segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

(2008/128) Tréplica a Felipe Fanuel


1. Nosso mais ativo leitor, Felipe Fanuel, responde-me muito incisivamente - aqui. Isso é bom. Muito bom. É um teste para ele mesmo, bem como um teste para mim. Fosse ele "um desses que por aí vão atravancando meu caminho", reagiria com indignação e dispararia minha caixa de balas de prata. Mas é Fanuel, a quem (ainda) tomo por alguém sincero e honesto, condição para merecer meu respeito, minha atenção, minha interlocução (não que isso tudo aí aberto pelo possessivo "minha" signifique, necessariamente, alguma coisa).

2. Contudo, penso que há consideraçõesa a serem feitas. Primeiro, sobre que não aceito rótulos, mas adoro distribu-los. Que até faço isso com os imberbes neófitos da Teologia! Bem, salvo melhor juízo, nada aí corresponde à realidade. Quanto aos alunos novos, insisto em que devem posicionar-se em face da consciência que devem adquirir dos métodos e das correntes - corrija-me, se mentir, tu que foste um aluno meu, tiveste o azar... Invariavelmente, alunos ingressam na Teologia crendo que o que aprenderam na igreja, aprenderam-no de Deus - e em que pese ser isso verdadeiro para eles, não o é para mim, por força, inclusive, de minha profissão. Tenho, então, o prazer/desprazer de fazê-los despertar - e, nesse campo, Felipe, só há despertar trágico, o que se desdobra em aprender as escolas,os métodos, seus pressupostos, e assumi-los (dadas as classificações das várias correntes, o fato de um aluno fugir de assumir uma dentre elas - ele, até, já está dentro de uma delas, só que não contaram isso pra ele - não faz desaparecer o fato de que ele, consciente ou inconscientemente, opera sistemas teológicos/bíblicos criados por terceiros - ou que, eventualmente, os construa, o que não extrairá deles o fado de "correntes"). Logo, Felipe, seu exemplo não foi feliz: não se trata de rotulação, aí, mas de conscientização - tanto assim que fazia questão de que cada um se descobrisse/identificasse, não importando por qual teologia optasse - minto? Para mim, o que importa é a coerência interna do teólogo (que não muda em nada, contudo, o caráter epistemológico [científico-humanístico, de sua "posição, conquanto seja "de direito"]), não sua opção fundamental, na qual não posso interferir. Não rotulo alunos - ensino-os a se descobrirem e, eventualmente, a adotarem novas correntes de pensamento com a quais, eventualmente, se identiciquem - e isso se quiserem. Não quiserem, não perco o sono por isso, conquanto, às vezes, reclame muito com Bel de ter que fazer força empurrando caminhão morro acima... E, acredite-me, Felipe, há verdadeiras carretas de dezoito eixos ali...

3. Segundo caso: não aceitar rótulos... Não é verdade. Assumo-me em qualquer ambiente em que esteja como um exegeta histórico-crítico, operando consoante abordagem histórico-social e fenomenológico-religiosa. Poderia escrever um rótulo e pô-lo em minha testa, se desejar. O que eu não aceito - e é meu direito e dever (direito, para com meus acusadores, dever, para com meus amigos e leitores) são rótulos falsos - um deles, "positivista", outro, "pós-moderno". Não sou nem uma nem outra coisa - e, se por um lado, elementos de meu pensamento podem ser identificados no que se convensionou chamar de "pós-modernidade", isso não significa que eu seja convictamente pós-moderno, porque se trata de elementos disponívelis inclusive, no pensamento pré-moderno - até pré-socrático! Heráclito foi pós-moderno, Felipe!, eis aí um rótulo falsificado, e, contudo, uma analogia heuristicamente verdadeira.

4. Minha relação com o pós-modernismo - seja lá o que isso vem a ser - é crítica, porque a maior parte de seu fundamento epistemológico/histórico é falso. Nietzsche jamais foi pós-moderno, e, basta checar, toda a penca de pós-modernos que se aprensenta em praça pública (Vattimo é imbatível) citam Nietzsche como fundamento... Ha! Ha! Ha! Pior que isso, só meu amigo que outro dia citou Morin como um defensor da supresão ("pós-moderna"!) da racionalidade crítica (ah, mas ele é igualmente vattimoniano, está explicado)... Duas vezes, então: ha! ha! ha! Para mim, a modernidade ainda não acabou, porque ela aí está em luta intestina consigo mesma - o que se chama de "pós-modernidade" é uma reação - reacionária! - contra a modernidade, seja em frente filosófica, seja em frente teológica, seja em frente cultural. Mas isso é outra história.

5. Que rotule pessoas, eu? Bem, pensarei a respeito. Seja como for, nem conheço as pessoas cujos escritos critico - e é, sempre, a um escrito em particular a que faço referência, quase que parágrafo a parágrafo, de modo que não critico pessoas, mas textos Mas o que tento fazer, talvez seja mal compreendido, é discernir posições epistemológicas, e, Felipe, não se faz isso na superfície. Você tem que desnudar o que o sujeito diz, meter a mão no fígado dele, sintaticamente eu digo, compreendes-me?, para, então, poder dizer que, das duas uma, ou o que ele diz, é o que ele diz mesmo, ou, ao contrário, ele diz uma coisa, quando queria dizer outra. Em outros casos, fazer o mesmo para denunciar a impropriedade - sob determinado valor epistemológico - de uma determinado proposição, como é o caso, e insisto, na defesa do lugar da Teologia no conjunto das Ciências Humanas, que Faustino fez. Felipe! Uma defesa daquelas, serve a quem? Na hipótese de as Ciências Humanas decidirem dar atenção a ela, concederão à Teologia uma sala, no corredor, ao lado das demais, mas pedirão aos teólogos que consultem a Deus às portas fechadas... Isso me parece óbvio - ou será que a consideração pessoal, a amizade, eventualmente, pelo Faustino, deva nos fazer calar? Que amizade essa!

6. E o mais importante - não adianta discussão em tese sobre o que fulano ou beltrano pensa, ou, o que é mais correto, o que nós dizemos que ele pensa. Trata-se de filologia, Felipe - e Nietzsche afirmava que um bom teólogo é necessariamente um mal filólogo... É verdade. Por que será que meu artigo da Correlatio "teve de ser" tão grande? Porque, Felipe, ali, fiz o que não se faz nunca: comentei parágrafo a paráfrago da conferência, comparei-a com ela mesma, desnudei-a. Você não vê isso nos artigos encomenados para dez laudas! Impossível fazer isso, meu caro, em dez laudas. Em dez laudas você marca pontos no lattes - e só (ressalvadas as exceções, dificilmente aplicáveis à filologia - a obra em que Losurdo acaba de enterrar toda a recepção, de Heiddeger a Vattimo, de Nietzsche, tem mais de mil páginas! O enterro que Filkenstein faz da tese de Gottwald mereceu até um excurso, menor, claro, considerada a natureza da polêmica.). Logo, não me fala muita coisa você me dizer que não concorda, em linhas gerais, com meu artigo... A rigor, se não demonstrar, se não criticar parágrafo a parágrafo, ah, Felipe, brincas com idéias, quando seria necessário fazer filologia. Não é o que eu acho contra o que você acha. Não é, Felipe, do que eu gosto contra do que você gosta. É a conferência - o que, de fato, Tillich disse ali? Aí está um excelente exemplo do que se deveria fazer com a Bíblia. E, contudo...

7. Permita-me uma audácia - lê-se pessimamente em nosso meio, Felipe. Mas muito, muito mal. E, para além disso, citam-se aqueles que lêem mais mal ainda... Assim, o ciclo de má filologia vai se ampliando, até o ponto em que a má filologia transforma-se em idéia, e o autor, objeto da má filologia, torna-se "outro", construído à nossa imagem, à imaem da má filologia. Se você ler, de novo, meu - "gigantesco" e "eivado de má técnica de comunicação" - artigo, verá que lá eu já dissera que, à primeira vista, Tilich parece que vai entrar de cabeça na Fenomenologia da Religião, indo e vindo de avião, com Eliade, para a terra do sol nascente. Apostei nisso. Desejei isso. Eventualmente, Felipe, como você. Mas, e eis o ponto, quando se lê a conferência, e se deixa tentar ouvir a conferência, cruzá-la e entrecruzá-la consigo mesma, em seus momentos fundantes e corolários, ah!, Felipe, que nada! Tillich apenas servir-se-ia de uma peseudo-fenomenologia, para continuar na senda profética do anúncio da Cidade Bela - com outro nome, mas, no fundo, a mesma coisa. Ah, sim, com toda a liberdade "poética", "correlacional", "estética", "simbólica", que você quiser, do "seu idiossincrático", "personalíssimo", "todo seu", jeito de fazer teologia - desde que, eis o ponto, a Ontologia permaneça, porque essa é a civilização ocidental, e Tillich é seu defensor - como fundamento, "Deus". Se me equivoco, mostra, onde, no texto, isso não está... sem, contudo, esconder onde está como que ginecologicamente escancarado, para o exame clínico.

8. Bem, Felipe, talvez - é sempre possível - eu tenha lido errado o texto da conferência. Você vai o quê?, satisfazer-se em dizer que não condorda comigo? Que seja. Se tem certeza de que leu adequadamente o texto da conferência - e mais, Felipe, é a última: se, eventualmente, outros textos de Tillich podem ser mais facilmente desontologizados, como você parece querer gostar, trata-se, contudo, da última conferência dele, e isso quando ele estava excitadíssimo com a Fenomenologia da Religião!, e, ali, ouve-se o que ele pensava às portas da morte. -, então, nesse caso, dize-me onde foi que eu errei na interpretação dela. A meu ver, contudo - e demonstrei isso lá, acredito, Tillich não manejou fenomenologicamente a Fenomenologia da Religião - manejou-a teologicamente: isso diz tudo, isso faz toda a diferença (para o leitor eventualmente interessado, deixo o link de Osvaldo Luiz Ribeiro, Por uma Teologia Pós-Metafícia - diálogo com um epílogo circunstancial, Correlatio, n. 12, 2007. Para um esclarecimento, sob meu ponto de vista, da "epistemologia ontológica" de Tillich, cf. Osvaldo Luiz Ribeiro, Por que se escondeu esse menino? - A Teologia de Tillich à luz da semiótica de Peirce, Correlatio, v. 13, 2008. Aceito críticas filológicas).

9. Finalmente, é muito difícil ser crítico, e, mais do que isso, ser publicamente crítico. Se dói em você, que vem espontaneamente aqui, ler-nos, ler-me, imagino quanto não doa naquele/as para quem minhas palavras são fel e fogo. Não é fácil. Outro dia Haroldo me lembrava de Benjamin e das portas que lhe foram fechadas - não se me deixou escapar o tom de advertência fraterna, como a lembrar-me que a Teologia - o "sistema teológico" - tem tantos pecados quanto toda a cátedra. Contudo, não julgo quem quer que seja, o que, por outro lado, não faz desaparecer o que se faz aqui e ali, assim e assado. Sou crítico do pastorado - do modelo católico, então, nem me fale! E por que sou crítico? Porque, por mais que a sua função pareça ser "libertação", no fundo, Felipe, quer-me parecer que não. E, isso é relevante, o fato de esse mister desenvolver-se como que fundamentado em amor - amor profético!, uma contradição? -, ora, cá entre nós, o que isso significa? Algum dia fez-se o mal - no Cristianismo - em nome do mal? Pensamos que as Cruzdas foram obras de maldade? Não, não. De amor! Sempre.

10. Mas aí entramos numa área complicada, que não domino, e para a qual não tenho resposta. O que eu vejo, e sempre, e cada vez mais (com raríssimas exceções que me chegam ao conhecimento - eventualmente o mundo esteja cheio delas), é um fomento da alienação, cuja velocidade tornou-se alucinante. É doente, patológica, insana, vergonhosa, a "igreja evangélica" contemporânea: pessoas estão morrendo antes do parto humano! Nunca o ópio esteve tão barato! E, ao mesmo tempo - com isso teria contato Marx? Mas até aí ele acerta... - a cafeína, se me entende, e , se não, explico - refiro-me ao combate entre "Deus" e "Deus", o Deus da direita e o Deus da esquerda - como a Manchete mostrou, nos anos da ditadura chilena, numa página, Pinochet e, na outra, o Papa da época (eu era uma criança, e, contudo, a imagem nunca me saiu da retina) - independentemente dos rótulos para que isso aponta, minto?

11. Para encerrar, resumindo minha tréplica:

11.1 não rotulo alunos nem os oriento a se rotularem - esforço-me por esclarecê-los a respeito das posições assumíveis, e que, de fato e necessariamente, assumam a sua, conscientemente, com todas as conseqüências disso decorrentes - porque isso, e não outra coisa, é maturidade.

11.2 Não recuso rótulos - eu mesmo os crio para mim: teólogo/exegeta histórico-crítico, com viés histórico-social e fenomenológico-religioso (um desafio: desminta-me em qualquer dos meus escritos... aqui, ou aqui, rótulos que compus pra mim, porque penso ser inadequado vir à ágora, sem desnudar-se primeiro - e durante).

11.3 Meus textos costumam se grandes - não são escritos para um público que tem pressa, certamente - porque seu esforço é, basicamente, de, primeiro, desconstrução da "história dos (d)efeitos" dos textos que ali se analisam, e, depois, de apresentação, em nenhum sentido "pós-moderno", certamente, da minha proposta de recuperação histórico-social do texto enquanto objetivação de consciência de um sujeito histórico - às favas, na "academia", com essas pantominas próximo-metafóricas de ficar brincando de dizer qualquer coisa a respeito de qualquer coisa - e com ar de quem diz uma grande coisa [isso é espetáculo, não pesquisa]! Posso equivocar-me? Posso - mas o critério para o descobrir/decidir, certamente, não há de ser o "gosto" ou o "desejo" de meus leitores, mas a sua, nesse caso, boa filologia, contra, nesse caso, minha má filologia.

11.4 Penso que a justificativa de "amor" não resolva os problemas gravíssimos da epistemologica pastoral: amor também sufoca, até mata, e as igrejas, Felipe, não?, estão cheias de gente morta, e isso no sentido mais profundo das potencialidades humanas, e, lamento, não por uma opção de simplicidade de vida, delas, o que seria belo e legítimo, para que levar a vida tão a sério?, mas por uma absoluta manipulação de massa e consciência que opera, que se opera, à luz do dia, e em nome de "Deus" - indescência: quando a pessoa descobre-se e descobre o que lhe fizeram, sente nojo. Mas foi por amor, Osvaldo... Ah, então está tudo resolvido...

12. Encerro minha réplica, como, você há de lembrar, como encerro todas, absolutamente todas as minhas aulas, dizendo que posso estar redondamente enganado em tudo, absolutamente tudo que esteja dizendo. Esse é meu desafio - saber se e quando estou, de fato, equivocado. Ah, claro, se eu depender do "gosto" teológico hegemônico - sempre... Mas já me libertei dessa dependência - mas, não, da minha, e essa, Felipe, não tens a menor idéia, é crudelíssima - não conheço quem seja mais epistemologicamente severo consigo - e com os outros - do que eu: vá lá, essa é minha doença. Uma noite de sono em paz - eis o que eu nunca mais tive, desde que me fiz teólogo autônomo. Como custa cara a paz, meu amigo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

8 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Professor Osvaldo,

Estou convencido de que o nosso debate tem sido frutífero. Enxergo nas suas letras a essência do que Tillich chamou de "princípio protestante". E, já que sua tréplica tratou-se uma exposição apaixonada dos seus pontos de vista, considero esta a sua principal contribuição. Você leva a sério o princípio protestante.

É justamente este princípio que impede a prática de uma vida idólatra. Idolatria aqui em todos os sentidos. Idolatria da Bíblia, idolatria das doutrinas, idolatria das confissões de fé, idolatria da tradição, idolatria dos discursos, idolatria da teologia, etc. Enfim, qualquer tipo de idolatria possível é questionada pelo princípio protestante.

A rigor, o protestante não idolatra nada. Ele é um iconoclasta. Não permite que nada, absolutamente nada, assuma um lugar inquestionável. Isso inclui todas as nossas teologias e discursos. Nada que eu fale de teologia pode ser a palavra final para o princípio de crítica radical.

É bom lembrar que embora esteja presente no protestantismo, o princípio protestante não está limitado ao protestantismo. Como diz Tillich: “É a força crítica e dinâmica presente em todos os feitos protestantes, sem se identificar com nenhum deles. Não se encerra numa definição”.

Por isso que insisto na relação entre religião e cultura, pois, na análise tillichiana, "certos aspectos do princípio expressaram-se muito mais em Marx e Nietzsche na Alemanha do século dezenove do que na maioria das igrejas”. De modo que o apreço que você, Professor, tem pelas idéias destes ilustres pensadores revela uma identificação de ideais. Todos vocês manifestam o princípio protestante presente em toda a história da humanidade.

Considero todas as suas colocações úteis e dignas de intensa discussão, de preferência pessoalmente. No entanto, não tenho vocação exegético-filológica suficiente para interpretar letra por letra do seu riquíssimo alfabeto. Mantenho-me, é preferível, no rodapé de sua página crítica, como um entre muitos leitores/as. Não me sinto menor por isso. Apenas em situação discursiva diferente da sua mui apaixonada militância textual.

Serei sempre reacionário. O que vier na cabeça será digitado, por mais que alguém possa ter a sensação de que se trata de cutucar onça com vara curta. Que seja dito então: não passo de um leitor barulhento!

Aquele abraço.

Peroratio disse...

Bem, é uma declaração e tanto, essa sua - e, contudo, poderíamos/deveríamos nos perguntar pelo lugar onde, no Protestantismo, podemos, efetivamente, encontrar o princípio protestante: eu insisto que foi, sempre, contra si mesmo, que o Protestantismo "avançou", e foi contra si mesmo que ele pariu o Ocidente Moderno. Com toda honestidade, apenas o encontro, em pleno uso, nos demônios do XIX. Encontro-os, ainda, na linha filológica que permeia os cem anos entre 1750 e 1850, a era de ouro da filologia, depois da qual o protestantismo optou por sua re-ontologização - para minha muita lástima. No século XX, verbetes inteiros de "dicionários" e "léxicos" de Hebraico servem à teologia... princípio da má filologia.

Tillich, que eu aprendi a admirar em "História do Pensamento Cristão" e "Perspectivas da Teologia Protestante nos Séc. XIX e XX", bem como de seu admirável "Dinâmica da Fé", aquele seu nada fácil "Filosofia da Religião", e seu mais fácil "El Futuro de las Religiones", esse Tillich, contudo, parece-me alguém que está sobre um mirante, viu o vale brumoso, mas permaneceu lá, sobre o mirante - o último teólogo ontológico. Alinhar-se à iconoclastia contra-dogmática não faz de um teólogo um teólogo não-ontológico - veja Eckhart!

Bem, levando em conta que você é sempre sincero e honesto, primeiro, consigo mesmo, e, depois, comigo (nunca sabemos, Felipe, a real intenção do coração das pessoas), gostaria de sugerir que, em lugar de recuar, que em lugar de assumir a posição que assumiu, que procurasse responder a si mesmo se é, de fato, um bom filólogo, e, se a resposta for não, que não se contente com isso, mas que se torne um bom filólogo - nos termos de Nietzsche, o que se resume a ser um bom leitor.

Eu preciso quase que desesperadamente de bons leitores, o que significa gente com excepcional capacidade filológica, de leitura, para poderem dizer-me, na critica, onde tropeço. O seu recuo não me ajuda - nem a você.

Para quem lida com textos, nada, absolutamente nada é mais importante do que LER BEM, e, LER BEM, significa adquirir a capacidade de reconstruir, como queria Schleiermacher e Dilthey, o processo psicológico de redação do autor - ler como ele quer ser lido, para, depois, criticá-lo.

Olhe ao redor, Felipe - jornalistas cada vez mais medíocres, médicos cada vez mais medíocres, advogados, Deus do céu!, as profissões vão se tornando exercício da mediocridade - e, acredite, isso tem a ver com a formação desses profissionais: vai-se tolerando a mediocridade, vai-se acostumando com ela, e, quando se dá por si, perdeu-se toda uma geração.

Por isso, insisto - não se deixe perder: dê atenção ao mais importante: capacidade filológica. É como a Teologia, que, dentre todas as ciências, é a que pior lê a Bíblia. Raros são os teólogos que sabem ler a Bíblia! Não é à toa que é preciso inventar tanta metodologia - e para isso serve bem o pós-modernismo, o direito reivindicado de cada um dizer o que quiser dizer...

Recue, não. Deixe-se desafiar. Se você não foi irônico, irônico comigo!, quando diz não ter capacidade de criticar parágrafo a parágrafo um texto (se eu não tenho, nem crítica faço!), Felipe, como poder falar sobre os textos? Logo, recue, não, Felipe. Olhe no espelho e responda para si mesmo se é capaz ou não de criticar um texto, com fundamento, com propriedade, com profissionalismo. Se a resposta for não - dedique-se a adquirir, e rápido, essa habilidade.

Se a resposta for sim, a única saída que temos é procurar bons interlocutores. Não foi por outra razão que convidei Haroldo e Jimmy para comporem, comigo, Peroratio - preciso de críticos que me digam onde estou errado, e estejam dispostos a ouvirem, em troca, que, eventualmente, o que está errado é a crítica que fizeram.

Acredite - aguardo, ansiosamente, o momento em que aprenderei um elemento novo, eficiente, de leitura, após uma crítica pertinente de um interlocutor. Por isso, não posso acomodar-me a discussões superficiais, baseadas em gosto e desejo, em discursos genéricos sobre o pensamento de fulano - vamos ao texto: é a única base objetiva para a discussão. De modo que, sem filologia, nosso discurso torna-se bate-papo de bar.

Um forte abraço, Felipe.

Osvaldo.

Felipe Fanuel disse...

Obrigado por mais esta lição, Professor Osvaldo,

Prefiro as metáforas diplomáticas às bélicas. Não recuo, apenas reconheço o tipo de chão em que piso. É melhor evitar que nossa boa relação se transforme em uma faixa de Gaza. Por ora, minha melhor estratégia é o diálogo pacífico, não-agressivo. Longe de mim isso! Não disponho de uma só das suas "balas de prata". Arsenal tão sofisticado como este só para quem necessita de defesa o tempo todo. Não é o meu caso.

Deixo, porém, aqui o melhor de minha contribuição, por mais irrelevante que possa parecer. Exponho meus parcos recursos diante de um imponente império. Desejo apenas reagir. Não competir.

Um abraço.

Peroratio disse...

Bem, Felipe, então peço desculpas por ter crido que jogávamos o mesmo jogo, e por, por isso, ter pinçado seuas reações e as transformado em tema para post. Peço desculpas; Não acontecerá outra vez.

Para mim, a pesquisa é desafio e crítica o tempo todo. Para mim, fazer pesquisa é montar o quebra-cabeça da natureza, Felipe, e, para isso, temos, necessariamente, de verificar se cada peça que nos apresentam se encaixa - dentre mil, uma, às vezes, uma se encaixa.

Mas você quer um diálogo que não toque nas feridas. Tocar nas feridas, levantar o tapete, você o diz, é desagradável, e, nesse caso, você prefere metáforas de menor "violência". Respeitarei sua epistemologia anti-agônica, advertindo, contudo, que os frutos se colhem em conformidade com o tipo de árvore desde cujos galhos eles pendem - há frutas que se oferecem, impudicas, a qualquer um que passe. Já outros, só com esforço se pode colhê-los.

Mais uma vez, peço desculpas, não sem, antes, mais uma vez, propor uma correção - "competição"? Você disse, mesmo, "competição"? Não sei de onde você tirou essa idéia, Felipe, mas, honestamente, não há qualquer tipo de "competição" em Peroratio, não em sentido diferente daquela que há no próprio Evangelho, segundo Paulo, que se disse essencialmente competidor, essencial combatente - e isso, tenho lido, para louvor dos séculos. Se há uma competição, aqui, é pela "busca do graal", e a regra é: encontrar o discurso mais adequado para a descrição do "real", de nós, e de nossa relação com o "real". Se vai ser eu, Haroldo, Jimmy, nossos leitores, aqueles que intuirão a letra certa, a palavra certa, a frase certa, não faz a menor diferença - porque, depois, qualquer um poderá desfrutar desse fruto raro, quer dizer, na hipótese de gostar desse fruto, porque a moda, o "gosto", hoje, são os "acordos lingüísticos", a mobília ditada pelos "decoradores". Não, Felipe, anote aí: não há comeptição alguma, Peroratio não é uma arena de competição - conquanto seja uma ágora, sim - e eu não estou em competição com Haroldo, nem com Jimmy, muito menos com meus leitores. Eventualmente, comigo mesmo.

Fica em paz. E, em resposta a sua frase inicial, registraria mais uma declaração minha, que sempre faço a meus alunos: não acredito em ensino. Ninguém ensina nada a ninguém. Acredtio em aprendizagem. A gente só aprende se e quando quer. Quando se está pronto. Logo, se você aprendeu alguma coisa, não fui eu quem ensinou, ainda que eu possa ter sido, em algum momento, um catalisador para sua boa-vontade.

Um abraço, bom Ano Novo.

Felipe Fanuel disse...

Já cantava Beto Guedes em Sol de Primavera: "A lição sabemos de cor, só nos resta aprender".

Aproveito para registrar também meus votos de um feliz 2009.

Para mim, espero que seja um ano de bastante aprendizado.

Um abraço.

Felipe Fanuel disse...

Ah, não posso deixar de dizer que me agrada muito a idéia de um "bate-papo de bar". Quem sabe não seja este o nosso caminho em algum momento de 2009?

Peroratio disse...

Também retribuo os votos.
Mas, cá entre nós, você pegou pesado:

"Prefiro as metáforas diplomáticas às bélicas. Não recuo, apenas reconheço o tipo de chão em que piso. É melhor evitar que nossa boa relação se transforme em uma faixa de Gaza. Por ora, minha melhor estratégia é o diálogo pacífico, não-agressivo. Longe de mim isso! Não disponho de uma só das suas "balas de prata". Arsenal tão sofisticado como este só para quem necessita de defesa o tempo todo. Não é o meu caso".

Nossa... pegou pesado. E o pior, é que acho que não foi feliz. "Faixa de Gaza", "diálogo agressivo", "defesa"... A pessoa que você descreve, como se fora eu, você tem certeza de estar sendo adequadamente descrita?

Um abraço,

Osvaldo.

Peroratio disse...

Opa, foram dois comentários: quanto ao "bate-papo de bar" - trata-se de uma prática que se deve ter aprendido na infância/adolescência, "jogar conversa fora". Não aprendi. Vivi trancado dentro de casa até os 15 anos, e, daí, direto para o trabalho. Assim, dificilmente me verá, um dia, num "bar", batendo papo - e, se lá eu tiver, serei o chato da mesa, porque sempre levarei a sério o que ali se diz, e, ali, nada é para ser levado a sério.

Como tenho outros passatempos, não sinto falta de "bar" - nenhuma. Mas adoro um diálogo construtivo, e, até onde aprendi a ver, todo diálogo só é construtivo quando, para além de dizer sim ao interlocutor, diz, também, não, e mostra por que não. Talvez isso seja, de fato, "agressivo", talvez a ciência seja, de fato, agressiva. O diálogo pacífico, como você o considerou, aonde leva - quer-se chegar, aí, a algum lugar? Talvez haja uma maneira de dizer para a pessoa que ela está errada, sem que ela fique aborrecida e revide... Mas, se é diálogo, verdadeiramente diálogo, e não mero "bate-papo", é imprescindível que se esteja preparado para dizer você está errado/eu estou errado. O que não passar por aí, não é diálogo.

Um abraço, e desejo, honestamente, boas companhias para um bate-papo de bar, porque eu me tornei imprestável para isso. É mais um de meus defeitos, eventualmente.

Osvaldo

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