1. Ah, a vida e sua absoluta falta de sentido humano! A vida, essa coisa que é nossa e nossa dona, ela, ah, ela não tem nada de humano, senão que o humano tem algo dela, de profundamente dela. Ela, essa vida, que nos põe sobre a terra e nos faz volver ao pó - diferença? -, ah, ela não tem outra coisa a fazer que não replicar-se, insistentemente, incessantemente, tropeçando nos próprios pés, bêbada de cupidez, e criando atalhos para si e contra si mesma. Mas não o faz porque queira - ela o faz, e pronto. Vida é vício. Dawkins, em A Escalada do Monte Improvável, parece-me, nesse sentido, corretíssimo, quando afirma que a "função" da vida é replicar-se por meio do DNA: elefantes replicando elefantes, amebas, amebas, homens e mulheres, dia e noite. A vida é uma torneira aberta, esquecida assim, a vazar-se eternamente, sem que haja alguém que possa e se lhe possa fechar...
2. Mas e nós, descuido de gotas caídas, infiltrados no carbono - e nós? Nós nos reduzidmos a isso?, a essas gotas cotidianas, vazias, DNÁdicas, apenas DNÁdicas? E de onde nos vem o pensamento - que, está bem, é biológico, mas é pensamento de pensamento? Não - esses pensamentos são mais do que vida bruta, mais do que gotas caindo, à toa. Esses pensamentos, ah, eles, somos o que somos de mais nós - e, no entanto, saídos daquela torneira...
3. Seja como for, ganhar a capacidade de pensar, não nos alegremos tão rápido, não nos dá a capacidade de descobrir o sentido da vida. Não há sentido nenhum a ser descoberto. Não num sentido aristotélico - um empirismo metodológico, crítico, cético, nos revelaria o sentido da vida... Não. Esqueça-se essa utopia. Tampouco aquela outra possibilidade, ainda mais excitante, platônica, de um sentido que nos adviria desde fora. Ilusão. Quimera. Mentira. O que nos resta é a saída romântica - criar sentido para nós. E, saibamos, se não criarmos, outros criarão, aristotélicos sentidos, platônicos sentidos, adventícios, alienígenas, heterônomos, outros, não-nossos, íncubus e súcubus noológicos, a nos entrar por todos os buracos adentro.
4. Criar sentido para a vida significa que cada homem e cada mulher devem inventar sua fantasia de carbono e neurônio. Não significa fuga do real - besteira! - mas açúcar e canela sobre a panqueca do mundo, o véu de significado que, criando-o, com ele recobrimos terra, mar, ar e maravilhas. Ah, que excitante descobrir que tudo quanto pensamos da vida, em termos de sentido, é invenção nossa - estética, ética, heurística. O saber, o querer, o sentir - tudo, invenção nossa. Não se trata de falsidades - essas invenções são arte e técnica, a arte e a técnica imprescindíveis do humano: inventar-se, inventando um mundo, e inventar um mundo, inventando-se.
5. É por isso que jogos são tão atraentes, porque eles são iguaizinhos à vida, sendo que são, apenas, as mais das vezes, à brinca, enquanto a vida é à vera. Mas os valores da vida, invenções, as leis, invenções, as regras, invenções, os desregramentos, invenções, os valores, invenções, os contra-valores, invenções. Marina cantava estar grávida de muitas coisas. Todos estamos. O patológico é a infertilidade, quando sistemas duros - uma religião, por exemplo, nos castra, arranca do meio de nossas pernas e de nosso ventre nossos cinzéis cosmogônicos de, com eles, criar mundos e modos. Aí, nesse lugar, a vida impera - as pessoas tornam-se gotas caindo de uma torneira, entram na esteira do aeroporto, submissamente, enquanto vão cantando. A vida, nossa mãe, pode tornar-se um caminho anti-humano - porque o humano é DNA, mas mais, mas muito, muito mais do que DNA. O humano é poder querer, até, rasgar o código. O humano é poder dizer não - até à própria vida.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Mas e nós, descuido de gotas caídas, infiltrados no carbono - e nós? Nós nos reduzidmos a isso?, a essas gotas cotidianas, vazias, DNÁdicas, apenas DNÁdicas? E de onde nos vem o pensamento - que, está bem, é biológico, mas é pensamento de pensamento? Não - esses pensamentos são mais do que vida bruta, mais do que gotas caindo, à toa. Esses pensamentos, ah, eles, somos o que somos de mais nós - e, no entanto, saídos daquela torneira...
3. Seja como for, ganhar a capacidade de pensar, não nos alegremos tão rápido, não nos dá a capacidade de descobrir o sentido da vida. Não há sentido nenhum a ser descoberto. Não num sentido aristotélico - um empirismo metodológico, crítico, cético, nos revelaria o sentido da vida... Não. Esqueça-se essa utopia. Tampouco aquela outra possibilidade, ainda mais excitante, platônica, de um sentido que nos adviria desde fora. Ilusão. Quimera. Mentira. O que nos resta é a saída romântica - criar sentido para nós. E, saibamos, se não criarmos, outros criarão, aristotélicos sentidos, platônicos sentidos, adventícios, alienígenas, heterônomos, outros, não-nossos, íncubus e súcubus noológicos, a nos entrar por todos os buracos adentro.
4. Criar sentido para a vida significa que cada homem e cada mulher devem inventar sua fantasia de carbono e neurônio. Não significa fuga do real - besteira! - mas açúcar e canela sobre a panqueca do mundo, o véu de significado que, criando-o, com ele recobrimos terra, mar, ar e maravilhas. Ah, que excitante descobrir que tudo quanto pensamos da vida, em termos de sentido, é invenção nossa - estética, ética, heurística. O saber, o querer, o sentir - tudo, invenção nossa. Não se trata de falsidades - essas invenções são arte e técnica, a arte e a técnica imprescindíveis do humano: inventar-se, inventando um mundo, e inventar um mundo, inventando-se.
5. É por isso que jogos são tão atraentes, porque eles são iguaizinhos à vida, sendo que são, apenas, as mais das vezes, à brinca, enquanto a vida é à vera. Mas os valores da vida, invenções, as leis, invenções, as regras, invenções, os desregramentos, invenções, os valores, invenções, os contra-valores, invenções. Marina cantava estar grávida de muitas coisas. Todos estamos. O patológico é a infertilidade, quando sistemas duros - uma religião, por exemplo, nos castra, arranca do meio de nossas pernas e de nosso ventre nossos cinzéis cosmogônicos de, com eles, criar mundos e modos. Aí, nesse lugar, a vida impera - as pessoas tornam-se gotas caindo de uma torneira, entram na esteira do aeroporto, submissamente, enquanto vão cantando. A vida, nossa mãe, pode tornar-se um caminho anti-humano - porque o humano é DNA, mas mais, mas muito, muito mais do que DNA. O humano é poder querer, até, rasgar o código. O humano é poder dizer não - até à própria vida.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
3 comentários:
Li esse tb....texto bacana
bem q tu disse em 2005 que Morin iria atiçar (fertilizar) a mente de quem ousasse encarar akeles 6 tijolos (O MÉTODO)...salve os seres TEOLÓGICOS-NOOLÓGICOS.
abçs
Joeblackvan
"A vida
só é possível
reinventada".
(Cecília Meireles)
Abraço, Mestre!
Elias Aguiar
Coincidência receber essa mensagem hoje. Não tem dez minutos, dizia à Bel que eu preciso me reinventar, reinvertar minha vida, e que 2009 terá de ser o ano de minha reinvenção.
Não cairei da armadilha de seu comentário como um recado do Além, mas que dá vontade, dá...
Um abraço,
Osvaldo.
Postar um comentário