1. Sirvo-me do artigo de Mauro Santayana: gostando ou não do que ele escreve, é fundamental ler o que ele escreve. Hoje, Santayana escreveu sobre Edward Bernays que, no início do século, teria começado o movimento de "manipulação de massas", recorrendo à Psicologia. Goebbels, ministro de Hitler, teria se servido das idéias de Bernays, que, ao mesmo tempo, foi consultor de presidentes estadunidenses.
2. É um bom texto. Tem a "vantagem" de desmistificar o Nazismo como "demônio único". Isso Losurdo já fizera, demonstrando as origens estadunidenses de muitas das teorias e práticas nazistas, e, mais além, revelando como os "valores" nazistas eram, então, valores ocidentais, dos Estados Unidos, da Inglaterra e de grande parte da elite europeia. Apenas depois da Segunda Guerra é que os "fatos" foram jogados para debaixo do tapete, ficando Hitler como um monstro - assim - "inexplicável": mas foi cria da mesma ninhada ocidental... Losurdo não é citado por Santayana. Devia.
3. Mas eu quero dizer que Bernays está longe de ter sido o "pai" da teoria e da prática da manipulação de massa. E quero citar três exemplos de mais de dois mil anos.
4. Primeiro, a demagogia real do Oriente Próximo - para todos os fins, manipulação de massa por meio da Teologia. O Faraó encarna os deuses egípcios; o rei babilônico, é a imagem do deus babilônico; o rei de Judá é o filho do deus dos judeus... Ora, se isso não é manipulação de massas, não sei o que é. Hamurab, há quatro mil anos, mais ou menos, mandava escrever que ele era o "grande pastor dos povos"...
5. Demagogia real para dentro. O que os reis diziam e faziam, diziam e faziam para seu próprio povo. Quando enfrentavam outros povos, era uma guerra de deuses. Nesse ponto, surge uma segunda "onda" da manipulação de massas. Ciro. Os historiadores que li tratam-no como - faz-me rir! - o criador da "liberdade religiosa". No entanto, para mim, o que ele fez foi ampliar o jogo demagógico - em lugar de ser o representante de seu deus para seu povo, aparece para o mundo como representante de todos os deuses para todos os povos.
6. "Isaías" diz que Yahweh, deus judeus, traz Ciro pela mão. Isaías é um colaboracionista - ou um propagandista persa, e temos, nas Escrituras, um ancestral de Bernays? Ciro fez acordos com Marduque, na Babilônica, e com Yahweh, em Judá, e onde quer que tenha entrado, foi levado pela mão do deus local... Manipulação de massa de segunda onda...
7. E, finalmente, Platão, na República. A Cidade Bela platônica contrói-se assim: o governante determina, soberanamente, o modus vivendi da cidade. Então, contrata mitoplastas - fabricantes de mitos! - que comporão mitos que, por sua vez, estarão carregados daquela determinação. Depois, transforma esses mitos em canções - hinos! Todos os moradores da cidade cantarão esses hinos e declamarão esses mitos por toda a sua vida, até que eles façam parte de usa vida. Crianças, serão ensinadas pelos velhos, já imprestáveis para as cerimônias públicas. Quanto aos poetas perambulantes, chutem-se-lhes os traseiros, porque, na cidade platônica, só se ouvirá o murmúrio do governante...
8. Barneys apenas reinventa a roda: dessacralizando-a, tratando-a no nível de seu "tio", Freud. Mas não há nada novo aí. Não foi com nada de muito diferente que a Igreja arrastou milhares contra os árabes da Terra Santa, e não é outra a forma como Mateus termina seu Evangelho.
9. Em todo caso, como eu disse, é bom que alguém diga que manipulação de massa não é coisa - apenas - de nazistas: a TV brasileira não está cheia disso, de gente de batina e terno, em nome de Deus. Ah, sim, no campo da manipulação de massa, Deus e o Diabo estão juntos, até o pescoço!
Os assaltantes da consciência
Mauro Santayana
Muitos cometemos o engano de atribuir a Goebbels a idéia da manipulação das massas pela propaganda política. Antes que o ministro de Hitler cunhasse expressões fortes, como Deutschland, erwacht!, Edward Bernays começava a construir a sua excitante teoria sobre o tema.
Bernays, nascido em Viena, trazia a forte influência de Freud: era seu duplo sobrinho. Sua mãe foi irmã do pai da psicanálise, e seu pai, irmão da mulher do grande cientista. Na realidade, Bernays teve poucas relações pessoais com o tio. Com um ano de idade transferiu-se de Viena para Nova Iorque, acompanhando seus pais judeus. Depois de ter feito um curso de agronomia, dedicou-se muito cedo a uma profissão que inventou, a de Relações Públicas, expressão que considerava mais apropriada do que “propaganda”. Combinando os estudos do tio sobre a mente e os estudos de Gustave Le Bon e outros, sobre a psicologia das massas, Bernays desenvolveu sua teoria sobre a necessidade de manipular as massas, na sociedade industrial que florescia nos Estados Unidos e no mundo. O texto que se segue é ilustrativo de sua conclusão:
“ A consciente e inteligente manipulação dos hábitos e das opiniões das massas é um importante elemento na sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível, o verdadeiro poder dirigente de nosso país. Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas idéias sugeridas amplamente por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico de como a nossa “sociedade democrática” é organizada. Vasto número de seres humanos deve cooperar, desta maneira acomodada, se eles têm que conviver em sociedade. Em quase todos os atos de nossa vida diária, seja na esfera política ou nos negócios, em nossa conduta social ou em nosso pensamento ético, somos dominados por um relativamente pequeno número de pessoas. Elas entendem os processos mentais e os modelos das massas. E são essas pessoas que puxam os cordões com os quais controlam a mente pública”.
Bernays entendeu que essa manipulação só é possível mediante os meios de comunicação. Ao abrir a primeira agência de comunicação em Nova Iorque, em 1913 – aos 22 anos – ele tratou de convencer os homens de negócios que o controle do mercado e o prestígio das empresas estavam “nas notícias”, e não nos anúncios. Foi assim que inventou o famoso press release. Coube-lhe também criar “eventos”, que se tornariam notícias. Patrocinou uma parada em Nova Iorque na qual, pela primeira vez, mulheres eram vistas fumando. Contratou dezenas de jovens bonitas, que desfilaram com suas longas piteiras – e abriu o mercado do cigarro para o consumo feminino. Dele também foi a idéia de que, no cinema, o cigarro tivesse, como teve, presença permanente – e criou a “merchandising”. É provável que ele mesmo nunca tenha fumado – morreu aos 103 anos, em 1995.
A prevalência dos interesses comerciais nos jornais e, em seguida, nos meios eletrônicos, tornou-se comum, depois de Bernays, que se dedicou também à propaganda política. Foi consultor de Woodrow Wilson, na Primeira Guerra Mundial, e de Roosevelt, durante o “New Deal”. É difícil que Goebbels não tivesse conhecido seus trabalhos.
A técnica de manipulação das massas é simples, sobretudo quando se conhecem os mecanismos da mente, os famosos instintos de manada, aos quais também ele e outros teóricos se referem. O “instinto de manada” foi manipulado magistralmente pelos nazistas e, também ali, a serviço do capitalismo. Krupp e Schacht tiveram tanta importância quanto Hitler. Mas, se sem Hitler poderia ter havido o nazismo, o sistema seria impensável sem Goebbels. E Goebbels, ao que tudo indica, valeu-se de Bernays, Le Bon e outros da mesma época e de idéias similares.
A propósito do “instinto de manada” vale a pena lembrar a definição do fascismo por Ortega y Gasset: um rebanho de ovelhas acovardadas, juntas umas às outras pêlo com pêlo, vigiadas por cães e submissas ao cajado do pastor. Essa manipulação das massas é o mais forte instrumento de dominação dos povos pelas oligarquias financeiras. Ela anestesia as pessoas – mediante a alienação – ao invadir a mente de cada uma delas, com os produtos tóxicos do entretenimento dirigido e das comunicações deformadas. É o que ocorre, com a demonização dos imigrantes “extracomunitários” nos países europeus, mas, sobretudo, dos procedentes dos países islâmicos. Acossados pela crise econômica, nada melhor do que encontrar um “bode expiatório”- como foram os judeus para Hitler, depois da derrota na Primeira Guerra - e, desesperadamente, organizar nova cruzada para a definitiva conquista da energia que se encontra sob as areias do Oriente Médio. Se essa conquista se fizer, há outras no horizonte, como a dos metais dos Andes e dos imensos recursos amazônicos. Não nos esqueçamos da “missão divina” de que se atribuía Bush para a invasão do Iraque – aprovada com entusiasmo pelo Congresso.
É preciso envenenar a mente dos homens, como envenenada foi a inteligência do assassino de Oslo – e desmoralizar, tanto quanto possível, as instituições do Estado Democrático – sempre a serviço dos donos do dinheiro. Quem conhece os jornais e as emissoras de televisão de Murdoch sabem que não há melhor exemplo de prática das idéias de Bernays e Goebbels do que a sua imensa empresa.
São esses mesmos instrumentos manipuladores que construíram o Partido Republicano americano e hoje incitam seus membros a impedir a taxação dos ricos para resolver o problema do endividamento do país, trazido pelas guerras, e a exigir os cortes nos gastos sociais, como os da saúde e da educação. Essa mesma manipulação produziu Quisling, o traidor norueguês a serviço de Hitler durante a guerra, e agora partejou o matador de Oslo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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