1. Eu duvido que Jesus de Nazaré um dia tenha dito essa frase. Apostaria minhas fichas, que não são muitas, na hipótese de que foi a comunidade joanina, por conta de sua briga com os fariseus, do que parece ter decorrido sua expulsão da sinagoga, que atribuiu a ele essa declaração.
2. Não acho que Jesus pensasse dessa forma - não porque fosse ele, então, um pluralista, "moderno". Mas porque não vejo que os conflitos que ele enfrentou demandassem esse tipo de construção retórico-teológica de guerra.
3. Jesus lutava contra Roma e contra o poder sacerdotal, bem como o poder religioso de modo geral: era um confronto político-religioso, não teológico-religioso. O que estava em jogo, quero crer, era como Deus queria que se vivesse em Israel, não quem é que podia levar alguém até Deus, ou quem o tinha nas mãos, quem era seu representante único...
4. Já a comunidade joanina tinha problemas de teologia com duas frentes bastante formidáveis - os judeus, que insistiam na prioridade de Moisés e da Torá, e os discípulos de João, o batista, que insistiam na preeminência de João sobre Jesus.
5. Nesse contexto político-teológico, a comunidade reage de modo violento: nem judeus nem o batista têm acesso a Deus, só "nós", a comunidade - para o dizer, põe na boca de Jesus a sua própria máxima. Quando fazem Jesus dizer que ninguém vai ao Pai senão por ele, isso significa que ninguém tem Deus a não ser a própria comunidade.
6. Um risco para minha tese: em que nível se teria dado o eventual conflito histórico entre o próprio Jesus e o batista? Se houve algum conflito entre eles - conflito no sentido de um dos dois serem a "porta", talvez aí se encontrasse um contexto ecológico para a emergência retórica de um discurso de "eu sou o cara, e não você" - e minha hipótese estaria fragilizada, se não, já, inviabilizada...
7. Todavia, até que ponto o conflito evangélico entre Jesus e o batista não reflita apenas o conflito posterior entre discípulos de um e de outro, esses sim, agora, determinando quem é quem, quem é o verdadeiro representante de Deus, essa bobagem que sói ocupar a vida de beatos...
8. Como é disse - é uma hipótese.
9. Talvez você descreia dela, prefira a hipótese de dois mil anos.
10. Mas não se esqueça de que, quem o disse, de fato, foi a comunidade joanina. Foi ela que disse que Jesus teria dito. No fundo, para assumir a hipótese de dois mil anos, você terá de fazer exatamente o que a comunidade queria: crer na comunidade... É nela, em última análise, que você deposita a sua fé.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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