terça-feira, 25 de outubro de 2011

(2011/505) Quando a religião não aprende os princípios republicanos - é a "Teologia Pública" mostrando a que vem?


1. Estou no Rio. Aqui, resido em Cosmorama, Mesquita. A Av. Cosmorama começa perpendicularmente à linha de trem, na altura da Estação de Edson Passos. Pois bem, um outdoor enorme tem escrito em letras garrafais, ali, na cabeceira da Cosmorama, que alguém - uma Igreja, naturalmente - declara que o Cosmorama pertence "ao Senhor Jesus"...

2. Dá-me asco. Religiosos que eventualmente lerem essas minhas palavras hão de ficar intrigados - ora, mas como alguém pode ter asco de Jesus ser o dono de Cosmorama? E a esses tais eu explicaria que, primeiro, é dono coisa nenhuma, porque Cosmorama é bairro da República, e seus donos somos nós, homens e mulheres que cá residimos.

3. Segundo, há muitos outros religiosos por aqui, não-cristãos, outros, ateus até. Um cristão não tem direito - não, não tem - de sair em público a dizer coisas dessa natureza (a isso se tem subrepticiamente chamado "Teologia Pública"!). Que tenha boca para dizer, vá lá, mas dizê-lo é não ter uma gota de cidadania, uma gota de civilidade, uma gota de espírito protestante: é não prestar para viver numa república. Imaginem, meus amigos, um umbandista escrever que Cosmorama é de Exu. O munda acaba. Mas crente, cristão, católico, pode tudo...

4. Preocupa-me, ainda mais, o fato de que não é ato isolado. Outro dia, uma Assembléia de Deus fazia o mesmo num outdoor na Dutra, rodovia federal, dizendo que São João de Meriti pertencia ao mesmo Jesus, a essa altura, latifundiário!

5. Preocupa-me, ainda, o fato de que quem o fez gastou dinheiro com isso - um outdoor não é barato. Não é ato isolado - é ato de uma instituição que tem o direito de funcionar, mas que, em nome de seu direito, desrespeita o direito dos outros - e isso, e sempre é assim, em nome de Deus, em cujo nome já se perpetrou todas - todas! - as barbaridades, e mais essa agora.

6. Não, Cosmorama não pertence a Jesus, não pertence a nenhum deus, diabo, mito ou fantasma - talvez, abandonado do poder público, e desrespeitado pelos que aqui residem, não pertença é a ninguém. E talvez por isso, aproveitadores de plantão possam ir a público e desrespeitar, de novo, o nosso já desrespeitadíssimo espaço público.

7. Religião: quantas vezes tu me causas nojo... Se bem que não é bem a religião - são os religiosos. Mas haverá diferença?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. desde ondem, quando escrevi, de rompante, esse post, fiquei a me perguntar se "nojo" não é por demais pesado. E chego a duas conclusões: a) é o que de fato sinto, em face dessas ações de religiosos; b) um lado meu censura-me mais o dizê-lo do que o senti-lo, porque até esse lado, politicamente preocupado, sente o mesmo, mas teme em dizê-lo.

Um comentário:

Liana disse...

Professor, às vezes acho que você é tão realista que parece irreal! Parece sonho, sei lá... Entende?? Algo que deve ser real, mas está meio que suspenso ainda... parece fé.
Imagino se Cosmorama fosse bem cuidada, se o outdoor não fosse intencional, se a religião fizesse o que propõem... Não consigo ver na realidade tudo isso em prática.

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