segunda-feira, 9 de julho de 2012

(2012/559) Sobre um comentário de Rodrigo Freitas


1. É comum eu receber comentários aos textos que publico em Peroratio - no fundo, escrevo para ser comentado. Desejo que haja concordância, claro, mas, quando há discordância, vamos para a discussão, o debate, e, se eu estiver errado, volto para casa, penso tudo de novo, e volto a escrever. Em heurística e política, não há um ponto de apoio absoluto, que nos isente de erros e equívocos. Assim, apenas a discussão honesta e aberta nos dá alguma chance de clareza.

2. Rodrigo Pinheiro deixou-me o seguinte comentário:
Caro Osvaldo, tomei conhecimento dos seus textos no Facebook, através do professor Lair. Seus textos são, para mim que fui e deixei de ser cristão, escandalizadores, fico imaginando para quem é cristão, mas quando digo cristão aqui, digo os convencionais, que não têm a menor idéia do que é o cristianismo e muito menos a ou as igrejas. Apesar de seus textos na maioria das vezes me escandalizar, eles também me esclarecem muito, acho que é por isso que os leio, pois encontro neles, tudo o que via e percebia quando era cristão, mas não conseguia explicar com palavras. Gostaria de saber se você tem livros publicados ou pelo menos o que você lê (que seja mais acessível intelectualmente) para eu poder começar nesse caminho que você está caminhado. Eu gostava de ser cristão, me confortava em certos aspectos, mas na época, tudo de errado que via, muitas das coisas que você escreve aqui, me fez perder a fé. Mas mesmo não sendo mais cristão, gostaria de saber o porquê deixei de ser e isso só com muito estudo e tempo. Admiro sua coragem em postar textos tão explícitos sobre um assunto que é tabu se fazer críticas (2011/480) Dois mil anos depois - de como a estratégia cristã mudou nesses dois mil anos).

3. O comentário de Rodrigo é forte. Agradeço a sua admiração. E respeito sua caminhada. Todavia, deixem-me tecer algumas considerações breves.

4. Não escrevo com o objetivo de fazer com que as pessoas deixem de ser cristãs. É um efeito possível de minha fala e escritos?, sim, é, mas, cá entre nós, não diria que tanto por conta de minha fala quanto por conta de ela permitir que pessoas, que já se sentem desconfortáveis, consigam verbalizar o que antes era apenas um desassossego. Rodrigo diz que não tinha palavras, e as encontra em meus textos - e, no entanto, ele deixou de ser cristão, conforme diz, antes de me ler e mesmo antes de ter as palavras.

5. Meu objetivo é a crítica transformadora. Não é a crítica destrutiva. Todavia, a transformação implica, necessariamente, a destruição de ícones. Reformas exigem demolição de paredes, troca de piso, pintura. Ao final, a aparência tem de ser outra, caso contrário, não foi uma reforma, mas apenas manutenção. Meus textos têm implicações iconoclastas e reformadoras, com um quê de revolução. Mas são apenas palavras, que eu mesmo não pegarei em armas contra os poderes eclesiásticos...

6. Quanto a mim, é difícil aceitar uma classificação. O que significa, hoje, dizer que se é cristão? Há tantos modelos!, e modelos antagônicos!. Há quem negue a classificação à massa evangélica que faz subir o mercúrio do IBGE! E, no entanto, eles se dizem cristãos. Assim, "cristão" virou um rótulo de grife, com pouquíssimo conteúdo histórico. De modo que a questão me parece irrelevante.

7. Interessa-me saber o que o sujeito pensa, no que ele acredita, em que ele se engaja, a que ele se dedica. O nome que ele eventualmente carregue me diz pouco. Os meus valores são, em certo sentido, protestantes, no sentido teórico-filosófico da corrente. Teologicamente, não: porque o Protestantismo é "clássico", e minha teologia não acompanha mais a estrada clássica, das doutrinas reveladas. Da mesma forma, não posso acomodar-me à tradição, como querem alguns resolver a sua questão, uma vez que a tradição é - apenas e nada mais - o assentamento da estrutura político-teológica clássica, porque, hoje, é filha dela, mesmo ali, onde se jura fazer poesia...

8. Não sei para onde vamos. No momento, finco o pé na terra, apoio meu escudo em meu ombro e braço, e faço toda a força de resistência possível, porque há pouco, senhores, pouco, muito pouco mesmo, na prática e nos discursos cristãos de hoje que me agrada, que me faça os olhos brilharem. O que de bom eu vejo na tradição cristã, de prático, de palpável, o Estado Democrático de Direito incorporou, de maneira ainda muito imperfeita, uma vez que o Socialismo foi obstruído pelo Capital - mas, uma vez que me considero um homem republicano, "moderno", secularizado e emancipado, não posso querer outra coisa além desse "jogo" social.

9. Se isso é ser cristão, sou. Se ser cristão é estar, dia sim e dia também, em templos, sentado, de pé, calado, pulando, ouvindo sermões que, muitas vezes, não têm nenhuma fundamentação nem em Bíblia nem em Tradição alguma, a mistura de mau gosto entre Faustão, Pânico na TV e Jô Soares; se ser cristão é repetir, sob a batuta de um sacerdote disfarçado ou ordenado, mantras, mitos e modas; se ser cristão é condenar todos os outros religiosos; se ser cristão é ficar a olhar para cima, é ficar repetindo jargões planejados, se é entrar no grupo de louvor à Teló; se ser cristão é querer impor a todos os outros minha moral, minha tradição e as verdades de "meu Deus" - bem, game over.

10. Ma quem disse que isso é ser cristão? Eles? Ah... entendi....

11. Certamente que encontrarei em mim, ainda, muito da tradição cristã. Não a negarei, jamais. Mas, ao contrário de muitos de meus amigos, meu discurso não é de didática positiva, de escrever sobre as coisas boas do Cristianismo, com o intuito de que se deixem de fazer as coisas ruins que igualmente o caracterizam. Não - eu pinto, com cores fortes, as desgraças da nossa história, como a querer me exorcizar desse espírito de perversão que nos habita a alma há tantos séculos.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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