1. Devem ser gênios. Mas gênios de um tipo tão sublime que o que eles dizem só fará sentido para os pares e, ainda assim, nas reuniões a portas fechadas. Se o que falam ali sai pelas ruas, ninguém os entenderá - e, se entender, é para ficar boquiaberto com a sobre-excelência dos discursos...
2. Vejam essa "pérola", que recolhi com luvas especiais, compradas aos anjos, para que minhas mãos humanas e de pecado não conspurcassem tamanha iluminação e sapiência: "se alguma coisa merece o nome de ideologia, é precisamente a verdade" (Acreditavam os Gregos em seus Mitos?, p. 135). Paul Veyne quer reduzir - e, retoricamente, reduz - a verdade a jogos de "imaginação constituinte". A verdade são castelos e quimeras que construímos...
3. Eu tenho uma tese. Quanto mais longe das ciências duras, mais risco de febre epistemológica se tem, porque parece que o "cientista" vai perdendo a consciência de que ele mesmo é um ser biológico e material - e que essa afirmação não é uma quimera.
4. Fatos: fique sem beber água por uns três dias e morrerá. Fato: se morrer, num certo número de tempo os insetos e vermes comerão seu corpo, sobrarão apenas ossos e cabelos. Fato: precisamos de oxigênio para respirar, mas numa dose relativamente precisa, porque, abaixo dessa faixa ou acima dela, morremos. Fato: nosso corpo é formado de carbono. Fato: nossa espécie elabora um mundo de cultura e vive dentro dele. Fato: apesar de viver dentro de seu mundo de cultura, que pode mudar da forma que desejar, esse mesmo homem tem de prestar todas as contas ao mundo real.
5. Para Veyne, tudo isso é ideologia. Um gênio!
6. Ele considera que a verdade é o que cada era diz que é. Entendo. Há alguns milênios, considerava-se que os deuses lutaram contra dragões e, do corpo desses dragões construíram-se os respectivos países sobre os quais esses deuses reinavam. Hoje, "decidimos" considerar isso insuficiente e inventamos de dizer que a Terra tem 4,5 bilhões de anos e formou-se da colisão de meteoros... Para Veyne, estamos diante do mesmo fenômeno: gênio!
7. Em 2 Pd 3,5, Pedro chama de ignorante quem não acredita que a terra foi tirada das águas e permanece do meio das águas. Hoje, sabemos que a Terra "viaja" no espaço, rodopiando em torno de si mesma e em torno do Sol, e que não há "água" lá em cima... Para Veyne, tanto faz uma como a outra coisa. Gênio!
8. O que há com essa gente? É a comida? É a dieta mediterrânea? É o excesso de oliva? De vinho?
9. No século XIX, a luta deu-se contra o materialismo. Para vencê-lo, dissolveu-se o real. Inventou-se a pós-modernidade - nada mais, nada menos, do que um programa de reação ao materialismo.
10. Veyne enfiou a cabeça inteira dentro desse buraco.
11. Direito dele.
12. Mas quer-me fazer crer em sua prédica homilética.
13. Mas não dá. Não tenho essa genialidade toda...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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