1. "As perguntas fundamentais"... Delas se enamoram as irmãs Sol e Lua: a Filosofia e a Teologia. Para as duas, são "as" perguntas. São, para elas, "quase" ontológicas, como se tivessem nascido com a gente, ovos divinos dentro de nós, esperando o dia de se abrirem e revelarem as aves fantásticas da fé...
2. Desconfio que não. Desconfio que não haja perguntas fundamentais. Desconfio que haja apenas perguntas que construímos historicamente, depois de termos passado por essa ou por aquela experiência histórica, depois de termos inventado esse ou aquele modo de vida.
3. Se houve um dia em que nossos ancestrais viviam ao relento, sem construir nada, sem plantar, sem colher, dormindo sob o céu, nas moitas, quem sabe, já até, em cavernas, se houve esse dia - e parece que houve - também houve o dia em que, se já nascidos, os deuses não eram tomados como "criadores". Talvez os deuses tenham cem mil anos, se essa é a idade das religiões, a julgar pelas mais "ansiosas" interpretações de vestígios arqueológicos de sepultamentos antigos. As mais moderadas datam a religião de 35 ou 40 mil anos. Fiquemos nos cem mil...
4. Os deuses podem já ter nascido a essa altura, mas, se os homens ainda não são "criadores" de nada, não fabricam nada, não constroem nada, mas vivem do que aí está, na forma como isso está aí, então da mesma forma que os homens, os deuses não são, ainda, criadores. Se já nasceram, são outra coisa, têm outras funções, naturalmente projetadas da vida humana de então...
5. Não, sequer eles plantam, porque, se os homens não plantam, a idéia de necessidade de se plantar, para se colher, não existe - logo, os deuses não plantam. Os homens comem do que está aí, porque está aí... Os deuses, bem, eles sempre são "úteis" (se não há mais utilidade, os deuses desaparecem nas nuvens, tornando-se "ociosos" - eles morrem), de modo que, lá e então, eles deviam ter sua utilidade...
6. Mas a história revela que os homens tornaram-se agricultores, criadores, construtores - Homo faber... Esse é um dado importante: a noção de necessidade de criar e plantar, de construir e fabricar não é "genética", é cultural, histórica, de modo que ela apenas emerge do fundo da consciência humana como interpretação de sua própria situação no mundo, isto é, depois que os homens se tornam, eles mesmos, fabricantes de coisas, criadores, e adquirem a percepção, daí derivada, de que as coisas são fabricadas, que elas não vêm "do nada". Isso que construí está aí porque eu construí, de modo que, se eu não construo, então isso não aparece, não existe.
7. Não, os homens não emprestaram dos deuses o poder de criar. É o contrário! Depois que os homens aprenderam a construir coisas, e isso se tornou marco fundamental do modus vivendi humano, não havia outra saída para os deuses que não tornarem-se, também eles, "construtores", criadores, fabricantes - cada deus, um Deus faber...
8. Todas as culturas humanas passaram pela fase de "faberização" - todas as culturas conhecerão os deuses criadores... Porque os deuses são projeções de nossa forma de vida, de nossos valores, com os quais, então, fundamentamos e sobredeterminamos nossos valores... De modo que, se essa cultura já se faz de homens criadores, de homens fabricantes, ela conhece, então, os deuses criadores, os deuses fabricantes, porque estes são o mesmo que aqueles, plasmados de outra forma...
9. As civilizações cresceram. Os deuses criadores tornarem-se íntimos dos reis. Surgiram os Impérios. Não me surpreende que com os primeiros impérios - Persa, Grécia - tenha surgido a noção paralela e contrária à "cosmogonia" ("criação") - a escatologia. Se os homens, aantigamente, tendo tornado-se criadores, fizeram os deuses tornarem-se igualmente criadores, com o advento dos grandes impérios e das grandes destruições de nações inteiras - no atacado! - é bastante natural que, macrodestruidores os homens, também os deuses passassem a ser pensados como "macrodestruidores", porque o homem constrói e destrói, de modo que os deuses, também, constroem e destroem, são cosmogônicos e escatológicos...
10. Também as noções mais "finas" - arrisco dizer - seguem esse padrão de projetarem-se das condições materiais e históricas da vida humana. "Eu" sei de onde vim: do útero de minha mãe. Mas posso retroprojetar essa "questão" infinitamente até o "primeiro útero", e, então, perguntar pelo "antes" desse útero. É uma "questão" que se desdobra de uma outra, prosaica, natural, mas, agora, tornada "mistério", "mística", pergunta de queijos e vinhos...
11. A Biologia e a História são desmancha-prazeres. Elas respondem! E nos desgostamos disso. Queremos manter as perguntas, como se fossem elas os fios mágicos que, saindo do lado de lá, daquela lado de onde vêm as "perguntas fundamentais", asseguram-nos, intimamente, de que a própria pergunta já é a garantia da resposta querida: "De lá, viemos de lá!". Não se quer ouvir as respostas... Com elas, como voltar aos queijos e vinhos?
12. Todavia, meus amigos - estejamos prontos para encarar a realidade: as perguntas e as respostas estão dentro de nossa vida, nascem e morrem com ela. Se podemos fazer as respostas, podemos respondê-las. Assim como as perguntas nascem dentro da vida, as respostas estão também dentro da vida. O "fora da vida" cria-se desde dentro da vida, e, ainda que esse "fora da vida" engula a realidade, a sanidade recomenda a que, modernos, não descuidemos do fato de que sabemos disso.
13. Queremos saber de onde viemos - mas não queremos, mesmo, saber! Queremos saber quem somos - mas não queremos, mesmo, saber! Quando afinamos o equipamento, as respostas que podemos ter são, digamos assim, desmistificadoras, prosaicas, feitas de carbono e ferro... Diga-se o mesmo sobre os deuses: quando perguntarmos de fato por eles, e os encontrarmos, teremos encerrado um etapa do desenvolvimento de nossa espécie... Mas também isso terá sido apenas isso: uma etapa do desenvolvimento dessa espécie...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Eis a busca anunciada por ti e por Jimmy, ontem, na colina. Ou enfrentamos verdadeiramente o século XIX, ou perpetuamos uma falácia.
Nossa tentativa está em um vento frio e cáustico que nos assola a face. Nada na retaguarda, nada à frente. Nós, os solitários, dispostos a perguntar, e as respostas são o silêncio. A única certeza é a da busca, somos andarilhos errantes, sem caminho ou destino.
Mas, se não for assim, apenas reprisaremos os séculos religiosos que nos antecederam.
Abraços.
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