terça-feira, 31 de janeiro de 2012

(2012/117) Reação de meu camarada Cleinton Gael, cientista social, a meu "programa" de Educação da Religião - minhas considerações



1. Ontem, escrevi um texto que, mais à frente, deve se converter num ensaio para publicação, vinculado ao Programa de Mestrado Profissional em Ciências das Religiões da Faculdade Unidade de Vitória. Esse texto constitui uma preparação, em exercício.

(2012/111) Sobre crítica de textos sagrados e educação da religião: porque o ecumenismo no nível metafísico trabalha contra si mesmo


2. A respeito dele, consegui arrancar, publicada nos comentários!, uma avaliação positiva (90%) de meu colega doutor de cátedra, Julio Zabatiero. Hoje, meu camarada Cleinton Gael, mestre em Ciências Sociais por uma das melhores escolas do Brasil e, agora, doutorando na mesma área, me direciona algumas observações (que, em certo sentido, lembram críticas que Jimmy, meu amigo co-blogueiro, faz a meus apontamentos). Devo-lhe algumas considerações, às quais poderiam seguir reações de sua parte - assim funciona o diálogo crítico.

3. Eis o comentário de meu amigo Cleinton, alguém com cacife para me questionar em pontos nervosos de meu argumento:
Acho o texto interessante e digno de ser de sua autoria. problematizo, porém, o "elogio à modernidade" que você teima em fazer. no intuito de defender um humanismo elogiável, você chama disciplinas à baila, convocando, por exemplo, a antropologia, que me é mui cara, e jungindo elementos que não poderiam ser juntados sem uma boa dose de "dogmatismo humanista", se que é que faço justo na aplicação deste termo à sua pessoa. acho que seu viés humanista se mostra por vezes ingênuo, pois chama disciplinas que, em sua essência, refutam peremptoriamente a postura humanista tão defendida no seu texto. o que fazer com o valor da vida, tendo em vista sua diminuição no indivíduo, para sua árdua defesa no coletivo, é algo a se pensar. afinal, em algumas sociedade simples, inclusive em várias brasileiras, o indivíduo para quase nada vale, exceto de for utilizado para a sobrevivência do grupo. infanticídios de várias naturezas mostram isso com propriedade, fazendo com que a antropologia se desgrude do humanismo tão apregoado por ti, gritando desesperadamente: "o que serve para uns, modernos humanistas, não serve para outros, distantes e 'simplistas'(?)".
4. Difícil dividir seu texto em fragmentos, para respondê-lo aos pedaços. Ele tem uma dimensão monográfica, no sentido de que está elaborado sob a crítica ao meu "elogio à modernidade" por meio de um discurso humanista (meu) que apresentaria aspectos simplistas.

5. Deveríamos aprofundar essa sua crítica à minha posição. Em certo sentido, é a que ouço também de Jimmy, com uma ou outra variação de intensidade, sem contar outros interlocutores menos chegados, mas, da mesma forma, constrangidos por minha posição moderno-humanista que, volto a dizer, soa simplista - e algo mais - aos seus ouvidos.

6. Talvez seja uma questão de terminologia. Um diálogo começa pela uniformização dos termos, para que, quando um diga chus o outro não entenda bus. E, reconheçamos, os termos de que mais me sirvo - modernidade e humanismo (e seus desdobramentos) - não são exatamente unívocos.

7. Minha defesa da modernidade se dá nesses parâmetros: prerrogativa de autonomia epistemológica, política e religiosa por parte do homem e da mulher; parâmetros laicos para o Estado Democrático de Direito; elaboração e manejo do conceito de Humanidade (e esse é um dado relevante: não há conceito de Humanidade antes da modernidade [Losurdo]); negociação e promulgação dos Direitos Universais do Homem.

8. Sim, não é necessário que você me advirta: nesses postulados há uma considerável dose de - ainda! - idealismo. Todavia, penso que não preciso, agora eu, adverti-lo, de que muitos desses valores vigoram de fato, ainda que em fase inicial, na sociedade moderna - não antes dela (a religião não conhece o conceito de Humanidade - com raríssimas exceções: a religião, concretamente falando, não apenas apoiou, mas ainda legitimou a escravidão, a submissão das mulheres, o extermínio dos povos colonizados, e, hoje, o vilipêndio de cidadãos da República, pelo fato de seres homossexuais [o conceito de Humanidade vai sempre enfiado goela abaixo da religião pela modernidade laica]). É de suma relevância que os aspectos de insuficiência concreta da implantação dessa plataforma moderna sejam tratados como desvios do padrão, erros, crimes, insuficiências. Isso, em si, é importante.

9. Quanto a humanismo, eis os parâmetros com que desdobro o termo: prerrogativas modernas configuradas no trístico "liberdade, igualdade, fraternidade" (que, anote-se, Hegel, Marx e Gramsci enalteciam [não confie em mim no dizê-lo, confie em Domenico Losurdo) [e isso a despeito da suma insuficiência de equilíbrio entre os elementos do trístico: onde há igualdade, falta liberdade, e onde há liberdade, falta igualdade]) e valores éticos assumidos como construção histórico-cultural-social humana.

10. Mais: quando, no contexto dessas discussões, faço referência às disciplinas humanas (Antropologia, Sociologia, Psicologia e todas as demais, de que me alimento também "espiritualmente"), estou me referindo à novidade histórica - moderna! - de compreensão humana como ser e fenômeno única e exclusivamente "planetário". Não importa a escola interna - se Marx, se Weber, se Pareto, por exemplo -, o olhar dessas disciplinas, cada uma a seu tempo e modo, dá-se sobre um homem que não é mais do que fruto da vida, da história, da cultura: os dogmas teológicos estão de fora desse olhar - e é isso que me interessa. Para tais disciplinas, os dogmas teológicos são produtos humanos. Ponto. As religiões assim deveriam, definitivamente, também tratá-los - e com toda conseqüência subentendida.

11. Penso que, agora, faço-me mais claro. A Religião não constitui um fenômeno em harmonia com esses valores. Algumas mais do que outras - reconheço. As monoteístas, não se salva uma. Os reveses que sofreu o Judaísmo parecem ter adoçado um tanto seu sangue: todavia, o Tanak é rigorosamente o mesmo Antigo Testamento cristão, com o qual se justificou África do Sul e Estados Unidos - se me faço entender. O potencial de morte desse livro é inimaginável, conquanto de sua taça já tenhamos nos servido, mas não de toda ela. Mas não se pode dizer que as religiões não-monoteístas sejam, justamente por isso, exemplo de ecumenismo e harmonia, conquanto tenham mais potencial para isso do que a monoteístas, naturalmente. Digamos assim: talvez seja mais fácil educá-las.

12. Quando defendo que a Religião deve converter-se à modernidade e ao humanismo, estou dizendo, com toda a consciência disso, que ela, enquanto plataforma, deveria assumir, como ponto de partida, os parâmetros que enumerei acima (mormente, itens 7, 8 e 9). - e isso nos níveis epistemológicos, filosóficos, sociais e políticos. Falo de conversão.

13. Sim, é claro que a modernidade tem seus pecados, e graves, gravíssimos. Não estou discutindo isso. Trata-se, apenas, de reconhecer que um ser religioso, enquanto ser religioso, sequer competência ética tem - e isso não sou eu a dizer. Uma dissertação de mestrado, defendida e aprovada na Escola Nacional de Saúde, na Fiocruz, no Rio de Janeiro, argumenta que a heteronomia do sujeito religioso não permite a ele expressar-se eticamente, uma vez que se encontra subjugado por terceiro representado na forma de valor e dogmas heterônomos. Morin fala disso em termos de "possessão" por parte das idéias, e de self deception.

14. Ora, a se acatar o resultado da investigação, resulta trágico para uma democracia laica, autônoma e baseada em valores decorrentes da modernidade autonomizante a presença de uma plataforma social baseada na heteronomia que promove a incapacidade ética do sujeito.

15. Não sei se minhas idéias são simplistas. Pelo contrário, talvez: considerar como natural a presença da religião, totalmente não-democrática, até anti-democrática, e mais, considerar como messiânica a sua expressão, uma espécie de revelação à modernidade de sua insuficiência epistemológica, à moda de Foucault, hipnotizado pela Revolução Islâmica, isso sim, me parece simplista, uma espécie de condescendência a um sistema heterônomo no coração da democracia, onde dependemos da sanidade política dos cidadãos, como se isso representasse respeito aos cidadãos vinculados a esse sistema.

16. Eu confesso que não consigo entender, meu amigo, e aqui vai uma posição muito honesta, mas, nem por isso, dirigida a você em especial, falo de modo geral, mas eu tenho dificuldades para entender como sujeitos que entram nos campos disciplinares das Humanidades, que viram a religião do avesso e compreendem-na como sistema humano, de modo que resulta inapelável a conclusão de que os próprios religiosos, tomando como divino o sistema, encontram-se em caso de self deception, permaneçam na admiração confessada ou inconfessada do "jogo" religioso, perpetrando contra a modernidade e o humanismo, conforme os classifico, golpes críticos?

17. Ora, compreender que a expressão mística, religiosa, aberta ao "mistério", seja ele em qualquer dimensão que se apresente, é componente antropológico fundamental do ser humano é de extrema relevância para a saúde até. Não se trata de negar a religião. Todavia, considerar que o conteúdo histórico-cultural com que as religiões se entenderam até aqui (mitologia racionalizada e experimentada emocional e psicologicamente) faça parte indissociável da própria religião, como se a crença ingênua, não-esclarecida e heterônoma na formulação clássica de deuses e diabos fosse "respeitável" e co-natural com a religião e com o sujeito religioso, bem, isso me parece, para além, aí sim, de simplista, equivocado - porque as Humanidades sabem de que estofo são feitos os deuses. Todos.

18. Os religiosos são seres humanos. As religiões, sistemas culturais, políticos, econômicos, sociais, históricos. Os deuses, seres de espírito, inventados por nós e a quem servimos eficientemente - até que, esclarecidos disso, desenvolvamos com eles outro tipo de relação que não aquela até aqui experimentada.

19. Navego em equívocos, meu amigo? Educação da religião já!



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Cleinton disse...

caro osvaldo.
ainda bem que o espaço é dialógico, pois, de fato, eu escrevi chuz e você entendeu bus. ao falar em "distantes e 'simplistas'(?)", eu estava me referindo às sociedades simples, como a indígenas que temos. eu te alocava nos "humanistas modernos" naquela expressão, e não o contrário! acertado o equívoco que provoquei (e que deverá alterar substancialmente a tua réplica), eis-me novamente querendo debater algo. sim, as religiões são produtos meramente humanos, concordo, mas acho que, mesmo com toda a boa intenção, a declaração universal dos direitos humanos não conseguiu ter o peso de um "texto sanguinário" como a bíblia. nossa discussão, inexoravelmente, nos levará a uma outra época, quando você era meu professor de graduação em teologia. sim, teremos de voltar às chamadas "teorias de inspiração". curiosamente, por causa dessas "malditas", eu e você tivemos um arranca-rabo que entraria para a história, embora tenha sido esquecido por ti (graças a D´us, pois também o foi ulteriormente por mim) em apenas um ou dois anos. se a inspiração é cósmico-histórica, não tendo o Divino nada a ver com forma e nem conteúdo do texto bíblico, abre-se uma lacuna para alguns conceitos e ideias básicas ao ser religioso cristão. o espaço aqui é curto e não quero tomá-lo de todo. no entanto, quero deixar algumas ideias, no intuito de elaborar melhor resposta a ti no meu blog, onde o espaço me permite mais linhas. jogando fora textos e narrativas, já que chegaram a nós permeados de mitologias, políticas e interpolações de toda natureza, sobra-nos o "evento". questões:
1 - o que poderá confirmar e referendar a veracidade do evento?
2 - que garantias teria o humanista moderno de que o Santo não quis se rebaixar, falando por intermédio de uma cultura politiqueira e interpolada, mas carente do "sopro"?
3 - no crucial embate liberdade X igualdade, de que maneira será possível buscar uma fraternidade baseada nos direitos dos humanos, se tais direitos, ao desejarem o elogio ao indivíduo, o faz escravizando os demais, já que a igualdade obrigatoriamente é negada, pois não convive com liberdades individuais strictu sensu?
4 - qual a vantagem de se "educar a religião", se o "material didático", tal como a bíblia, tão criticada por seu caráter bélico, sobretudo no at, é uma declaração que, tal como a carta magna brasileira, não faz mais do que cidadãos de papel numa igualdade idem, culminando em hiroshima e nagazaki visitadas pelos humanistas modernos?
bem, fico por aqui, pois não quero escrever outra bíblia, já que uma só já dá muita dor de cabeça. rsrsrs.

ps: você não é simplista, volto a falar. simplista é a forma equivocada usada por muitos humanistas modernos para tratar as muitas sociedades simples, que de simples não têm nada.

ps 2: prometo elaborar uma resposta melhor no meu blog. aqui ficam apenas as perguntas, pois "não são as respostas que movem o mundo, mas a perguntas". (aprendi isso no comercial do canal "futura") rsrs.

ps 3: se esquecer o N do meu nome mais uma vez, não precisa me dar respostas!! rsrsrsrsrs.

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