segunda-feira, 26 de setembro de 2011

(2011/496) Olhar (a própria religião) pelo lado de fora


1. A religião - qualquer que seja ela - tem um potencial de vida (quem o negará?) e tem, quem o negará, igualmente?, um potencial de morte. Vida e morte, aqui, literalmente tratados: os deuses querem a vida e querem a morte. Quais? Todos, quaisquer deles, desde que se sintam compelidos a tanto. E, na história comum de todos eles - haverá exceção que me escape? -, sempre se sentiram compelidos a tanto. Até aquele a quem se decidiu tratar de Amor, ganhou esse estado... matando.

2. É verdade que elas - as religiões - têm um impulso de vida, também. A caridade, a compaixão, a fraternidade. Naturalmente que, a princípio, só entre os iguais: os da família do deus da família, os da tribo do deus da tribo, os do país do deus do país. Só muito recentemente - o quê?, duzentos anos? - inventamos o conceito "humanista" de Humanidade - todos os humanos do mundo, uma só família (coisa inédita na História!). As religiões, todavia, ainda não conseguiram acompanhar essa criação (sistematização) "racionalista/iluminista", presas, ainda, a seus traços bairristas históricos.

3. Tem-se tentado hipervalorizar os traços de vida das religiões, com o que se pretende, pela repetição interminável das ladainhas "do bem", educar os fiéis para práticas coerentes com essa ideia. Todavia, os textos fundantes das religiões mais proporcionalmente relevantes estão carregados de violência, porque escritos em contextos de máxima violência: o Corão, por exemplo, nasce em violenta polêmica com os "politeístas" e "idólatras" de Meca, que Mohamed há de querer e, finalmente, fazer converterem-se ao "Deus clemente". Ora, num contexto bélico, a Escritura (só) há de estar marcada por esse belicismo.

4. A Bíblia judaica e cristã, ambas, não estão, também, carregadas de violência?, não foram escritas, literalmente, com sangue? De Gênesis a Malaquias, a espada cai sobre as cabeças: todo tipo de julgamento de valor é imprecado contra as religiões que não as "reveladas" - morte, quando não conversão. No Novo Testamento, abre-se a narrativa com uma morte, e fecha-se com milhões...

5. Ora, de que vale toda a ladainha "do bem", quando essas histórias permanecem lá, na fonte, na fundação, no alicerce? Não é possível arrancar essas páginas - sobrariam poucas! Mas é preciso que a comunidade tenha deses textos uma idéia ética adequada. Em outras palavras: crítica.

6. É preciso que os religiosos de cada religião aprendam - há de se ensinar a fazer - a criticar seus próprios textos tradicionais, fundantes, analisando-os por meio de uma ética que seja planetária, universal. Tais valores, reclamem quem desejar, são (por enquanto) aqueles próprios dos "Direitos Humanos", também muito novos, aplicados a todos, indistintamente, o que ainda está por ser feito. O que for violência, crime, maldade, perversidade, crueldade, nos textos, deve ser denunciado como tal, e não "ressignificado", escondido, disfarçado - quanto mais legitimado!

7. Isso significa que a única forma de as religiões livrarem-se potencialmente de seu potencial de maldade é que ensinem seus fiéias a olhar para sua própria religião desde fora. Cada crente precisa aprender a fazer e fazer a crítica de si mesmo, de sua tradição, de suas Escrituras. Ele deve sair de sua religião, metodologicamente, olhar para ela com olhos éticos universais, e criticar, sem dó nem piedade, tudo que nos textos servir para o fomento da violência e da guerra. E, depois da crítica, no meio da crítica, com a crítica, voltar.

8. Isso significa que as religiões devem tornar-se inferiores aos homens - os homens não podem, mais, viver dentro das religiões, mas viver acima delas, controlando-as, jogando-as segundo regras novas, válidas para todos os homens. Lutar contra isso é manter aquela violência potencial potencialmente ativa, latejando, mandando que José mate Maria, e, Maria, João, dizendo que Alá é melhor do que Zeus, e que todos os outros são diabos.

9. A religião é muito boa, às vezes: mas seu potencial de fazer dos homens dementes super-lúcidos, cegos como toupeiras de Deus, é um risco tremendo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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