1. Joaquim Jeremias foi um pesquisador do Novo Testamento que li muito em minha fase "seminarista". Devorei-o. Uma das coisas que ele queria fazer era recuperar a condição histórico-judaica de Jesus, depois da lavagem antissemita da exegese neotestamentária alemã da época da guerra (a Teologia de Bultmann atende perfeitamente às exigências da época, por exemplo [não?]).
2. Joaquim Jeremias queria recuperar o que teria sido exclusivo de Jesus - o que ele não teria copiado da cultura judaica, de modo que precisamente isso revelaria sua singularidade e autenticidade...
3. Há uma declaração nos Evangelhos, posta na boca de Jesus, e, pelo que me recordo, Jeremias não se dedicou a ela. Talvez, porque se saiba que dificilmente é original - chega-se a dizer que a passagem da mulher pega em adultério seja inautêntica, um acréscimo a João.
4. Se a passagem é, de fato, inautêntica, talvez não se possa, mesmo, creditá-la ao Cristo. Seja como for, quer-me parecer que, de todas as declarações do Novo Testamento, essa - "eu não te condeno" - seja a mais inusitada e radical...
5. A cultura religiosa judaica, sacerdotal e inclusive profética, é uma cultura de condenação. Não estou certo quanto à tradição sapiencial - não encontro, nela, gritos de condenação, muito pelo contrário.
6. Na profecia, vá lá, a condenação é seletiva - quando estávamos na fase de justiça social (Amós, por exemplo): condenam-se os poderosos opressores. Mas logo a literatura profética transformou-se em festim sacerdotal de condenação do povo "idólatra"...
7. Na boca do Cristo, todavia, como anti-clímax à fúria de apedrejamento condenatório da cultura, a declaração "eu não te condeno" funciona como um desmancha-prazer na alma sacerdotal...
8. Como assim "não te condeno"?
9. Não me surpreende que o sucesso tenha sido de Paulo, para quem, sem sangue, não há remissão de pecados. Paulo é um açougueiro templário: sangue. Quado Paulo olha para o Cristo, é o Cordeiro que ele vê, para a cruz, o altar de sacrifício - Paulo é judaísmo sacerdotal, como Hebreus...
10. Essa comparação ilustra bem o caráter seletivo da história da teologia, da história do dogma, da história da fé. Cataram-se feijões e plantaram-se hortas de interesse: os feijões constrangedores foram largados à beira do caminho...
11. Eu, corvo e gralha, cato-os e vivo de comê-los... E não há espantalho paulino a assustar-me mais...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário