1. Foi há duas semanas. Uma aluna, de tradição batista, pede para sair mais cedo da aula de Hebraico. Sexta-feira. Vai a um velório. Pensei que iria namorar, porque estava especialmente arrumada e maquiada. Mas era um velório.
2. Dias depois ela me conta que aconteceu uma coisa curiosa no velório. De pé, ela, com seu livro de Hebraico na mão, porque fora direto da Faculdade (Unida de Vitória), um homem, de terno, a observa.
3. Ele se aproxima. O que você faz? Como assim? Você estuda? Sim. O quê? Teologia. Esse livro aí? Hebraico. Estuda onde? Na Unida. Quem é teu professor? Osvaldo...
4. E o pastor arguidor inquisidor completa, solenemente, como quem pronuncia palavras mágicas e atávicas: Osvaldo Luiz Ribeiro... E acrescenta, peremptório: "cuidado com esse homem - é um herege!".
5. Um pastor... É porque era uma aluna, educada. Não o diria a mim, olhos nos olhos...
6. Eu diria algumas coisas ao ilustre pastor.
7. Primeiro: a palavra heresia não se aplica, salvo na cabeça anacrônica de um homem preso a seus delírios de fé. Heresia pressupõe poder, arma - não, ele não os tem, nem o poder, nem as armas. Numa sociedade plural, o que há são heterodoxias, divergências - naturais e boas, até! - de opinião...
8. Mas eu mentia: poder ele tem, e, com isso, vem a segunda coisa que eu diria: o pastor guarda poder de ferro sobre a consciência de suas ovelhas. Ensina-as a repetir o que ele diz, porque o que ele diz é o que Deus diz. Não as ensina a pensar, a ser livres, mas a repetirem, acriticamente, obedientemente, bovinamente, sua cartilha e tabuada. E quantas vezes usa a palavra liberdade e livre de modo criminoso...
9. Uma tragédia para a cidadania.
10. Perigoso é ele. Por quê? Porque, mantendo na ignorância, na magia e na mística acrítica a sua membresia, torna-a vítima de desmandos, de manipulações, dele e de qualquer um - inclusive das ondas neo-obscurantistas...
11. Penso que a cátedra - também de Teologia - tem um compromisso com a formação crítica dos alunos. E essa é a heresia que o pastor teme: a luz, o esclarecimento, a autonomia. Ou seja, aquele dia em que a ovelha deixe de dizer bé e diga não!
12. Pobre alma: está a cuidar que lhe quero roubar as ovelhas, ele, acostumado a tanto no jogo de roubar ao redil alheio as almas incautas...
13. Mal sabe ele que, terminada a aula, vou para casa, sem mais querer da vida que não um beijo de Bel...
14. Acho que faltam Bels a muitos desses loucos de pedra...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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