quinta-feira, 26 de abril de 2012

(2012/413) Revolução ou reformas - sobre campanhas de oração para a mudança do Brasil

1. Na aula de ontem, uma aluna, que me entregara um "manual" para campanha de oração e "mudança do Brasil" em 100 dias, me pergunta sobre o "projeto" - e, para introduzir a pergunta, cita, lendo, trecho de um artigo de Julio Zabatiero sobre o protestantismo de missão.

2. Julio dizia ali que se cria, então, que a transformação do homem - moral e espiritualmente - era suficiente para a transformação do Brasil (segundo os missionários, claro), e que, consequentemente, era desnecessária qualquer espécie de revolução. O Brasil era "ruim" porque era idólatra e não servia a Deus - desde que os brasileiros passassem a ser "crentes", o Brasil, então, progrediria, como, por exemplo, os Estados Unidos e os países "protestantes" europeus.

3. Depois de ler o texto, ela me pergunta sobre a campanha, e, diretamente, se era certo participar.

4. Não respondo perguntas desse tipo. Quem deve decidir é o próprio aluno. Mas o aluno deve saber o que está em jogo. 

5. E disse o seguinte. Grosso modo, no século XIX, a Europa enfrentou dois movimentos fortíssimos - as revoluções populares e burguesas, de um lado, que culminariam no marxismo e, as médio prazo, no comunismo histórico e no socialismo, e as contra-reações liberais, que culminarão no mundo "civilizado" do século XX e, mais recentemente, no neoliberalismo.

5. Depois da revolução russa, no início do século, a polaridade dos regimes tornou-se gritante. Mas ela já se desenhava muito tempo antes.

6. Trata-se de uma questão fundamental: como manter o próprio povo satisfeito, com condições razoáveis de vida, de modo que eles não se tornem um problema para o poder? Por outro lado, como fazer isso sem revolução, sem dividir a riqueza do país entre povo e elite? Só se encontrou um jeito - aliás, dois, que, ao fim e ao cabo, são um só e o mesmo.

7. Primeiro, "roubar" dos outros povos. Os países europeus construíram sua riqueza e a relativa segurança de seu povo, seu "bem-estar", reduzindo à miséria os outros povos - sempre com o auxílio das elites desses povos roubados. África, América Latina, Ásia. É a época do colonialismo - sugar dos outros povos a riqueza e manter, com essa riqueza, o próprio povo sob controle. Fome lá fora, e vinho e queijos cá dentro.

8. Na outra ponta, exportar excedentes de população na forma de migrações, uma válvula de controle do excesso populacional que gera instabilidade social. O Brasil não está cheio de europeus que para cá vieram há mais ou menos cem anos?

9. Não é por outra razão que, após o fim do colonialismo propriamente dito, manteve-se o processo de transferência da riqueza dos povos por meio do sistemas de regulação político-econômica - FMI, por exemplo, e, hoje, o mesmo se faz por meio das grandes multinacionais, que transferem os lucros para suas sedes. É preciso manter o próprio povo "bem", mesmo à custa dos outros povos - porque só assim se mantém o povo "quieto".

10. Numa visão de "reforma", como se pode imaginar que esse quadro possa mudar? Adam Smith dizia que numa democracia escravagista, só uma força além da "democracia" liberaria os escravos - isso teve de ocorrer nos Estados Unidos - a Guerra de Secessão, por exemplo. No campo das transferências de riqueza, como as "reformas" poderão operar? Uma vez que as elites e as mídias locais estão a serviço dessas corporações, somente processos não-alinhados poderão reverter o quadro. Ou a força de um Estado não-alinhado - e é por isso que se grita contra o Estado forte na mídia brasileira.

11. Daí que as revoluções sejam tão temidas pelo modelo político-econômico internacional. Porque se tratará sempre de revolução contra os donos do jogo, seja por força de novos interessados no jogo, seja por força de levantes populares. É preciso impedir as revolução - nem que seja em Granada!

12. Nesse sentido, será sempre a partir desse modelo de "reforma" (Moltmann, por exemplo, "missão integral", por exemplo), ou "revolução" (Teologia da Libertação, por exemplo) que a questão passará. Nesse sentido, os movimentos neocarismáticos - espiritualidade missionária! - acabaram com as CEBs. Não há mais revolução circulando na base católica - lá, agora, corre o rio do Espírito. (para o que seria interessante ler Os Demônios descem do Norte e sua teoria da conspiração da CIA na introdução do movimento carismático como contra´revolução).

13. Movimentos de oração pela transformação do "povo" estão, sempre, a serviço das "reformas" - nunca, das revoluções. Quando os camponeses alemães pararam de orar e decidiram enfrentar os príncipes alemães, Lutero, o bom, autorizou seu massacre... É bem um reformador, esse Lutero... É para orar, camponeses, para orar...

14. Não estou dizendo que você deva tornar-se um revolucionário. Estou apenas dizendo que você deve saber a serviço de quem está. Porque é até na decisão de orar pela "transformação" moral do povo que se sabe em que lado da luta alguém se encontra.

15. Nesse sentido, valeria a pena vir ao Congresso da Unida e ouvir sobre a Conferência do Nordeste - cujo título foi, olha que coisa, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro". Com toda a razão o regime militar tinha mesmo que prender aquela turma - queriam um Jesus revolucionário, antes da Teologia da Libertação. Depois de 64, os evangélicos tornaram-se, todos, "moltmannianos". O sistema agradece... Mas está de olho...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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