1. De quando em quando, não é sempre, apresento cursos de sexualidade com base em Cântico dos Cânticos. Lembro-me de um, no Rio, há uns dois anos.
2. Cântico dos Cânticos é um livro que joga, brinca, de sexualidade. Jogo e brincadeira em sentido lúdico. Ali, em nenhum lugar, sexualidade lembra procriação. É diversão. Tem até beijo de língua - e eu poderia dizer mais, bem mais. Mas fico por aqui.
3. Lembro-me do olhar das mulheres presentes quando eu afirmava, de passagem, que os homens enganam-se redondamente quando pensam - e muitos pensam! - que sexo é coito. Reprodução é coito. Sexo, muito mais. Muito, muito mais. Os olhos delas brilham. Muitas, sorriem, cúmplices de minha indiscrição pedagógica... As menos recatadas meneiam a cabeça: sim, sim...
4. Para uma "moral" católico-romana, onde sexo é para reprodução, vá lá. Não comentarei essa injunção dogmática. Para o restante dos cristãos - não tenho certeza quanto a ortodoxos e coptas -, sexo é prazer, dádiva, presente...
5. Há milênios que deixamos, nós, homens e mulheres, de tratar o sexo como procriação. É também para isso. Mas não se reduz a isso. Sexo é carinho, carícia, toque, cheiro, sabor, palavras, olhar, roupa, desroupa, nudez, luz, semiluz - todos os sentidos, convocados, qual bombeiros, mas, nesse caso, a atiçar mais ainda o fogo que já arde, até que a labareda consuma o quarto...
6. Mas, para muito marmanjo, sexo é coito. Penetração. Eis o macho! Talvez por isso as "brincadeiras" de mau gosto, de péssimo gosto, as zombarias, em relação a homossexuais se concentrem nisso - coito. Como se a isso se reduzisse o instinto homossexual.
7. Se - é minha total aposta - a homossexualidade é biológica (não digo que seja especificamente de DNA, mas duvido que não seja biológico, que seja "cultural" [pelo menos não a totalidade - talvez, vá lá, uma minoria, mas, ainda assim, sem suporte biológico?]), devo considerar que a sexualidade se manifesta no homem e na mulher homossexuais da mesma forma como se manifesta em nós, héteros.
8. Se eu estiver correto, o coito é tão somente uma expressão, dentre as muitas, da sexualidade homossexual. Não sei se realmente a mais importante. O orgasmo não é imprescindível para o prazer feminino, cuja modalidade de expressão e funcionalidade erótica não acompanha em duplo a masculina, que depende, ela sim, da ejaculação.
9. Se eu estiver certo, essas "brincadeiras" de péssimo gosto em relação a homossexuais e coito expressam, a meu ver, dois fenômenos: a) um preconceito cultural, arraigado até a próstata, e b) uma disfunção de compreensão da sexualidade feminina e, mesmo, masculina, traduzida, assim, na concentração da zombaria no "coito", tomado como maior - se não único - valor da sexualidade de quem ali zomba do próximo.
10. Moral da histórica: preconceito de um lado, reducionismo disfuncional de outro...
10. Moral da histórica: preconceito de um lado, reducionismo disfuncional de outro...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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