terça-feira, 23 de agosto de 2011

(2011/487) Dilthey "contra" Schleiermacher?


1. Hoje, li que Dilthey teria se insurgido contra Schleiermacher no campo hermenêutico. A rigor, que ele teria "criticado" a "pretensão" de Schleiermacher, que falava de "compreensão"... Bem, a miudeza não vem ao caso. O que me assustou - porque isso vai contra tudo que ensino sobre Hermenêutica há 15 anos! - foi ter lido que Dilthey é uma espécie de não-contra-pós-Schleiermacher...

2. Eu penso que é muito ao contrário. Dilthey constrói sobre Scheleiermacher, aprofundando-o. Eu diria assim: a hermenêutica de Schleiermacher é "psicológica". Dilthey mantém o caráter psicológico da Hermenêutica, mas pousa-a no chão histórico-sociológico. Lá na frente, no outro lado da história dessa Hermenêutica, a uma quase espectral, quase estruturante, quase teológica, quase "divina" Linguagem - fundamento da Hermenêutica de Heidegger, Gadamer dará o chão mais concreto da "Tradição". Não são - absolutamente - a mesma coisa, mas o par Schleiermacher-Dilthey corresponde, a seu tempo e modo, ao par Heidegger-Gadamer: os dois primeiros pensam a Hermenêutica "fora-de-chão" (conquanto Heidegger pense no "tempo", a Linguagem, todavia, é atópica...).

3. Se eu estou certo? Bem, se eu estou errado, Ricoeur vai junto aos infernos da ignorância comigo. Com uma gastura típica de ter sido flagrado em possível equívoco, fui atrás da "crise", e encontrei - reencontrei o velho Interpretação e Ideologias, de Ricoeur. uma citação: "

Como em Schleiermacher, (para Dilthey) é a filologia, isto é, a explicação dos textos, que fornece a etapa científica da compreensão. Para ambos, o papel essencial da hermenêutica consiste no seguinte: "estabelecer teoricamente, contra a intromissão constante da arbitrariedade romântica e do subjetivismo cético (...), a validade universal da interpretação, base de toda certeza em história" (...). A hermenêutica constitui, assim, a camada objetivada da compreensão, graças às estruturas essenciais do texto (Paul Ricoeur, Interpretação e Ideologias).

4. Bem, parece que não me equivoco. Muito longe de "criticar" Schleiermacher ou de afastar-se dele, Dilthey aprofunda-o, apropria-se, até, da intuição de fundo - a psicologia como fundamento da hermenêutica, meismo em ambiente sociológico. E claro, não podia ser diferente para aquele que tem a vida concreta, real, o homem de carne e osso, e não um espectro fantasmático, estrutural, como o fundamento da Hermenêutica. Acho que meus alunos estão salvos...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. além de Interpretação e Ideologias, do insuspeito Ricouer, recomendaria a leitura de um artigo, fruto do exame Rigorosum para doutroado na Alemanha: ALBERTI, Verena. A existência na história: revelações e riscos da hermenêutica. Estudos históricos - Historiografia, Rio de Janeiro, v.9, nº 17, p.31-57, 1996.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio