quarta-feira, 3 de agosto de 2011

(2011/461) Mas eu não vou me matar... Não por isso!


1. Hoje à tarde, fui remetido a um acontecimento trágico de 1906. Você poderá ler que se trata de um suicídio provocado por "instabilidade emocional" e "depressão" (cf. também aqui). Mas o Prof. Jim Al-Khalili afirma, em documentário da BBC (aqui, logo no início, entre os 2 e os 3 minutos) que Ludwig Boltzmann matou-se pelo fato de não ter suportado a recusa internacional de sua teoria atômica. Físico dos mais respeitados no século XX, à época, contudo, inconformado com a falta de reconhecimento da comunidade científica, enforcou-se-se. Era 1906. Não demoraria muito, sua teoria seria comprovada em laboratório... Ele estava certo! Matou-se à toa...

2. Exagero e retórica à parte, era um homem - Boltzmann - contra "o mundo". Eu podia ter alegado o caso Galileu - mas alguém retrucaria que, nesse caso, era Galileu contra religiosos, e não contra "seus pares", de modo que, então, não vale. Mas, meus amigos, era Boltzmann contra a comunidade dos físicos que - em tese! - "fazem seu trabalho direitinho"... Todos olharam para o trabalho de Boltzmann, ele, só, e, todos, a uma, disseram, sentenciosos: está errado! Errados estavam é eles... Mas Boltzmann não suportou: matou-se...

3. Hoje à tarde, tive uma conversa sobre algo que, em parte, poderia até ser ilustrado por esse caso histórico: duzentos exegetas no mundo, "que fazem o trabalho deles certinho", dizem que seu (isto é, o meu) trabalho está errado, e, apesar disso, você (isto é, eu) acha que seu trabalho está certo... Nesse caso, então, você "se acha", e "acha que só você sabe fazer exegese", os outros, não...

4. Um sofisma, claro. Tomemos o caso: 200 x 1. Não - ampliemos a relação: todos x 1. Bem, em se tratando de "ciência" (não de estética nem de política, e, se você acha que pesquisa é política, terminamos nossa conversa aqui), se todos dizem que 1 está errado, não é por que todos dizem que esse 1 está, de fato, errado: pode estar certo e pode estar errado - mas não serão "todos" que decidirão. Sim, eu sei, na prática, haverá um reconhecimento público (ou não), mas o reconhecimento, em si, não é garantia de coisa alguma, nem a sua falta. Se não houvesse sido feita ainda a experiência que provou a certidão da teoria de Boltzmann, ainda assim ele estaria certo...

5. A adequação entre a descrição e o objeto: em 520 a.C, a palavra xis-ypsilon-zê significava isso e foi, aqui, usada nesse sentido, e isso fica demonstrado por isso, por isso e por isso. Se quem a usou, usou-a nesse sentido, não interessa que os 1,4 bilhão de chineses digam que significava a-b-c, nem que a China e a Índia juntas emitam um "Parecer". Será tão difícil admitir isso?

6. Não, não sou eu contra 200, nem 200 contra mim. Não se trata disso. Se trata de um objeto histórico - do que ele era, lá e então, independente de mim ou desses 200 "certinhos". Tanto eu posso estar certo e os 200, errados, quanto eu posso estar errado e os 200 certos (ou, todos, errados!), mas não será assim porque os 200 decidiram que é assim. Os 200 e nada são a mesma coisa, e eu e nada, idem. É nossa necessária adequação ao objeto, ou estamos fazendo de conta que pesquisamos, seja porque cansamos, descremos ou nos tornamos indiferentes. Mas nem isso em que eventualmente nos tornamos tem qualquer coisa a dizer de efetivo sobre a questão em jogo.

7. Eu gostaria imensamente que alguém me dissesse que isso ou aquilo que eu disse está errado e, então, demonstrasse por que - sem que, para isso, tenha que simplesmente citar alguém. A citação de alguém representa o quê? Autoridade? Ora, e se eu estou justamente desconstruindo o erro desse alguém? Vamos aos fatos, aos processos, aos argumentos - ou será que é justamente disso que se trata, não há mais fatos, nem processos, nem argumentos, só a arte de dizer... por dizer?

8. Para mim, não. Acho que nasci tarde demais e, ao mesmo tempo, cedo demais - tarde demais, porque ainda estou em algum lugar do século XVIII e XIX, mas, ao mesmo tempo, cedo demais, porque acho que nasci em algum lugar de algum possível século XXI - ou, alternativamente, fiz-me abortivo e extemporâneo, imprestável para os dias que são os nossos.

9. Seja como for, matar-me não vou: talvez ainda ouça que, afinal, eu estava certo; talvez eu morra antes, e, então, jamais saiba se o que eu disse foi reconhecido ou estava, de fato, certo: mas enquanto eu olhar a coisa e considerar que ela é assim, por isso, por isso e por isso, e não é daquele jeito, por isso, por isso e por isso que os "200 certinhos" dizem, enquanto eu tiver argumentos, olhos e paciência, resistirei. Acho que isso é pesquisa: um pouco de humildade e um pouco de pretensão - cada uma das duas na dose certa, no risco de errar a mão...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Carol disse...

Gostei! Lindo: "pesquisa: um pouco de humildade e um pouco de pretensão - cada uma das duas na dose certa, no risco de errar a mão..."
Ou como já dizia o Paulo Freire "é próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo,(...) a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação".

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