domingo, 8 de abril de 2012

(2012/375) Sobre a metáfora e a ressurreição, sobre massa e elitismo implícito


1. Muitos teólogos não acreditam na ressurreição. Alguns, sim, acreditam. Mas muitos, não. Todavia, quase todos, se já não todos, citam a ressurreição. Usam-na. Pregam sobre ela.

2. Essa semana é dia de os teólogos falarem da ressurreição.

3. Mesmo aqueles que não creem nela. Mas pregarão sobre ela, escreverão sobre ela, "refletirão" sobre ela.

4. Não creem, mas falam dela. Como? Trata-se de metáfora.

5. A metáfora é um modo de o teólogo justificar-se a continuar a falar sobre a coisa, coisa essa que todos ao seu redor conhecem e em que todos ao seu redor creem - mesmo se ele não crê.

6. A metáfora é um jogo de usar palavras que todos pensam tratar-se de uma coisa, para dizer outra.

7. A metáfora, nesse sentido, com esse uso, arquiva-se na sub-entrada do verbete "manipulação".

8. Uma manipulação "para o bem", justificar-se-á. É como a mãe trata o filho pequeno: cuidado com o bicho-papão, e a criança corre. Para ela, a criança, um monstro. Para ela, a mãe, metáfora. O teólogo metafórico trata pessoas como se fossem crianças... Se elas são adultas, olham para ele e se espantam. Se são crianças, lacrimejam de emoção...

9. Correndo o risco de ser maldoso demais: lembra-me o "duplipensar" de 1984. Não sabe do que se trata? Se lhe interessa mesmo saber, cinco minutos do Oráculo e terá sua resposta.

10. A metáfora da ressurreição me parece um bom exemplo de duplipensar. O teólogo não crê na coisa, mas a palavra é útil, porque todos ao seu redor creem, e ele pode fazer com que todos, que creem nela, considerando o discurso com que ele enche essa palavra-balão, pensem assim e assado, façam assim e assado.

11. Ele quer um mundo melhor, é seu raciocínio pessoal. Então, não faz mal que faça as pessoas entenderem que ele acredita numa coisa em que não acredita mesmo, porque, afinal, é para o bem delas. São crianças, ainda. São ovelhas...

12. Há um elitismo aí, não há? Mas como, se é justo o pessoal da esquerda? 

13. Como assim - da esquerda? Ora, você não verá teólogos de direita usando metáfora. Verá? Eles pregarão a crença que creem - eles são fundamentalistas. Quem desvia do fundamentalismo é o pessoal da esquerda. Mas, olha que coisa curiosa, desviam da coisa, mas mantêm o uso do nome da coisa.

14. Que coisa? Qualquer coisa: Natal, Páscoa, Ressurreição, Salvação, Céu, Deus, Jesus, Espírito Santo - a lista das metáforas na teologia é enorme.

15. E por quê? Porque querem construir um mundo bom. Mas esse mundo bom depende das pessoas. E as palavras-metáfora são boas cordas com que se amarrem os pés e as mãos das pessoas, para elas serem boas. Ou não serem ruins: Papai do Céu está olhando!, diz a mamãe, pedagogíssima...

16. Eu só acho que isso significa que não consideramos a educação com seriedade.

17. Ainda julgamos que podemos - devemos! - lidar com a massa por meio de cordões e condões, seja o fundamentalismo da direita, seja a metáfora da esquerda. Á frente da massa, as velhas palavras de ordem que movem o mundo há dois mil anos.

18. Reconheço - há bastante sofisticação na esquerda teológica.

19. Mas que sejamos coerentes, então, e assumamos o elitismo filosófico - uns são mestres, outros, crianças, até morrer.

20. É a velha questão marxiana: e quem educará os educadores?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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