quinta-feira, 5 de março de 2009

(2009/052) Da libertação devoradora


1. Como Moisés à sarça ardente (mas aquela história está mal contada), continuo minha "aproximação" ao "estranho" fenômeno do artigo de Clodovis Boff. Ensaio bicadas, como fazem as aves de rapina, antes de saltarem definitivamente sobre a carcaça. Obviamente, não será de pés descalços que hei de me aproximar da "visão" temenda. Além disso, todas as vozes que saírem de lá, delas pensarei cá comigo: humana, demasiado humana...

2. Eis uma delas: "a 'libertação' pode devorar a 'teologia'". Clocovis Boff, aí, critica o fato de que, conforme ele entende e condena, a Teologia da Libertação, assumindo como fundamento a libertação do pobre, passa a "usar" a "fé" - a "teologia" - como "mero" instrumento, de modo que a dessubstancializa, porque a transforma em "mera" ferramenta de trabalho a serviço da libertação: "de modo análogo, uma TdL que 'consome' fé cristã sobretudo para a libertação, se arrisca de 'consumir' essa fé e também a si mesma. A 'libertação' pode devorar a 'teologia'".

3. Deixarei que os cavaleiros da TdL combatam o dragão - comprarei pipoca para a sessão. Quanto a mim, penso que a "libertação" deve devorar qualquer coisa, porque nada, absolutamente nada pode ser mais importante do que a libertação de todos os homens e mulheres - e se a "teologia" e "Deus" tiverem de ser devorados para isso - e têm! -, que seja. E logo. Que demora!

4. Mas penso que Clodovis Boff erra de cheio a crítica, porque, longe de a Tdl devorar a teologia, pelo contrário, ela a usa para a libertação, fazendo dela instrumento e, com isso, dando a ela substância em face do pobre. Na TdL, não é o pobre que se liberta, é "Deus" (retórica) que liberta o pobre, porque Deus é ainda o motor dessa retórica. Quando se diz que Deus quer que o pobre se liberte, e, assim, põe-se o pobre a mover os mecanismo de libertação, não é o pobre mesmo a razão de´sua própria libertação, mas sua adesão fideísta a uma idéia - Deus. A teologia da Tdl é a mesma teologia de Clodovis Boff, uma que diz saber de Deus - e ela diz aos pobres que Deus quer que eles estejam livres.

5. Nisso há uma curiosidade - a TdL tem algo de aparentemente "marxista", mas, no fundo, ela é absolutamente contra-marxiana, porque é por meio de uma alienação (Deus é o fundamento da libertação) que ela pretende libertar o pobre...

6. Clodovis Boff diz que há uma ligação entre a TdL e a modernidade, e, para isso, evoca Feuerbach. Feuerbach como fundamento da TdL? Menos, Clodovis, menos... Se quer um "teórico" para a TdL, consulte Lévinas, não Feuerbach, porque Feuerbach se sentiria aviltado se alguém dissesse que a idéia de Deus é libertadora, porque como pode a masmorra libertar? Já Lévinas acha que a ética é a aplicação ao outro do princípio do Amor, do Outro, e, nesse caso, se você põe aí umas pimentas e umas foices, você tem a TdL De Feuerbach, contudo, não se chega à Tdl - senão por meio dessa retórica enviesada de Clodovis Boff...

7. A libertação, para mim, é o que se deveria "reservar" da TdL. Quanto ao argumento que ela usa para essa libertação, convenhamos, é lamentável, posto que alienado e alienante, e, com todo respeito, constitui manipulação de consciências. Os pobres, se precisam de Deus para crerem e lutarem por sua libertação, não merecem a libertação, porque não vêem em si razão suficiente nenhuma para isso, mas têm que buscá-la na idéia de um Deus que os quer libertos.

8. Por mais "comovente" que seja a luta da TdL, não acredito que ela seja, ao cabo, bem sucedida - e não pela razão alegada por Clodovis Boff, pelo fato de ela fazer de Deus um instrumento dessa libertação. Antes, arrisco dizer, o fracasso a médio e longo prazo dessa "utopia" é justamente esse: ainda acreditar que é preciso falar de Deus para alcançar a liberdade... Clodovis queria que Deus fosse a base, e a libertação, secundária - inclusive ausente, fosse essa a vontade de Deus. Quanto a mim, fique apenas a libertação, que Deus, neses termos, é dispensável. Necessariamente dispensável.

9. Quem dera devorasse mesmo a teologia essa libertação... Mas nada, alimenta-a com a esperança utópica de que se alimenta a sua retórica.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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