segunda-feira, 9 de julho de 2012

(2012/562) Na superfície é que se distinguem os gregos e os troianos - mas, mais abaixo, não


1. De novo, volto ao tema da crítica que os tradicionais fazem aos neopentecostais - naturalmente que falo dos profissionais de um lado criticando os profissionais do outro.

2. Temos de dar alguns passos para trás. Há duas longas tradições no Antigo Testamento, que se desdobram em tradições judaicas que, por sua vez, se desdobram em potenciais tradições cristãs.

3. Numa, o homem é culpado, na outra, é vítima. 

4. Na tradição em que ele é culpado, o agente religioso intermedia a salvação. Na tradição em que o homem é vítima, o agente religioso intermedia a libertação.

5. Talvez - mas aqui com mais cuidado - se possa dizer que majoritariamente, os Evangelhos conhecem a tradição da vítima, o que se repete na única referência ao "Jesus histórico" em Atos: "Jesus andou pelo mundo libertando os oprimidos do diabo". 

6. Já a outra corrente, a da culpabilização do homem, encontra-se a Paulo.

7. O Cristianismo gravita em torno desses dois polos. Sacerdotal em seu leito mais fundo, a criminalização do homem se acentua. Jesus é o remédio para o pecado. Essa é a corrente tradicional, desde Agostinho, Lutero e, mais recentemente, evangélicos.

8. A outra corrente pulsa, todavia, no fundo do leito. Ela costuma ser acessória para a corrente principal, mas, teologicamente independente, pode se materializar em correntes não-alinhadas. É o caso das igrejas neopentecostais, onde o homem não é culpado, é vítima. Jesus é a cura e o exorcismo.

9. Compreendo que o tradicional não se veja nas igrejas neopentecostais - absurdo a comparação, ele dirá.

10. Todavia. Aprofunde-se a rotina e o movimento de ambos os lados. O agente operador dos ritos e da manutenção do vínculo entre fiel e sistema garante as práticas religiosos que administra por meio de: a) apresentar uma situação teológica em que o fiel está inserido como sendo a condição geral de todos os homens; b) apresenta uma solução teológica para essa condição e c) ele mesmo - é claro! - é o mediador da solução.

11. Nas igrejas tradicionais, a retórica é assim: a) situação geral - pecado; b) solução geral: salvação em Cristo; c) condição do agente operador: mediador ritual do benefício oferecido.

12. Nas igrejas neopentecostais, a coisa funciona da mesma forma, mudados apenas os conteúdos, porque mudada a corrente teológica de culpa para vitimização: a) situação geral: opressão diabólica; b) solução geral: cura e libertação em Jesus Cristo; c) condição do agente operador: mediador ritual do benefício oferecido.

13. Entendo que para um tradicional sejam coisas muito diferentes. Porque ele só consegue olhar para o neopentecostal de sua posição de conteúdo.

14. Pois eu olho desde aqui e, daqui, não vejo diferença alguma. Sim, os conteúdos são diferentes, mas os conteúdos são, para o que me interessa, acessórios em ambos os sistemas: anuncia-se um problema e se apresenta como a solução para aquele problema. 

15. Numa palavra: religião.

16. Não é por outra razão que crer em Deus é crer em ministros.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO


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