1. Não conheço centro religioso mais "perverso" e "pervertido" do que o Segundo Templo de Jerusalém. Com o risco de erro histórico ressalvado, isto é, de ter reconstruído e interpretado aquele "lugar" de modo maximamente pejorativo, tudo quanto de teologicamente mal existe no Cristianismo nasceu lá - e a culpa do Cristianismo é ter gostado dessa perversão.
2. Dito isso, Celeste, agora há pouco, no facebook, falou sobre voltar ao passado e corrigir os seus erros. São minhas palavras também - integralmente, sem ressalvas.
3. Tenho plena consciência que os sacerdotes de Jerusalém são os responsáveis pela neurose da culpa no Ocidente. Mais do que isso - instrumentalizaram a culpa de tal modo que tornaram Deus um assassino de pecadores.
4. Nos termos da teologia do Templo de Josué, sumosacerdote pós-exílico, todo judeu nasce imundo. Ao mesmo tempo, Deus não suporta a imundície humana. No início, matou todos no dilúvio, mas, agora, tolerará que viva a escória campesina, desde que sacrifiquem e derramem sangue no Templo.
5. Nasce aí a teologia da culpa e a do Cordeiro. Não havia modelo pior para se enquadrar Jesus, após sua morte inexplicável na cruz, e, assim, convertida esta em altar, ser ele interpretado como o cordeiro do Templo. Com esse gesto, os sacerdotes do Templo escreveram a interpretação da cruz, conquanto tenha sido ela feita por judeus que, depois de amanhã, vão se separar do Templo, da sinagoga, do Judaísmo.
6. Nos termos dessa teologia, Deus exige sangue, castigo, punição, morte, retratação, pagamento. Primeiro, a coisa valia só para o judeu do campo - depois, com o movimento cristão de bocarra escancarada, todo homem e mulher foi enfiado dentro do inferno. E por quê? Porque nasce pecador e tem sobre si um Deus cuja espada arranca coração, vísceras e cabeça de pecadores. O ser desse Deus é esse: matar e castigar - é sua neurose, porque pintada sob o modelo de neuróticos e dementes.
7. Tudo isso, naturalmente, mito. Mito que a política entendeu ser eficiente. E é.
8. Todavia, a culpa em si, a consciência de que fizemos algo de errado, bem, isso não é exatamente mito.
9. Claro que a culpa se evidencia à consciência por meio de uma "lei" - mas o outro é minha lei. Se fiz algo que feriu alguém, é imperioso que me culpe, caso contrário, a civilização se torna inviável - voltamos à Natureza e à lei do mais forte...
10. Assim, a culpa não foi inventada pelos sacerdotes de Jerusalém. Ela foi apenas instrumentalizada. Cada culpa nossa, pequenina ou grande, foi usada contra nós, e, depois, transformada em base inamovível da plataforma teológica inteira.
11. Com isso, a culpa se retroalimenta de si mesma, porque quanto maior a culpa reconhecida, tanto maior a graça experimentada, e, na ponta política do fenômeno, maior a submissão ao sistema controlador da teologia - padres, pastores, doutrinas.
12. Eu reconheço todas as minhas culpas. Também acho que há coisa que fiz e que não me dei conta de ter agido errado. A alma hipercrítica protestante me anima o corpo: a sensibilidade quanto ao pecado, a hipersensibilidade quanto ao pecado.
13. Todavia, senhores, senhoras, nenhum pastor, nem padre, nem bispo, nem apóstolo, nem evangelista, nem pregador, nem presbítero, nem diácono, nem frei, nem monge, nem o raio que o parta, tudo isso, no singular ou no plural, no masculino ou no feminino, vai instrumentalizar minha dor e culpa com suas cordinhas de amarrar cabrito.
14. Nunca mais.
15. É assim que olho para os montes, onde se ergue o Templo, e cuspo no chão. Volto as costas e dou adeus. Eu e as minhas culpas, as minhas incuráveis culpas...
16. Sim, sabemos que todo esse discurso está carregado, todavia, ainda, do Templo - é de lá que vem a dor da culpa, a consciência da culpa, o sofrimento da culpa. Sim, eu sei. São tijolos de Jerusalém que estão levantados no meu peito - e dói. Não posso, contudo, derrubar essas paredes...
17. Posso, entretanto, e faço, e fiz, e faço ainda, é olhar nos olhos do sacerdote e seu cabrito, seu cordeiro, suas rolinhas, suas galinhas, e, de modo profundamente silencioso, mas com a contundência do trovão, negar seu rito, negar seu mito, negar sua funcionalidade.
18. E sigo, estrada afora, minha dor e eu...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
17. Posso, entretanto, e faço, e fiz, e faço ainda, é olhar nos olhos do sacerdote e seu cabrito, seu cordeiro, suas rolinhas, suas galinhas, e, de modo profundamente silencioso, mas com a contundência do trovão, negar seu rito, negar seu mito, negar sua funcionalidade.
18. E sigo, estrada afora, minha dor e eu...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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