quarta-feira, 11 de março de 2020

(2020/017) Mas e antes de virar bosta?


Moacyr Franco escreveu e Rita Lee deu voz a "Tudo vira bosta". A letra está por aí, e não preciso transcrever. Quem desejar, consulte o Oráculo. Mas, entre muitas coisas, ali se diz que a ditadura e o oprimido, tudo vira bosta.

É verdade. Toda matéria está destinada a virar bosta, mesmo se comida in vivo por criaturas ainda vivas. Mais cedo ou mais tarde, tudo vira bosta...

Mas a questão é: e enquanto não vira?

Dizer que tudo vira bosta é, no final das contas, uma atitude reacionária. É nivelar todas as coisas. É dizer que tanto fez quanto tanto faz. Como se a ditadura fosse a mesma coisa que o oprimido, como se a opressão se igualasse a quem ela oprime: uma estupidez só...

É enquanto a coisa está viva e a carne dói que avaliamos se tudo é a mesma coisa. No fim, quando não há mais dor, salvo na memória de quem fica, tudo vira bosta. Mas mesmo na memória dos que ainda não vivaram bosta, nada é a mesma coisa: a ditadura e os torturados são coisas irreconciliáveis, conquanto a velhice e o cinismo da idade procurem promover a paz retórica...

Tudo viva bosta: mas quem caga ainda sabe onde o calo aperta, e uma coisa é cagar na favela e, outra, em Bariloche...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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