segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

(2008/127) Ainda sobre símbolos...


1. Hum, Jimmy... Jimmy... Esse nome, Haroldo, que você menciona, hum, parece que já o ouvi em algum lugar, mas faz tanto tempo que não sei se, de fato, ligo o nome à pessoa...

2. Quanto ao ócio e à praia. Bem, sair do banco me deu extraordinárias oportunidades, mas, por outro lado, privou-me de outras. Depois de dez anos de férias e viagens à beira-mar, basTante ócio em praias do Espírito Santo e Parati, bem, a Teologia não logrou manter minhas possibilidades de viagem. Desde a virada do milênio que não sei o que são férias - com o que não me refiro ao ócio em si, mas ao ócio com estilo, que, convenhamos, é outra coisa. Esperemos e vejamos se o doutorado me devolve a Chance de experimentar o ócio, se não em praias, que a pele desgosta, ao menos nas serras de Minas ou capixabas.

3. Não queres discutir, mas me cutucas. Não discutamos. Mas, quando você afirma que "Deus" não é objeto fenomênico, do que está falando? Penso que sua fala, tanto quanto a de Tillich, permitem-me reiterar minha crítica - é como se "Deus" fosse um "dado"... e, no entanto, um "dado" não disponível. Ora, mas isso faz de "Deus", apenas, uma Idéia - de que a fFnomenologia da Religião traça, a seu modo, a genealogia, que as Ciências Humanas, quando manejadas sem intenções teológicas apriorísticas, reduzem a dimensões científico-humanistas, que Feuerbach denunciou, corretamente, como "projeção", e que Morin trata, primorosamente, eu diria, irretocavelmente, acrescentaria, como ser de espírito, com o que ele quer referir-se a seres noológicos, de pensamento, que povoam a noosfera, que, pleonasticamente dizendo, é humana.

4. A Fenomenologia da Religião, mesmo a de Eliade, não afirma que uma "Realidade" invisível, ontologicamente falando, se manifeste ao homem (Croatto). Fenomenologia da Religião não é Teologia. Ela tão somente sistematiza os documentos humanos - são eles, os seres humanos, que dizem manifestar-se a eles essa "realidade". É no testemunho humano que a Fenomenologia recolhe suas informações, para, desde aí, analisá-las criticamente, científico-humanisticamente, compreendendo o fenômeno do sagrado como fenômeno global, holístico, sem reduzi-lo, metodologicamente, por exemplo, como faz, a seu tempo e modo, a Sociologia, a um fenômeno social - conquanto também o seja.

5. Em termos históricos, aquilo que se refere a uma experiência da consciência - lembremo-nos de que Eliade, tão mal-interpretado algumas vezes, como se ele, alguma vez, apontasse para "Deus", o da Teologia (Eliade é mais parente de Feuerbach do que de Barth!) - afirma que o "sagrado" é uma estrutura da consciência humana (Origens)! O "sagrado" que aparece na boca do interpretante já é um "conteúdo" criado por esse hierofante, cuja chave hermenêutica Feuerbach já tratou de oferecer, antes de, por isso, morrer. Logo, "Deus", Haroldo, até onde pudermos ir, não passa, nunca, de "objeto hermenêutico", de "imaginação criativa" - necessária? eventualmente... Sob o registro pré-moderno, podia-se tomar a invenção por iIventor(a). Hoje? Bem, hoje pode-se escolher o que se vai fazer: pode-se escolher com que cabeça se vai pensar a coisa toda...

6. A aparência de desconhecido desse "Deus" - impossível, poque ele, nessa dimensão, a do discurso (Platão/Agostinho/Barth/Tillich/Rubem Alves), tanto quanto a do não-discurso (Eckhart) é uma invenção humana, e, como tal, é por ele, pelo homem, suficientemente bem sabida - é meramente "racionalizante". Essa invenção noológica ganhou um estatuto filosófico tão sutil e sofisticado, via Grécia, que a sua racionalização levou a desenvolvimentos teológicos os mais contraditórios. E, no entanto, eis um deles - "Deus" tem de ser desde o "Totalmente Outro" até o "Desconhecido" - ah, sim, e, então, como é "conhecido"? Aí vem Barth: porque dá-se a conhecer e porque o que dele sabemos, sabemos apenas em mínima, ínfima parcela... Retórica. Ou um Rubem Alves chateado com a velha Teologia, mas não com a eidética teológica fundamental - é poeticamente que falamos dele...

7. Não há escapatória. Ou pensamos "Deus" como se pensava há milênios - essa forma ainda está em Tillich, malgrado os admiradores de Tillich quererem transformá-lo numa alternativa à teologia clássica: arrisco advirtir - é um auto-engano. Ou pensamos à moda com a qual vamos aprendendo a lidar, desde, pelo menos, Feuerbach, cujo expoente máximo me parece ser Edgar Morin: "Deus" é um ser de espírito, um ser noológico, que "vive" à custa de nossas energias, não apenas psíquicas, mas, além delas, também, somáticas. Nesse caso, a "palavra" Deus é mais concreta do que aquilo que ela pretende representar, porque ela é o que há de concreto, e tanto, que, quando você é apresentado a "Deus", é à palavra "Deus", a seu conjunto de doutrina, de ensino, de "saber" que você é apresentado. A saída mística não se faz de outro modo.

8. Nesse caso, o "símbolo" não se refere, nunca, a "Deus" enquanto eventualmente existente, mas, sempre, absolutamente sempre - e esse é o ponto, todo o mais é corolário - a "Deus" (idéia) conforme eu (interpretante) imagino/aceito/creio (ato hermenêutico, salto, "fé") que ele "exista". Insisto - fora da fé não há "Deus", ou, seria mais adequado, fora da fé não há como saber... Os símbolos para "Deus" são metáforas (como na Grácia moderna, trens para transporte) para a dimensão do além-palavra, a dimensão da idéia, aquela à qual, contudo, só se vai por meio delas, as palavras.

9. Se existe alguma coisa para além das palavras, além das idéias, algo/alguém que se aproximaria daquilo que aprendemos a chamar de "Deus", a quem aprendemos a atribuir "tudo", seja de bom - "Graças a Deus" -, seja de ruim - "Deus quis assim" - como saber? É epistemologicamente legítima a questão. Mas, Haroldo, o fato de que "projetamos", como sua causa, Deus em todos os acontecimentos da vida, explicando-os, o que isso tem a dizer, concretamente, a respeito de "Deus" para além das nossas palavras, do nosso enredo? Nada! A coisa toda, se levada a sério, pára na fé, e fica aí. Antes, diz a respeito de nós e de nossa "mania"/"necessidade" de assim proceder - por "tradição"?, "vício"?, "costume" - chamamos a isso "fé", mas é disso que estou falando, quando pergunto se, afinal, como o cachimbo, isso não é um "hábito"...

10. Além disso, há uma evidência moderna interessante a respeito da "modalidade" sistêmica/sistemática dos seres de espírito. O mundo do RPG, e, mais telematicamente, do MMORPG, ilustra bastante satisfatoriamente um padrão da "Teologia". Os "mosntros" do RPG e do MMORPG tornam-se "modelares". Quando você se depara com um "orc", seja em que livro for, seja em que história for, seja em que jogo for, ele é sempre "igual" - tem a mesma forma, os mesmos nomes, as mesmas armas, o mesmo comportamento, os mesmos mitos, os mesmos símbolos. Naturalmente, porque quem há de manejar um orc deverá seguir a "modalidade" - termo que uso aqui no mesmíssimo sentido com o qual Elidade se refere às modalidades do "sagrado", quando ele é tido como manifestado como/na pedra, como/na árvore, como/no céu etc. - própria e universal dos "orc". Vale o mesmo para todo e qualquer ser noológico/mitológico - há um padrão, que dá a esse ser a aparência de uma existência em si, concreta, o que se revelaria pela manutenção de seus traços modelares. E, contudo, quanto aos orc, aos ogros, aos vampiros, aos dwarfs, aos duendes, ora, quanto a eles, sabemos que se trata, indubitavelmente, de seres de imaginação, conquanto a imaginação, disso já sabemos, gere seres tão reais e eficientemente operacionais quanto os de carbono.

11. Eventualmente há traços históricos na mitologia teromórfica. O famoso Boi Tatá, na região norte do Brasil - aposto que ele seja uma hipóstase fantástica das preguiças gigantes (que, consta, existiam, ainda há duzentos anos, na Amazônia - a confirmar). O que não significa que todo ser de espírito tenha essa "história". No caso dos deuses, não apostaria, na origem, em um caso desse tipo. A meu ver, trata-se, por hipótese, claro, muito mais da aplicação dos conhecimentos do homem primitivo à sua "experiência" do "sagrado" - isso, que "eu testemunhei", que é? Bem, só pode ser alguma coisa viva/móvel e ter vindo de algum lugar - mas da água, não é, do mato, não é, da terra, não é, do céu, não é, porque tudo que é vivo, tudo que eu caço e como, ou que me caça e me come, ou é da água, ou da terra, ou do mato, ou do céu, e essa coisa, esse ser que me apareceu (é assim que ele interpreta a hierofania, não nos esqueçamos, mas não é assim que a Fenomenologia da Religião "entende" o processo, porque, para a Fenomenologia da Religião, o processo é cérebro-estrutural e hipostático, mas a Teologia, ah, ela imediatamente nasceu depois da imaginação hipostática - e existirá enquanto houver essa alienação psicológica) não é nem da água, nem da terra, nem do mato, nem do céu - mas do além-mato, do além-terra, do além-céu, do além-rio. Eliade já falou sobre isso (Tratado de História das Religiões) num livro libertador.

12. Logo, e para encerrar, penso que devemos analisar mais profundamente a noção de símbolo., sim. Ah, e quanto! É mais ou menos como Rubem Alves pretende fazer Teologia por meio de poesia, como se isso significase alguma coisa realmente diferente da Teologia como doutrina. Que diferença? Eckhart, Barth e Alves - os três, aparentementemente, fazendo coisas "diferentes" - mas, a despeito do peso da recepção de suas retóricas, eu insisto: é a mesma coisa - fé, e pronto., conquanto uma se desdobre politicamente (doutrina é política) e, a outra esteticamente (se a poesia aí, contudo, não tem função política!). Apenas a fé exige de si silêncio reverente - falar é pecado! Apenas a fé exige catequese salvadora - falar é dever! Apena a fé exige devaneios pseudo-abertos, poéticos, metafóricos, volantes - falar é estético! Por trás dessas fés, das três, paira "Deus", uma Idéia, que se desdobra, nos três casos, ela, a Idéia, e não ele, o Ser, posto que, aí, não passa de Idéia, em símbolos - símbolos que são função direta da e condicionada pela Idéia que os engendra, e os engendra dessa forma, e não de outra, porque é assim que ela, a fé, sabe que "Deus" - essa Idéia - é. Desconhecido? Na-na-ni-na-não!

13. Mas vai para (su)a praia. Invejo-te um pouquinho. No fundo, não invejo nada que não possa ser, realmente, meu - e essa praia, não, ainda não posso. Contudo, passarei um mês com Navarre, Isabeau, Trudeau, Noveau, Frappant, Tremoussement e Arpeje, meus personagens do Rose - estou prestes a contruir meu primeiro Castle Gear! Quando a vida lúdico-noológica tornar-se insossa, durante esse mês, correrei e beijarei a boca de Bel: esse é o lugar que, invarialmente, me adverte a não recalcar o real - é no real, e só nele, que há boca de beijar, ato lúdico-hilético - conquanto o beijo seja, ao mesmo tempo, sonho e símbolo: ah, e quanto mais se conhce, mais se quer... Porque nem aí há desconhecido, de fato... mas "desejado" (Ct 1,1-4).


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Joe Black (Joevan Caitano) disse...

Li esse tb...pós almoço é sempre bom fertilizar a mente lendo PERORATIO.
Joe

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