segunda-feira, 18 de julho de 2011

(2011/432) Tréplica a Júlio Fontana - minha resposta à resposta dele ao meu comentário ao artigo dele



1. Bem, primeiro, o histórico. Na revista eletrônica Correlatio 28, de dezembro de 2008, foi publicado o artigo "Teologia - ciência ou metafísica?", de Júlio Fontana. Cheguei ao artigo porque os procuro, quero dizer, a artigos que tratem do estatuto epistemológico da Teologia. Tenho feito assim um tanto quanto sistematicamente...

2. Quando me deparei com o artigo, li-o, e o comentei em abril de 2009: (2009/175) Mais um artigo a respeito do estatuto epistemológico da teologia. Lá deixei minhas críticas, que, a rigor, resumem-se numa grande crítica: não posso acompanhar a proposta de uma "epistemologia" dita "científica" para a Teologia que, ao mesmo tempo, a mantenha em seu estatuto "normativo", "ontológico", "metafísico". - e acrescento, "quimérico".

3. Sem entrar nos detalhes dos argumentos de Júlio Fontana, a sua proposição é da mesma natureza da de meu colega de cátedra na Faculdade Unida, Julio Zabatiero, num artigo em que defendeu que a Teologia não é ciência, mas é racional. Com efeito, mencionei meu amigo Julio Z. em minha crítica ao artigo de Júlio Fontana, porque, a rigor, o resultado a que chegam é o mesmo, e o passo para isso, quase o mesmo.

4. Júlio Fontana visitou Peroratio, não sei se por conta própria ou se por indicação de alguém, e leu minha crítica. Deixou um comentário, o que é natural. Transcrevo-o:


Prezado Osvaldo Luis Ribeiro,

Em primeiro lugar fico feliz do senhor ter se interessado em ler o meu artigo. Nossa intenção é a busca da verdade, por mais que seja difícil saber quando a encontramos, ou se a encontraremos (Popper).
O senhor disse em sua crítica: "Minha primeira impressão não foi boa, pela razão de que não se está, de fato, aí, interessado em trazer a teologia para o campo da ciência.
Poderia estar interessado se a teologia apresentasse o mesmo estatuto epistemológico das ciências empíricas. A teologia quer ser ciência para quê? Embarcar de carona no status que a ciência adquiriu nos últimos séculos? (Searle) Teologia é hermenêutica. 
O fato da teologia não ser uma ciência como a física, por exemplo, não é nenhum reconhecimento de inferioridade, mas de reconhecer que tratam de matérias distintas. 
Sobre o que o senhor afirmou: " Partindo para um campo que Popper não legitimaria, muito pelo contrário, o campo epistemológico do não-fundacionismo, ou seja, a pós-modernidade".
Não há qualquer relação entre não-fundacionalismo com pós-modernidade. Popper é um não-fundacionista sim! O senhor ainda afirma que Popper não legitimaria a minha descrição sobre o pensamento dele? Estás brincando senhor Osvaldo? O senhor sugere que Popper seja um fundacionista? Qualquer leitura superficial das obras dele irão mostrar que Popper é avesso a qualquer fundacionismo.
Obrigado pela leitura do artigo, mas a crítica não é referente ao meu texto, mas aquilo que o senhor queria que ele falasse.

Att,

Júlio Fontana

5. Legal. Acho que falta um pouco disso entre nós - crítica e contra-crítica. Parece que publicamos para o lattes, para os pontos de carreira. De qualquer modo, não é fácil ser "criticado". Eu faria o mesmo que fez Júlio Fontana - reagiria.

6. Pois bem, eu penso assim: a Teologia não pode ser enquadrada nem dentro do rol das "ciências empíricas" (disso, não haverá dúvida em qualquer canto do mundo), mas, tampouco, entre as "ciências do espírito" - a saber, as "Ciências Humanas". Uma vez que - estarei certo? - a Teologia não pode ser considerada um capítulo das "ciências ideais" (como a matemática, por exemplo), nem dentro das "ciências da língua", não vejo onde, no mundo das "ciências", colocá-la. Tratá-la como "hermenêutica", dotando-a, todavia, de conteúdo, não ajuda... Para todos os fins: confissão de fé, ornada de púrpura e doutrina.

7. Compreendo o esforço - a alegria, até! - para, então, flexibilizar o conceito de "ciência". No fundo, as palavras são o que fazemos delas. Assim, rachamos com o conceito de ciência que inventamos entre os séculos XVI e XX (a metade, vá lá, do XX), de dentro do qual expulsamos a Teologia -, e, voilà, temos um "cadinho alquímico" para aí pôr - de novo - a Teologia. Se essa é a regra do jogo, que me importa? Lá vejo, sentadas, ela, a Teologia - todas, cavalheiros!, todas! -, a Alquimia (não pariu ela a Química?), a Astrologia, vejo até o namoro místico entre a Física Quântica "religiosa" e a Mística do Todo-Um...

8. Racional! Que palavra! Que balaio! Até as religiões se apropria(ra)m dela: "Racional Superior", eis uma das religiões "racionais", e tanto que até o grande Tim Maia lá foi sacerdote - por um tempo... Cientologia! Kardecismo - aliás, o Kardecismo é bastante "racional": o sofrimento humano é uma escolha pessoal do ser pré-encarnado que, por força de sua liberdade em pagar mais ou menos karma, escolhe, livremente, se nascerá a Lara Croft, de Tomb Reider, ou a Biscoito, do Tavares, se me faço entender... Cristianismo, Judaísmo, Masdeísmo, Taoísmo - tudo: Budismo, Hinduísmo, Candomblé, Queto, Jeje, Umbanda, Jansenismo, o que mais?, do que me esqueço, levianamente? Tudo "racional"... Tão "racional" é a ressurreição quanto a reencarnação - salvo para quem já decidiu por que fé vai, diante de cujo fato, as demais se tornam... irracionais...

9. Claro, que tudo dependerá do que vamos chamar de "racional". Eu não vejo nenhuma dificuldade em pôr na mesma mesa a Teologia e a Astrologia - e quem vê, de pronto já percebo de que jogo se trata... Não me incomoda que haja uma Faculdade de Teologia cristã, uma, de Teologia umbandista e outra, de Teologia messiânica: não há diferença alguma aí - salvo, naturalmente, na história de cada uma dessas religiões: por exemplo, o Cristianismo foi rei, como diz o sapo parnasiano, ao passo que a Umbanda foi demonizada - e ainda o é - em terras (e templos) cristãs. Exu, um Hermes dos trópicos africanos, virou diabo, ao passo que Hermenêutica virou disciplina nobre!

10. Agora, cá entre nós: fazê-la - a essa que está aí - sentar-se à mesa com Psicologia, Antropologia, Sociologia, Fenomenologia, Filosofia, Etnologia, História, Geografia - convenhamos! Que se pode fazer alguma coisa chamada "antropologia teológica" não me desmentem os livros e os teólogos, mas também se escreveu Eram os Deuses Astronautas... bestseller, aliás, que li em minha adolescência como quem descobre segredos...

11. Não serei eu a decidir o que é científico. Nisso, concordo: politicamente, mas apenas politicamente, a verdade é o que se diz ser a verdade, assim como a Trindade e um Jesus-Deus viraram verdade notória da noite para o dia, por força de "consenso" (pero no mucho!). Quem decidirá o que a Teologia é - politicamente - é a sociedade... Todavia, se valerem as regras internas ao jogo científico; se valer uma definição de ciência que a relacione inegociavelmente com o real, submetida aos jogos de lidar com esse real de modo universal, crítico e refutável; nesse caso, chame-se a Teologia com mil letras garrafais de ciência - e ela só passará ridículo. O estético e o político não são científicos - e, quando se tornam, deixam de ser estético e político. E a Teologia, para todos os fins, é apenas isso - alguma coisa entre estética e política - quero dizer, a isso que se chama Teologia desde há 2.500 anos e antes...

12. Resta discutir se, não sendo ciência, ela pode ser "racional". Mas isso deixarei para amanhã. Comento apenas que, mais uma vez, deve-se, antes, decidir o que é ser racional - um jogo de xadrez é, e, todavia, não passa de um jogo, onde cavalos andam em L e a rainha pode mais que o rei, ainda que Caetano sonhe ainda com o dia em que a tigresa possa mais do que o leão...

13. Pensemos no que queremos dizer quando usamos a palavra "racional". Para mim, é a relação crítica entre a consciência humana e o real. Ponto. Se a preocupação legítima, crítica e metodológica em face do "real" não estiver presente no "jogo", o termo pode ser "racional", mas o que aí se observará terá a dimensão de Cérbero, do Grande Strunf e do Capitão Gancho...

14. Para terminar, não diria que Popper seja um positivista. Por outro lado - e não nego a possibilidade de eu estar errado - penso ser demasiado arriscado classificá-lo como um não-fundacionista. O fundamento dele pode não ser o de Comte - e não é, sem dúvida! Mas Popper acredita no conhecimento, e, com conhecimento, não estou falando de contos de fada, por mais bíblicos que se apresentem em praça pública...

15. Menti - e só termino agora. Não quero dizer que não considere legítimo que haja Teologia na forma de confissão, como ela é e ainda será - e disso independe minha vontade, inclusive. O que estou dizendo é apenas isso: as Teologias - todas - que existem, do Budismo ao Zoroastrismo, para ir de A a Z - não têm nenhuma, absolutamente nenhuma relação com as "ciências", ainda que tenha sido no âmbito de uma delas, talvez até pelo influxo retórico de uma delas, que as ciências tenham, um dia, emergido da consciência humana. É, pois, natural, a confusão... E, claro, dependesse de mim, Teologia viraria hoje ciência - o que está longe, longe, mas muito longe de ser, e para o que teria de transformar-se tão inteiramente, que não sei o que sobraria da que está aí, de quem eu sou filho e contendor...


Tim Maia - Imunização Racional (Que Beleza!)




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Júlio Fontana disse...

Prezado Osvaldo,

O critério de demarcação popperiano não visa, como os positivistas lógicos fizeram, distinguir discursos significativos de não-signigicativos. Popper na LScD (85) aponta diversos exemplos de teorias científicas que tiveram suas origens em doutrinas metafísicas. No meu artigo, que também foi publicado no livro "Mística e Filosofia" organizado por Maria Clara L. Bingemer e Marcus Reis Pinheiro, defendo a posição de que a teologia não é ciência. Nem precisa ser. A teologia é um discurso significativo, independentemente se seus enunciados se chocam ou não com a realidade. A racionalidade não é um atributo somente da ciência. Popper jamais defendeu isso. Racionalidade, segundo ele, é possibilidade de se escolher entre teorias riviais. No meu artigo, mostrei que um tipo específico de enunciados teológicos, expressam racionalidade, pois se confrontam com teorias rivais. Os símbolos não possuem esse atributo. Isso mostrei em um artigo também publicado na Correlatio. Da mesma forma os enunciados éticos.
Cheguei ao blog por conta própria. Ninguém me avisou sobre essa crítica. No Brasil, sofremos desse mal. Não lemos os trabalhos uns dos outros. Fique a vontade em criticar os meus artigos. Eles não são a minha visão final sobre o tema. Estão em constante processo de revisão. Se fosse publicar hoje, mudaria muitas coisas ...
Agradeço mais uma vez a leitura do meu artigo.
Att,

Júlio Fontana

Peroratio disse...

Júlio Fontana, seu artigo não está ruim, não - dentro da perspectiva em que ele se expressa, está no mesmo nível de uma série de outros que tenho analisado. Se - e somente se - eu trabalhar com o conceito de racionalidade que exija a presença crítica do real como critério, cai por terra seu argumento final, mas isso somente se a racionalidade tem de prestar contas ao real. Se não tem, ele fica de pé direitinho - e, todavia, nesse caso tanto faz Saci Pererê como Espírito Santo, e a Teologia, de fato, assume-se como ficção mítica, imaginação, como bem o disse Feuerbach - que é o que é, mesmo. Por mais articulada, racionalizada, intelectualizada que tenha se tornado, é mito, e nisso parece que concordamos. Mas, se Teologia é isso, e não tem que prestar contas ao real, não sei o que considera ter de diferente, por exemplo, de gibi de quadrinhos, ou de Kafka, ou de Tolkien, ou do Surfista Prateado, nem o que ela está fazendo na Universidade. Mas, que ela tem direito a ser mito, tem. E é mais salutar reconhecê-lo - porque tem gente boa dizendo que ela é ciência, muito fundamentalista adorando a pós-modernidade, ainda que ela engula inteira a noção de verdade. É uma incoerência atrás da outra.
Ler seu artigo foi um prazer.
E quantos escrever sobre o tema, se bater em minha tela, lerei.
Um abraço,
Osvaldo

Júlio Fontana disse...

Prezado Prof. Osvaldo,

O meu objetivo no artigo foi atingir esses que afirmam que a teologia é ciência. John Searle, que cito no artigo, afirma que todas aquelas "ciências" que assim se denominam não são ciência. Ciência, na verdade, foi um termo cunhado por Whewell para designar as ciência indutivas, isto é, as ciências empíricas. Com o sucesso alcançado pela ciência todos quiseram gozar da mesma reputação. Como o Rubem Alves aponta, e você leu o livro do Rubem Alves, criou-se um mito envolvendo a ciência. A ciência não é muita coisa daquilo que diz o mito, mas uma coisa é certa, as teorias científicas devem buscar o confronto com a realidade. Essa é inclusive a crítica que diversos cientistas fazem da teoria das cordas. Não há possibilidade de confrontação empírica. À Teologia não cabe sobrecarregar com esse peso. O método científico não é adequado à Teologia. Chega desse naturalismo! Teologia é hermenêutica. Não tem nada a ver com ciência. O meu último artigo na Correlatio mostra mais uma análise epistemológica da teologia. Dê uma olhada.

Um abraço.

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