terça-feira, 27 de março de 2012

(2012/327) Um Deus à nossa imagem - eis a herança judaico-cristã

1. Acho que preciso voltar à prancheta e reestudar - dessa vez com seriedade de historiador, porque a seriedade filosófica está constrangedoramente comprometida depois de um século XX de "hermenêutica da inocência" (consciente, o que é mais grave - cf. Foulcault) - a declaração de Nieztsche de que "Deus está morto".

2. Aqui, quero apenas "empregá-la".

3. Acabei de ler uma declaração de ateísmo - um lance de marketing - num Deus que protege os desonestos e outras declarações que tais. Um Deus das coisas erradas, não, não creio nele, dizia-se, no  Deus das coisas certas, nesse sim, creio: ou seja, era ateísmo não, era teísmo com anzol.

4. Fiquei pensando. 

5. Deus não é mais Deus. Isso ocorreu há dois mil e quinhentos anos, quando os judeus fizeram a crítica moral de Yahweh. A moralização do divino deu-se antes, talvez com Zaratustra - e talvez essa seja a chave para compreender porque o personagem que Nietzsche põe a declarar a morte de Deus seja um homônimo do profeta "persa".

6. Os judeus aprenderam com os persas a moralizar seu Deus. E o moralizaram. Antes, ele era um touro selvagem (Is 45,7). Depois da moralização, um lorde inglês, mas sem a armada (ao menos até o Armagedom). Depois dessa operação, Deus está preso ao "bem", às "coisas certas".

7. Antes, não. Antes, protegia desonestos, como Davi, assassinos, como Davi, adúlteros, como Davi, pedófilos, como Davi, para ficarmos só no homem que Deus tanto amou. 

8. Depois da moralização de Deus, ele só pode detestar adúlteros, assassinos, pedófilos. Antes, não.

9. Os valores que a civilização cristã vai inventando, vão sendo projetados em Deus. Se, depois de amanhã, a lei da palmada pegar, a despeito de Deus ter mandado usar a vara, Deus passará a ser o principal defensor da educação-sem-palmada.

10. Não há mais "Deus" - se algum dia houve. O que há é um vidro de boticário, que os discursos religiosos vão enchendo com líquidos coloridos, depois de fabricarem suas composições em seus laboratórios de teologia pastoral.

11. É a esse Deus-ideia que os crentes se escravizam. 

12. É aos alquimistas da moral de projeção que se entregam.

13. A coisa toda parece muito bonita: mas é uma bomba-relógio, porque é alienante, manipuladora, acrítica e heteronomizante.

14. Quando vem alguém mais malicioso, encontra o mar de gente pronto para a ordem de comando.

15. E os pastores "do bem" ficam aterrorizados com o que se pode fazer de mal em nome da religião.

16. Mas, cá entre nós, começa onde a coisa toda, hã?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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