteja aí. É uma conversão das potências iconoclastas e transformadoras em seiva vivificante para a própria tradição. Analogamente, Vattimo faz com a crítica, a hermenêutica, com o potencial crítico do século XIX, a mesmíssima operação que, em seu tempo, Tomáz de Aquino fez com o "revolucionário" Aristóteles.
3. Não? Veja você mesmo: "para a filosofia, uma concepção de si própria como leitura dos sinais dos tempos, sem que isso se reduza a puro registro passivo do curso dos tempos, só parece ser possível à luz da doutrina cristã da encarnação do filho de Deus" (p. 105). Ou seja, filósofos - convertei-vos, ou abandoneis a cátedra. Ainda há quem goste disso...
4. Além do mais, como me soa problemática e sofismática a prestidigitação operada com as palavras de Nietzsche. Se Nietazsche está dizendo o que Vattimo está dizendo que Nietzsche está dizendo, que "não há fatos, mas somente interpretações", então o que Nietzsche está dizendo é um contrasenso, porque se é fato que não há fatos, logo, a declaração de Nietzsche não é um fato - é mera opinião, ao lado da qual, e equivalente em força, estaria uma outra, por exemplo, aquela que dissesse o seu contrário ("só há fatos, e nunca interpretações"). É o mesmo caso do exemplo que Vattimo deu, pouco antes: "encontram-se aqui as mesmas aporias que o pensamento da superação da metafísica sempre acaba encontrando em seu caminho (...): (...) como decretar o fim das metanarrativas, a não ser narrando a história de sua dissolução" (p. 104) [mas Vattimo "esquece" que o decreto do fim das metanarrativas é uma operação política, não heurística].
5. Contudo, o sentido da citação de Nietzche está longe de ser aquele que Vattimo lhe confere. No mesmo volume, O Anticristo, inúmeras são as passagens em que Nietzsche afirma o absolutamente contrário do que Vattimo diz. A crítica de Nietzsche é muma crítica à história do cristianismo! E, no entanto, Vattimo não sente qualquer dificuldade em dissolver a base da crítica de Nietzsche - até a crítica de Nietzsche é mera opinião, mera interpretação. Com isso, pode-se, inclusive, usar o próprio Nietzsche, que, a rigor, nem existe mais, posto não haver fatos, só interpretações, e Nietzsche é isso nas mãos de Vattimo, uma "coisa" muito útil.
6. Ora, se é com base na declaração de Nietzsche (segundo a lê Vattimo) que assumo que não haja fatos, apenas interpretações, e como essa declaração de Nietzsche, por conseguinte, não é um fato, apenas uma interpretação, então, o que Nietzsche teria dito não corresponde a um fato, mas é só uma interpretação, e, sendo assim, a afirmação de que não há fatos é apenas uma interpretação, mas não um fato, de modo que, então, há fatos, sim, a despeito da interpetação de Nietzsche. Vattimo, contudo, não está interessado em avaliar a expressão de Nietzsche, mas de pinçá-la, como motor e combustível de sua jornada anti-metafísica mas pró-tradição cristã. Exatamente como o fazem aqueles que, pelas mesmas razões, acentuada fortíssimamente a segunda, postulam, sem constrangimentos, uma "teologia como metáfora".
7. Não entro nessa canoa, não. E quem nela entrar, melhor saber nadar.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
1.1 "Que não há fatos, mas somente interpretações, como ensina Nietzsche, não é, por sua vez, um fato inequívoco e tranqüilizador, mas, 'somente' uma interpretação. Essa renúncia à presença confere à filosofia pós-metafísica, e principalmente à hermenêutica, um inevitável caráter deiettivo. A superação da metafísica, em outras palavras, só pode acontecer como niilismo. O sentido do niilismo, porém, se não deve, por sua vez, resolver-se numa metafísica do nada - como aconteceria se imaginássemos um processo em que, no final, o ser não é, e o não-ser, o nada, é - só pode ser pensado como um processo indefinido de redução, de adelgaçamento, de enfraquecimento. Seria imaginável um pensamento destes fora da Encarnação" (Gianni VATTIMO, O Vestígio do Vestígio, em Jacques DERRIDA e Gianni VATTIMO, A Religião - o seminário de Capri, Estação Liberdade, 2000, p. 106-107).
2. Aí está "Vattimo", em troda sua pujança - pai de uma "teologia como metáfora", que se vai tornando via alternativa para, deixando-se irem os anéis, ficarem os dedos: nenhuma, absolutamente nenhuma "palavra mágico-política" da Tradição "cai", nos termos dessa "teologia como metáfora", porque são as palavras que constroem o território político, e ela, essa nova teologia, é apenas política, a dispensar palavras de comando. É uma saída, uma criatividade de manter o velho como se fosse novo, mas, a rigor, sem que nada de novo, absolutamente nada, esteja aí. É uma conversão das potências iconoclastas e transformadoras em seiva vivificante para a própria tradição. Analogamente, Vattimo faz com a crítica, a hermenêutica, com o potencial crítico do século XIX, a mesmíssima operação que, em seu tempo, Tomáz de Aquino fez com o "revolucionário" Aristóteles.
3. Não? Veja você mesmo: "para a filosofia, uma concepção de si própria como leitura dos sinais dos tempos, sem que isso se reduza a puro registro passivo do curso dos tempos, só parece ser possível à luz da doutrina cristã da encarnação do filho de Deus" (p. 105). Ou seja, filósofos - convertei-vos, ou abandoneis a cátedra. Ainda há quem goste disso...
4. Além do mais, como me soa problemática e sofismática a prestidigitação operada com as palavras de Nietzsche. Se Nietazsche está dizendo o que Vattimo está dizendo que Nietzsche está dizendo, que "não há fatos, mas somente interpretações", então o que Nietzsche está dizendo é um contrasenso, porque se é fato que não há fatos, logo, a declaração de Nietzsche não é um fato - é mera opinião, ao lado da qual, e equivalente em força, estaria uma outra, por exemplo, aquela que dissesse o seu contrário ("só há fatos, e nunca interpretações"). É o mesmo caso do exemplo que Vattimo deu, pouco antes: "encontram-se aqui as mesmas aporias que o pensamento da superação da metafísica sempre acaba encontrando em seu caminho (...): (...) como decretar o fim das metanarrativas, a não ser narrando a história de sua dissolução" (p. 104) [mas Vattimo "esquece" que o decreto do fim das metanarrativas é uma operação política, não heurística].
5. Contudo, o sentido da citação de Nietzche está longe de ser aquele que Vattimo lhe confere. No mesmo volume, O Anticristo, inúmeras são as passagens em que Nietzsche afirma o absolutamente contrário do que Vattimo diz. A crítica de Nietzsche é muma crítica à história do cristianismo! E, no entanto, Vattimo não sente qualquer dificuldade em dissolver a base da crítica de Nietzsche - até a crítica de Nietzsche é mera opinião, mera interpretação. Com isso, pode-se, inclusive, usar o próprio Nietzsche, que, a rigor, nem existe mais, posto não haver fatos, só interpretações, e Nietzsche é isso nas mãos de Vattimo, uma "coisa" muito útil.
6. Ora, se é com base na declaração de Nietzsche (segundo a lê Vattimo) que assumo que não haja fatos, apenas interpretações, e como essa declaração de Nietzsche, por conseguinte, não é um fato, apenas uma interpretação, então, o que Nietzsche teria dito não corresponde a um fato, mas é só uma interpretação, e, sendo assim, a afirmação de que não há fatos é apenas uma interpretação, mas não um fato, de modo que, então, há fatos, sim, a despeito da interpetação de Nietzsche. Vattimo, contudo, não está interessado em avaliar a expressão de Nietzsche, mas de pinçá-la, como motor e combustível de sua jornada anti-metafísica mas pró-tradição cristã. Exatamente como o fazem aqueles que, pelas mesmas razões, acentuada fortíssimamente a segunda, postulam, sem constrangimentos, uma "teologia como metáfora".
7. Não entro nessa canoa, não. E quem nela entrar, melhor saber nadar.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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