quinta-feira, 5 de julho de 2012

(2012/552) Neopentecostalismo - hiper-protestantismo ou neocatolicismo?


1. Durante a reunião de estudos dos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (Mestrado), hoje à tarde, conversávamos sobre a materialidade da religião, as práticas como objeto de observação - de tomarmos o comportamento religioso no lugar do discurso que o religioso dá a si mesmo: o que acontece de fato ali.

2. A conversa, então, caminhou para a análise do catolicismo, do protestantismo clássico, do pentecostalismo e do neopentecostalismo.

3. Não vou comentar o que se conversou no todo. Vou registrar o que eu disse, como reação à discussão que se dava.

4. Talvez se possa olhar a coisa da seguinte forma.

5. A despeito de o católico "ter que ir lá", isto é, no templo, ele não é operante de nada e de coisa alguma: ele tem de abrir a boca e receber a hóstia, abrir a boca e falar ao ouvido do confessor, mas não é o abrir da boca, é a hóstia operada, "oficiada" pelo clero e o "ouvido" sacerdotal os verdadeiros - e únicos - agentes operantes e eficientes. É uma igreja sacramental, clerical, sacerdotal.

6. Aí, cai-se no protestantismo: na prática, o sujeito ainda vai lá, igualzinho, sem nenhuma diferença, nesse sentido, do católico. Mas, agora, ele é o operante eficiente: em certo sentido nem precisaria ir... Mas vai. E, sendo operante, é sua fé, ele, em sua condição de sacerdote de si mesmo, a operante eficiente da "salvação". Sim, é verdade, permanece lá o clero, com nome mudado, mas, apesar de lá permanecer e até se vestir à católica, é inútil e dispensável, nos termos do regime teológico - quem opera eficientemente a salvação é o crente. Isso, no discurso. Na prática, banco - e olhos fixos no "ungido"...

7. Ele fica lá, sentado no banco, faz que não opera nada. O clero protestante porta-se exatamente como o clero católico - exatamente! - e o crente, a despeito de ser o agente eficiente da salvação, submete-se, sentado. Deus fala no púlpito. É na Bíblia? Ah, sim - mas é nada: é no púlpito. Se a "Bíblia" fala diferente, o púlpito a cassa... O crente é, então, um agente operante eficiente heteronomizado. Faz de conta que não opera nada - é o dono da casa, mas dá a chave ao carteiro... Aí, nessa situação de engessamento, explode a revolução de Pentecoste, o Espírito a descer e distribuir-se pelos bancos. Agora, sim, as coisas começam a tentar se encaixar: discurso e prática, e o engessamento era de tal monta que a subversão da ordem e da tradição precisa ser "forte": o corpo revolta-se, dança, bate palmas, canta, brada, bate pé, roda, fala, cai, tremula, grita. Em certo sentido, aí, sim, começa, de fato, o que o protestantismo diz, de boca, começar com ele... É uma igreja flagrada no risco do protestantismo, mas ainda sob o controle inteligentíssimo de um clero muito mais eficiente no jogo das negociações do que o clero tradicional protestante.

8. E quanto ao neopentecostalismo? O que há ali? Uma radicalização ainda maior do movimento catolicismo/protestantismo/pentecostalismo, do encaminhamento de um clericalismo radical e oficial, para um clericalismo dissimulado e, daí, para um ensaio de subversão de clericalismo (mas efetivamente abortado próximo às suas origens)? Não. Pelo contrário. É verdade que é preciso olhar caso a caso (nesse sentido, R. R Soares está mais pentecostal do que neopentecostal [cf. retificação abaixo]), mas as igrejas de curas e milagres, como a Universal e a do Apóstolo são, a meu ver, uma reação - são reacionárias, são neocatólicas.

9. Em que sentido? É o clero, e apenas o clero, que opera a salvação. Isso tem a ver com o fato de se tratar de magia, mas isso não muda o fato de que estamos diante de um sistema em que o clero detém o poder de salvação. A cura carece da imposição da mão do clero, de seu lenço, do patuá, de alguma coisa dele, ainda que sejam os seus operadores humanos de plantão, com coletes ou ternos de missa. O crente dessas igrejas volta àquela condição de não operar mais nada - sim, ele tem de ir lá, mas ir para esfregar-se no suor mágico do clero.

10. Talvez eu pudesse arriscar uma afirmação: nunca saímos, de fato, do catolicismo. Nos discursos, vá lá. Mas, na prática político-templária, estamos dentro do catolicismo. Sempre estivemos. No protestantismo, de modo claríssimo, incluindo aí as igrejas evangélicas de missão: catolicismo prático. Com o movimento pentecostal, talvez se pudesse pensar num início de "levar a sério" as máximas protestantes - mas aí se dá a coisa como se deu com os camponeses germânicos de há 500 anos, e a reação do clero é avassaladora. No neopentecostalismo, até o discurso protestante desaparece - assim como em Roma é o clero que opera, nas Neo também. E, cá entre nós, magia por magia, quem negará que sacramento não é magia em altíssimo grau de sublimidade teórica?

11. Lutero é uma fraude, começo a pensar. Faremos 500 anos de Reforma em 2017. Acho que concluirei que vivermos 500 anos de dissimulação - católicos (principalmente nosso clero evangélico: católicos), mas dissimulados, com dois pecados: negar sua própria identidade de fundo e condenar o outro que expressa, de verdade, o que mentimos ser de fato. Mentira e condenação.

12. Se essa leitura estiver correta - se estiver: talvez só se possa ser protestante de fato com a dissolução do sistema clerical conhecido há dois mil anos.

13. Bonhoeffer estaria pensando nisso quando pensou (n)um Cristianismo não-religioso para um homem em estado-adulto?

14. Olha o "ufa!" aí de novo...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. retifico a classificação de R. R. Soares conforme diálogo abaixo, no facebook.

Joel Fontenelle Macedo Desculpa, mas R.R. Soares é neopentecostalismo levado a extremos. Com doutrina importada e tudo (Hagin, Osborn, Wigglesmith...) Templocentrismo com hierarquia rígida incluindo um papa. Cristianismo positivo, capitalista, individualista, expansionista. Patrocinadores. Campanhas de prosperidade cada vez mais ousadas... 

Osvaldo Luiz RibeiroJoel Fontenelle Macedo, devagar. Nos termos de meu arrazoado, e apenas nos termos do meu arrazoado, está bem? O culto de R. R. Soares é uma mistureba de práticas tradicionais de evangélicos tradicionais - o púlpito de R. R. Soares é muito próximo do púlpito batista, por exemplo. Nos rituais de cura, por exemplo, ele manda que as próprias pessoas ponham a mão sobre a doença, ou seja, façam auto-imposição, o que significa que, a despeito da "ordem de comando", a ação mágica opera-se pelo próprio fiel. Isso me faz pensar que ainda é um sistema que opera na dissimulação protestante.

Diferente é o Apóstolo, que diz que é ele que opera a cura.

Agora, pelas rotinas de classificação disponíveis, ponha R. R. Soares entre os neo que a banca aprova.

Joel Fontenelle Macedo O púlpito dele é para o público externo Osvaldo. É nas igrejas, longe da TV, que o couro come. Eu boto ele no Neo porque eu vi, eu conheço de perto...não é pela TV não. 

Osvaldo Luiz Ribeiro Nesse caso, retifico minha classificação. Se in loco ele é um Valdomiro, então é um sistema neocatólico. Mas estranho, porque ele alcança muito mais gente pela TV... É um super-esperto empresário da fé... De qualquer forma, uma raposa velha, e um caso à parte.

Um comentário:

Anônimo disse...

Certa vez você mencionou a conversa entre Erasmo e Lutero a respeito de entregar a Bíblia nas mãos do povo e deixá-lo ler e chegar à conclusão que chegasse - livre exame das Escrituras.
Ouvindo você agora mencionar o que deveríamos, protestantes, ser, em decorrência do sacerdócio universal do crente, e o que somos de fato no templo, a saber, crentes com almas católicas, fiquei pensando se, aplicando de fato e de verdade esses dois princípios, não haveria mais era Cristianismo nenhum, ou pelo menos não esses cristianismos que conhecemos. Nem catolicismo, nem protestantismo, nem pentecostalismo, nem neopentecostalismo.
Eramos estava certo, não é? Seria uma coisa diferente, outro Cristianismo, ou nenhum mesmo? Em vez de Teologia, Ciência da Religião?
Lembra quando falamos certa vez sobre a crítica na igreja, no lugar do "Bíblia e Oração", e concluí que seríamos um Brasil pós-cristão? Será que o efeito não seria o mesmo?

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