segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

(2012/923) O Verbo que habita entre os homens

1. Há muitos séculos, um judeu escreveu num rolo que o Verbo armou a sua tenda e habitou entre os homens. Sabe do que estou falando? Sabe de que Verbo estou falando?

2. Esse homem, e outros, disseram que o Verbo sai da boca de Deus e Deus manda que habite entre seu povo - e o Verbo vai e habita entre seu povo: arma a sua tenda em Jacó...

3. Você sabe de quem estou falando? Sabe que judeu é esse que escreveu essas coisas e sabe que Verbo é esse?

4. Provavelmente está a pensar em Jesus e em quem tenha escrito o Evangelho de João. Compreendo. Há até quem cante assim.


5. Mas não falo deles. Eles apenas se apropriaram do que um antigo judeu escreveu em Eclesiástico 24. A Sabedoria sai da boca de Yahweh, torna-se Verbo, e Yahweh manda que ela, Sabedoria-Verbo, Palavra que sai da boca de Yahweh, arme a sua tenda em Jacó, instale-se no Templo. É, obviamente, a Torá.

6. Outro judeu deixa a coisa ainda mais clara, em Baruque 3-4: a Sabedoria é o Livro da Lei de Deus, a Torá...

7. Os judeus cantavam isso, decerto: "o Verbo habita entre nós".

8. Posso imaginar os judeus da comunidade joanina contando isso desde pequenos.

9. Até o dia em que começa a batalha de morte entre eles, aderidos a Jesus, os judeus "que não o reconheceram" e os discípulos do batista. Isso foi já no final do século, imagino.

10. Expulsos da sinagoga e em confronto com os discípulos do batista, os judeus aderidos da comunidade joanina se apropriam de sua tradição judaica, o Verbo que arma a tenda, e, em vez de aplicarem a ideia ao Rolo da Lei, aplicam-na a Jesus...

11. Nascia assim a cristologia alta: Jesus, homem, judeu, nascido de virgem - até aí, agora torna-se Verbo, pré-existente ao nascimento de Maria...

12. Um plágio santo, operado no campo de batalha...

13. Antes de eu saber disso, lidava com a canção evangélica de um modo, mas o conhecimento tem esse poder, de nos tirar as escamas dos olhos. Hoje, eu sei que a aplicação do conceito de Verbo a Jesus é uma operação secundária, setenta, oitenta anos depois de morto o messias, um episódio de confronto, briga e desamor, apropriação cultural e processos sociológicos do dia a dia...

14. Não é possível simplesmente cantar isso, fingindo que não sei o que sei...

15. É bonita a melodia...

16. A ideia, contudo, uns dois séculos mais antigas do que aquele a quem a aplicamos...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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