sábado, 7 de abril de 2012

(2012/369) "Tu e a tua casa" - sobre Adão e Jesus Cristo (reflexões provocativas de um sábado de aleluia)

1. O poder de contaminação das operações metafísicas, isso é, "espirituais", decresceu com o passar do tempo. Era assim totalmente contaminante. Hoje, puf!, você tem que querer ser contaminado, caso contrário, nem resfriado pega, por assim dizer.

2. Vamos à demonstração do fato.

3. Adão. E Eva. Somos forçados a crer que, por conta do "pecado" (isso ainda está em discussão, a meu ver, mas vamos seguir com o roteiro dos folhetos de fé) deles, entrou o pecado no mundo e o inferno abriu a sua boca escancarada. Um homem, sozinho, e pronto, a humanidade inteira - que não existia nem de fato nem de direito - está contaminada.

4. Crê-se, sempre por meio daqueles manuais de sobrenaturalidades, que a criança já sai do útero com o vírus. Alguns a batizam logo, para não se correr o risco de a pobre morrer e arrastar-se no limbo de uma sub-existência. Outros, todavia, acreditam de modo mais sofisticado que o vírus está lá, mas latente, como flor da noite, não desabrochada, ainda, no longo dia da inocência infantil.

5. Assim, a criança tem sete anos de não-perdição. Se fizer sete anos (marco didático, apenas), morre. Inferno. Mas, com isso, avancei demais no tempo.

6. Tenho de voltar.

7. Pois bem. Depois do dilúvio, Abraão. Porque ele foi chamado pela fé, todos os descendentes dele estão automaticamente na fé. Multidão. Olá, Jacozinho. Você quer ser judeu? Não, não se ouvirá um discurso desse, porque Jacozinho nasce judeu - menina dos olhos de Deus.

8. Mais tarde, após a vinda do messias de Jacozinho, você terá que aceitar ou não esse messias. Mas há uma vantagem aí: se você aceita, e se você é o pai da família, toda a sua casa está dentro. "Crê no senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa". Basta que o pai de família creia - os demais vão no vácuo...

9. Primeiro, uma nação inteira. Depois, não mais a nação, só a família. Percebem o afunilamento? O golpe de misericórdia se dá com Lutero - doravante, é mão a mão. Levante a mão, rapaz. Não. Então, inferno contigo. 

10. Hoje, só quem quer e aceita, só quem levanta a mão e escreve no livro da vida o próprio nome, safa-se da arapuca em que nos meteu Adão.

11. E esse é todo o estranhamento que tenho diante dessa narrativa: o pecado de Adão contaminou todos os homens, mulheres e crianças. Ninguém ficou de fora. Todavia, a cura para esse pecado de Adão não - ela não é tão eficiente quanto a doença. A doença contamina a todos: mas a cura, não.

12. Nesse sentido, Adão foi mais forte, ou o seu ato foi mais poderoso do que Cristo, o ato de Cristo. Porque Adão levou a todos consigo. Mas Cristo não conseguirá resgatar a todos - só um pouco dos contaminados.

13. Apocalipse informou-nos que 2/3 das almas serão lançadas no lago de fogo. Se a matemática não mudou, 1/3 dos contaminados foi o que Jesus conseguiu salvar. O resto, não deu.

14. Tenho ou não tenho de admitir que a salvação de Jesus não é tão poderosa quanto a perdição de Adão?

15. Bem, há alternativas.

16. Primeiro, a calvinista: uma vez que a perdição de Adão é desígnio de Deus, bem como a salvação de Jesus também é, segue-se que Deus ganha nas duas pontas, porque quis um pecado tão forte que ele mesmo só salvasse 1/3, escolhendo Maria para o céu e João e Madalena para o inferno...

17. Outra: assim como a perdição de Adão atinge a todos, a salvação de Jesus atingirá a todos, indistintamente. 1 x 1. Empate. Chama-se a isso salvação universal. É uma alternativa.

18. Mas eu sou apenas um contador de histórias.

19. O final dela, você escolhe.

20. E o que você acha: a) Deus não consegue salvar todos os que Adão contaminou? B) Deus mesmo quis contaminar, através de Adão, todos os homens, e salvar só 1/3? C) Deus salvará a todos os homens e mulheres contaminados por Adão? D) Tudo isso são racionalizações sobre textos que, na origem, não tinham nada a ver com elas, as racionalizações?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Debbie Seravat disse...

Minha alternativa é a letra D. Amo sua teologia sem Deus, porque para mim é a única que tem real sentido. Estudar Deus é ridículo! Minha humilde opinião.

Anônimo disse...

Cara, essa da Débora Tavares foi demais - sua teologia sem Deus.
Faz tempo que tento organizar minhas idéias sobre você - ia dizer classificar você mas aí seria um grande desrespeito pela limitação do objeto sob investigação que isso pressupõe -, então, lendo esse comentário da Débora sobre esse seu post e o parágrafo 14 do post 2012/370, foi meio caminho andado (rsrsrsrs)... e não sei se vai dar pra andar o caminho todo... nem mesmo se é só um caminho a se andar (rsrsrsrs).
Grande abraço!

Peroratio disse...

Só é preciso certa dose de complexidade para entender adequadamente esse "sem deus" de Débora. Não pode ser um "sem deus" à mode dos ateus, tampouco um "com deus" à moda dos teístas.

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