domingo, 19 de junho de 2011

(2011/370) Uma reflexão em voz alta, talvez cedo demais - entropia e compaixão: dois conceitos, três estágios



1. Matéria, vida, consciência. Três estágios. Entropia e compaixão. Dois conceitos.

2. Quanto aos estágios: a matéria vive de entropia. Se - de fato - o Universo é fechado, vai morrer de frio, um dia. Entropia. Todos os movimentos cessarão, o sistema entrará em repouso, dará seu último suspiro, e esfriará para toda a eternidade.

3. Enquanto isso não acontece, e ainda vai demorar um bom tempo, um tempo excessivamente longo, em se tratando de pensar a vida, a vida surgiu dentro desse destino entrópico. E a vida nada mais é do que resistência à entropia.

3. A vida é adiamento. A vida é morte adiada. É entropia enfrentada. É neguentropia. A praia assiste, impassível, ao mar a desgastá-la. Todas as infinitas praias do mundo - fazem-se em grãos, pouco a pouco, e nada podem fazer quanto a isso.

4. A vida, não. Ela resiste à degradação, refazendo-se, vivendo de morte, morrendo de vida, reconstruindo-se, até não mais poder. A entropia, finalmente vence, mas a vida não desiste. Vida é teimosia.

5. Eis o princípio: a vida nasce da matéria, mas é outra coisa - não tem a passividade dos átomos, que têm tanta força. A vida é fraca, debilitadíssima, mas, todavia, tem a vontade de ser o que é, esse impulso orgânico neguentrópico. A vida é material, mas não é matéria, é física, mas não é passiva. Vida é resistência. Vida é quero viver!

6. A consciência de si nasce na vida - será a mesma coisa que é a vida? A vida nasce na matéria, e, vimos, não é a mesma coisa que a matéria. A consciência de si é, ao mesmo tempo, material e viva, mas, eis a questão, Nietzsche!, será a mesma coisa que a matéria e a vida? Se a vida não é a mesma coisa que a coisa de onde ela saiu, por que a consciência de si deveria ser a mesma coisa que a coisa de onde ela saiu?

7. Não vale para a vida o que vale para a matéria - não enquanto vida. Naturalmente que, em sendo material, vale para a vida o que vale para a matéria, mas, em sendo vida, não. O mesmo se diga da consciência de si: material, vale para ela o que vale para a matéria, e, viva, vale para ela o que vale para a vida. Todavia, enquanto consciência de si, emergência que não se reduz aos sistemas de onde emerge, não, à consciência de si não se aplica o que vale para a matéria e o que vale para a vida.

8. Não é "natural", portanto, ser aristocrático, escravagista, eugênico, antidemocrático, "forte", pelo fato de que, na Natureza, é assim que a vida se constitui. Ainda que a vida, enquanto sistema, seja um teatro de horror: coito, devorações, mortes, nascimentos, coitos, devorações, mortes, ainda que o Universo seja um teatro de destruições e criações infernais e celestes - a consciência de si é outra coisa: ela sabe, ela é livre. Livre para ser o que desejar ser - inclusive a besta cega que é o aristocrata. Mas, também, outra coisa. Inclusive para o não-ser (negar o direito ao suicídio - redução da consciência de si à vida - é negar ao sujeito a sua consciência de si, é naturalizá-lo).

9. O principal argumento de meu mais adorável filósofo está errado - é antes seu desejo de justificar-se a si mesmo e à sua empedernida pele de homem preconceituoso e nobre que fez com que projetasse na natureza o seu desejo de ser mau, sua necessidade de matar para manter seus privilégios - a roda da civilização deve esmagar muitos, para que poucos se façam grandes! Só isso. Pregador de privilégios. Pregador. Não suportou - ele, o super-homem - olhar nos olhos e ver-se livre: no fundo, foi um escravo, esmagado sob o peso do que "viu". É, no fundo, um calvinista.

10. Pode-se ser aristocrata. Pode-se ser antidemocrático. Pode-se ser escravagista. Pode-se desejar a eugenia total. O que não se pode - é sinal de fraqueza e covardia!, além de "má filosofia" - é querer justificar isso na e com a "vida", porque a vida justificaria, ironicamente, justamente o contrário: vida é resistência, e como se deve louvar a revolução, a resistência ao Mar que pretende engolir a Praia, a resistência do pobre, sua teimosia em manter-se vivo... E não é por nenhuma outra razão que abomino com todo o meu corpo todo e qualquer sistema, estrutura, ideia ou o diabo que seja que pretenda diminuir o homem a mão, olho e pé. Incluídas aí as religiões, no que, convenhamos, o meu demente filósofo tinha razão.

11. O homem que sou - e todos os demais, se desejam, e mesmo quando não o desejam - são matéria viva e consciente de si. Não, não são átomos nem respiração - apenas.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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