quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

(2009/010) Eclipse do TU


1. Osvaldo levou adiante, com dedicação, o projeto desta tribuna dialógica. Li com gosto e proveito os seus textos, como, em geral, os leio, embora nem sempre concorde. Pois não é esse o propósito de um diálogo. O verdadeiro diálogo leva sempre adiante, abre novas perspectivas, senão seria espaço coercitivo.

2. As férias foram boas. Muita quilometragem por esse nosso lindo Brasil. Um pouco de praia. Bastante de visita a parentes e amigos. Relatos e vistas das tragédias em Santa Catarina. Uma série de árvores plantadas num pequeno sítio da família. Boas leituras não podiam faltar. Nem uma boa garrafa de vinho! Nada de ‘grande estilo’, como insinuou Osvaldo. Foi estilo de gente que prefere um ‘estilo simples’. Pois aí há sentido!

3. Nas férias, li, entre outros, com proveito um livro que já estava a espera de mim como leitor: Eclipse de Deus, do judeu alemão Martin Buber (Campinas: Verus, 2007 – original em alemão: 1952). Já havia lido muitos outros textos de Buber. É um autor que tem vigor nas palavras. É assim porque é um ‘original’. Dá origem a idéias, fortes e fracas. Não é como tantos autores, hoje, cheios de embustes e só preocupados com o marketing e com os lucros de seus textos, por vezes escritos sob encomenda. Assim também são os textos do meu amigo Osvaldo. Tem vigor e originalidade. Eu, de minha, vou me aquecendo novamente, pois oficina nas férias fica fechada ou trabalha devagar.

4. Buber tem muitos méritos. Ele era colega de Franz Rosenzweig, na Universidade de Frankfurt, na Alemanha. Um dos grandes trabalhos de Buber e Rosenzweig foi uma tradução da Biblia Hebraica para o alemão, algo que eles não chamavam de ‘tradução’, mas de ‘germanização’ (Verdeutschung), pois procurava reproduzir na língua alemã o vigor e as nuances do texto hebraico. Ainda hoje é um marco para quem lida com esse tipo de texto. Impedido de trabalhar no mundo acadêmico na Alemanha, por conta das políticas raciais excludentes nazistas, decide viver em Jerusalém, quando a Palestina ainda era protetorado inglês. Lá trabalhou na Universidade Hebraica, vindo a falecer em 1965. No período pós-holocausto, foi um dos intelectuais que, com maestria, tato e habilidade, buscou estabelecer diálogo com pensadores cristãos e especialmente com o mundo filosófico europeu-alemão. Buber é um homem judeu envolto e inserido em sua secular tradição filosófico-religiosa. Embora envolto, anda nas margens, nas quais é colocado pelo poder sacerdotal de sua grande Tradição. Por esta tido como transgressor, mas como transgressor nunca abandonou sua tradição!

5. Buber segura firme no grande Tu. Para ele, aquilo que é expresso pela palavra ‘deus’ ou ‘Deus’ sempre é uma grandeza além das palavras e dos sistemas, que ele prefere chamar de Tu. Pessoalmente, gosto disso, porque nesta postura se é remetido sempre de novo a uma nova busca. Além desse movimento de busca constante, Buber segurava firme nesta sua tradição, porque era também uma forma de resistência contra o sistema establecido que procurava descartar (e sempre descartou) a sua tradição junto com seus representantes. Penso aí nos manejadores poderosos da Tradição e não tanto nos interlocutores críticos, pois esses são a combustão para a longevidade das idéias e do próprio diálogo, também de Buber.

6. Há uma passagem que me chamou a atenção e que, creio, marca de certa forma o pensamento de Buber e o seu manter-se-firme na sua tradição. “Admitamos agora que o homem tenha provocado a “completa remoção do mundo supra-sensível subsistente em si” e que não existam mais os princípios e os ideais que, de alguma maneira e em qualquer medida, tenham aderido a ele, ao homem. Seu verdadeiro interlocutor, que não é para ser descrito como “algo”, pode, no contexto desta discussão, eclipsar-se para ele – porém continua a viver, ele próprio, inatingível atrás da parede do eclipse” (p.26).

7. O citado continua, porém resolvi fazer o recorte aí, porque, aos modos da pragmática da intenção do leitor, era a parte que me interessava. Prefiro, ainda, como Buber, manter o Tu como mistério, como possibilidade de um encontro. Sei que, para Buber, o Tu é sinônimo da grande construção de Deus no judaísmo. Para ele, o Tu é a realidade viva por trás de toda imagem, palavra ou conceito, enfim, de toda possibilidade de apreensão. No mais, concordo plenamente com Osvaldo, especialmente no seu último post (9/2009): teologia é antropologia; e teologia sistemática é uma filosofia, que se vale de pressupostos com pretensão de validade universal. Neste universo das sistemáticas confessionais só cabem duas possibilidades: ou aderir e ‘crer’, ou ‘descrer’ e desandar das fileiras.
8. Ou há, ainda, uma possibilidade, que, também ainda, prefiro manter aberta: a busca do Tu eclipsado pela profusão das palavras, das imagens e dos sistemas. É um como um retorno a uma noite escura...


HAROLDO REIMER

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