terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

(2009/016) O Homo sapiens como desequilíbrio


1. Talvez seja porque estejamos no centro do furacão, e, aqui, tudo pareça assim, catastrófico, conquanto antes e depois do furacão a paisagem seja bastante bucólica. Ou seja, talvez o que eu perceba revele-se apenas reflexo de minha posição relativa na História. Seja como for, parece que a consciência humana constitui um desequilíbrio nas relações ecológicas - necessariamente.

2. Até aqui, da ameba à baleia azul, passando pelos dinossauros e primatas mais primitivos, o todo funcionava harmonicamente - de um lado, as forças de movimento, atração, repulsão, o caos criativo, a temperatura, quente e fria, iam criando condições para a emergência da vida, que, a rigor, não tem lá muita diferença, em seu nível DNÁdico, da matéria. A vida é hilética...

3. Vejamos o caso de formigas... Simplesmente são. Não se vá dizer que ali há teleologia consciente, que elas fazem o que fazem porque sabem o que fazem. Não, elas apenas fazem. Saltemos para um grupo de primatas: um macho dominante, várias fêmeas e um grupo de rapazes cheios de hormônios nas gônodas, esperando uma chance para a cópula, que, contudo, pode ser, jamais chegará. Ou um grupo de elefantes, vivendo sua vida lenta e pesada, hoje, como há milhares e milhares de anos...

4. Mas e quanto a nós? Planetas e animais movem-se para a frente. Nós, para frente, para trás, para os lados, para onde quisermos. Não importam as conseqüências - se podemos, e queremos, fazemos. E o planeta que se dane! E não é que se trate de "maldade" nossa: isso, esse descontrole, esse desequilíbrio, esse descolamento, isso é o homem - moderno?

5. Esse é o lado negativo - a guerra, a violência estética, o prazer da matança, do sangue, da força demonstrada, do poder, da transgressão. Mas há o lado positivo, o lado de inventar a vida, de fazê-la não apenas nossa, mas do nosso jeito.

6. Nesse sentido, é muito reveladora a insitência católico-romana na função procriativa do sexo - o que que disso passe é "pecado". Não há aí uma animalização, uma naturalização, desse homem e dessa mulher em cópula? O que eles aí fazem é o desdobramento "natural" de predeterminações ontológicas imutáveis. Esse casal não se inventou, não se inventa, ele, o casal, e eles, aí, em orgasmo hilético, são apenas um dente da engrenagem, que gira a partir das Leis.

7. Nunca fizeram sexo, os teólogos? Não sabem do jogo? Não conhecem a dimensão profundamente lúdica do encontro de dois corpos, inventando-se de, juntos, desfrutarem-se? Ora, há muito que a pulsão biológica foi, aí, ainda que presente, sobredeterminada pela fantasia de brincar no e com o corpo do outro, e de deixar-se ser brinquedo, de inventar as sensações, as palpitações, os cheiros, os gostos.

8. Não, não há momento mais humano, em sentido pleno, do que esse: o encontro de dois amantes que, sós no Universo, brincam de fazer valer a pena essa vida que, no fundo e no raso, não tem sentido, porque, fora da mente humana, tudo é máquina movida a inconsciente e força, e que, aqui, nesse minúsculo grão de carbono, transborda em dor - e também de prazer.

9. Não, eu não disse que animais não gozam. Eu disse que nós brincamos disso - flagrante constatação de que, para o bem e para o mal, animais ainda, pusemos as asas pra fora...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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