1. Eu tenho passado algum tempo com uma ou duas idéias na gaveta, desde minha tese. Talvez eu a tivesse enfrentado já lá, não houvera morrido meu orientador no meio do caminho. Depois, deixei-a na gaveta, por prudência... Trata-se da "cara" de Gênesis 1 - de seu "lugar vital", ou, para dizer em termos menos técnicos, o que de fato era aquele texto...
2. A tese majoritária, importada da Teologia (do dogma) e ainda servindo como espelho retrovisor para muitas exegeses famosas e de famosos, diz tratar-se de um texto "sacerdotal", que relata a origem da "humanidade" como "imagem da Deus". Não acredito nem na primeira nem na segunda afirmação.
3. Para mim - e isso disse em minha tese - o texto até pode ter sido redigido para fins "litúrgicos" (cúlticos), mas a narrativa de Gn 1,1-2,4a não é "sacerdotal", não respisrta a ótica sacerdotal, porque, se, de fato, foi redigido para fins litúrgicos por volta de 515, ainda se tem em vista uma assim acreditada reconstruçao monárquica de Jerusalém - plano frutrado, é o que temos, em decorrência do desaparecimento de Zorobabel, o "rei" herdeiro. Se o projeto era monárquico, topdas as peças eram monárquicas, inclusive os mitos de legitimação político-religiosa do lugar do rei na "criação" (cf. Sl 89).
4. Assim, desacredito que 'adam em Gn 1,26 seja a "humanidade", tanto quanto a "terra", aí, não se refira ao "planeta Terra", mas à "Terra de Israel". Interessante que a promessa da "terra" a Abraão não é lida como se referindo ao "planeta"... Questão de critérios... Para mim, o 'adam de Gn 1,26 é o rei, logo, "dominador" da "criação" - isto é, de Judá.
5. Acabo de ler algumas linhas de Crüsemann muito interessantes. A respeito de Gn 1,26, ele diz assim: "a transferência (...) de um epíteto régio a todos os humanos tende a excluir um domínio sobre esses seres régios, uma dominação de um ser humano sobre outro" (Frank Crüsemann, "Eva - a primeira mulher e sua 'culpa'", em Cânon e História Social, Loyola, 2009, p. 99). Um texto na linha perfomática - é assim que deve ser hoje, porque era assim lá e então...
6. Ora, ora... Crüsemann sabe que "imagem de Deus" constitui um epíteto para os reis - da Babilônia, por exemplo, onde Nabucodonozor é a Tsalmu de Marduque (na Bíblia, tsalmu é tselem, "imagem", "estátua"). Mas Crüsemann diz que, apesar disso, não é mais de um rei que se trata: é da Humanidade...
7. Eu duvido - e ponho a barba de molho. Acho que se faz mais Teologia do que história aí, que se fazem mais projetos políticos, retóricos, de construção de realidades, do que pesquisa, reconstrução do passado. É como se nós, cristãos, só pudéssemos viver remontando-nos à luz de formatações criativas do passado - tudo quanto podemos e devemos ser tem de ser pintado, à óleo, na tela e na palheta dos textos fundantes. E, se seu sentido não ajuda, não tem problema, fazemos novos sentidos, como que se estivessem lá, desde sempre, para nós...
8. Deliro?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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