1. Vou especular. As idéias acenderam aqui em minha cabeça, e, talvez, eu esteja apenas "vendo coisas" (vide Il Pendolo di Foucault)... Avisado, então, está. Doravante, especulo...
2. O século XIX conheceu um profundo interesse pelo Hinduísmo. É verdade que Hinduísmo e Budismo têm muitos pontos em comum, mas quero precisar a "paixão" ocidental daquele século: o Hinduísmo. Losurdo tratará disso um bocado, em Nietzsche, o rebelde aristocrata. E a razão desse interesse parece ter sido, fundamentalmente, a sociedade de castas, ou, melhor dizendo, a absoluta falta de constrangimento na defesa de uma sociedade aristocrática - nobres, como nobres, comerciantes e guerreiros no meio, e servos, embaixo - acima, apenas, da chandala... Índia do XIX: um contra-modelo para a revolução democrática...
3. Eram anos de enfrentar a Revolução Francesa que, segundo Losurdo, era tida como de inspiração "profética" (bíblica), cristã e iluminista. O "amor" e a "igualdade" do Cristianismo (não vou aprofundar essa meia verdade, apenas parti-la ao meio, porque o "Cristianismo" não tem nada de igualitário em si, somente que contém, em si, aí sim, o germe do "profetismo") haviam culminado na "catástrofe civilizatória da democracia", nos Direitos Universais do Homem, no conceito de "Homem", de "Humanidade" - coisas que nunca houvera, em canto algum, até então.
4. Nesse sentido e contexto, ah, a Índia, quatro mil anos de Civilização - lá se sabe onde é o lugar de cada um, do nobre, do comerciante, do servo, da ralé... Os olhares ocidentais naquela direção tinham interesses específicos: poder, magia, de um lado (vide as expedições nazistas) e o modelo de sociedade de castas, de outro...
5. Mas a verdade é que o Ocidente aboliu as castas - ao menos no papel. E, aí, iniciou-se uma outra batalha: contra o materialismo histórico, o marxismo. Não se trata mais de defender uma sociedade de castas, trata-se de defender, agora, o modelo liberal de mundo. E, então - é a tese que quero defender aqui - os olhos ocidentais concentram-se num desdobramento hindu: o Budismo.
6. Por quê? Porque, eu arriscaria dizer, no Budismo não há realidade verdadeira, o mundo é ilusão, e não há sujeitos reais, de fato, apenas o movimento universal da "coisa" - há o Nirvana, mas não os que o buscam, há o caminho, mas não os que caminham nele, há o sistema, mas não as engrenagens. No fim das contas, o mundo, a realidade, aproxima-se de meras ideias humanas, equivocadas em sua aparente - e falsa - materialidade.
7. Para o desapego radical, a dissolução radical da realidade... Não há realidade. Ora, ora: que afirmação maravilhosa para quem quer enfrentar, negar, destruir as pretensões políticas do materialismo histórico: negue-se a realidade, a materialidade, e os inimigos são transformados, imediatamente, em loucos... eles, os marxistas, que afirmam que há, vejam vocês, uma realidade... material... materialista... histórica...
8. Não me tomem por apressado: sequer sou eu a levantar o interesse ocidental pelo Budismo, bem como a salientar a proximidade entre pensamento ocidental moderno e a religião oriental. Eliade e Couliano apontam para a proximidade, alhures já apontada, entre Budismo e Wittgenstein. E vão mais longe: cientistas desejosos de "religião", encontraram no Budismo a expressão adequada para conciliar seus olhos e coração, e não é por razões muito distantes dessa que as divulgações científicas dão por certa a relação entre a verdade da Física e o Budismo, de modo que Física Quântica e Filosofia oriental (budista) acabam não apenas virando a mesma coisa, mas o novo repetindo o velho... Quem não já foi "obrigado" a ler Fritjof Kapra, resumindo num discurso in toda a Ciência (ocidental) e a Filosofia (Teologia/Religião [oriental])? Será se também foi obrigado a ler Michel Paty - A Matéria Roubada? Duvido... [no doutorado em Teologia fui obrigado a ler Kapra - e, então, já ali, percebi que havia algo de muito errado: a Teologia interessada naquilo - algo tinha de estar muito errado ali...].
9. Eu saio dessas reflexões com a sensação de que muita gente bem-intencionada caiu numa armadilha muito séria: cuidam enfrentar o "imperialismo" das Ciências, dissolvendo-as, tornando-as tão sólidas quanto bolhas de sabão, da mesma estrutura que o gosto, que o dever... O "saber" tornou-se ilusão, figurinha de álbum, brincadeira, algo absolutamente dispensável, tão profundo e sério quanto RPG e telenovela... Se alguém queria matar a Ciência, se alguém quer matar o Conhecimento (e, na esteira, a Revolução), nada será mais útil do que repetir Buda e Platão: não há realidade, não há matéria, não há fundamento - tudo é mera ilusão... Exceto, claro, as contas bancárias dos homens que fazem girar a roda da fortuna...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Oi, Osvaldo
Se tudo é mera ilusão, então, a própria afirmação de que tudo é ilusão é, também, uma ilusão.
Ai, ai, ai...
Se tudo é ilusão, então o que tenho agora na minha frente é um notebook imaginário enviando dados imaginários numa rede imaginária até chegar num servidor imaginário. E aí, um Osvaldo imaginário liga seu computador imaginário e recebe todos os dados imaginários que eu - imaginário também - enviei.
Ai, ai, ai...
É Osvaldo, parece que esse povo não fundacional vê Matrix demais. Porém, note-se que até a Matrix necessita de um mundo real para funcionar.
Um abraço.
Robson Guerra.
Robson, eu até aceitaria a tese de um mundo imaginário, desde que cada um tivesse o seu. Como o que eu faço no meu mundo, repercute no seu, só se pensarmos que tudo não passa de uma mente divina brincando de fazer coisas... Nesse caso, não há nada de real nem verdadeiro nem errado nem bom nem mau nem belo nem feio...
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