1. Fácil é lidar com o fundamentalista. Ele dirá: "Jesus nasceu da Virgem". Pronto. Nada mais do que isso. Ele tomará a coisa ao pé da letra. Você pode perguntar a ele como tal é possível, e ele dirá - à fé. Pronto. Ou você aceita, crê, confessa, ou você está fora da fé, eventualmente, dentro do inferno. É justo.
2. Difícil é lidar com os não-fundamentalistas - que, no fundo, o são, ainda: não precisa ter nascido de virgem, mas é messias... Concessões racionalizantes, bem se vê. Sei que serei, mais uma vez, criticado, desconsiderado, relevado. Não faz mal. É o risco de dizer o que se pensa. Mas para mim é mais fácil lidar com um fundamentalista - porque, simplesmente, não lido com ele! - do que com, por exemplo, Tillich - com quem "preciso" lidar. Já escrevi duas vezes sobre isso (aqui e aqui). Não vou aprofundar a questão.
3. Só direi que Tillich dissolve a "fé" numa consciência fluida de que "Deus está lá", e pronto. Todo o mais é linguagem filosófica, que deixa de ser filosófica apenas porque é fé racionalizada e - digamos assim - pasteurizada. Mas é a fé - de fundo e no fundo - a mover o olho, a boca, a mão. Todavia, para quem lê, apressadamente, achará que se trata de outra coisa, de tal sorte que, quando você diz que Tillich é tão ontológico quanto Barth, torcem o nariz. E os dois são, ao fim e ao cabo, homens de Platão. Pouco mais do que isso, e esse pouco deve-se apenas ao registro retórico-discursivo da apologia da fé em que se expressam.
4. Mas há ainda um formato ainda mais difícil de com ele lidar. Uma assim auto-apresentada "teologia como metáfora". Confesso dificuldade em acompanhar o que se está a dizer por trás dela. Outro dia, ouvi o seguinte de um proponente dela: a revelação é a automanifestação de Deus, plenamente e amorosamente". Todo o mais é recepção. Isto é - há automanifestação (de Deus) e recepção (dessa automanifestação de Deus, mas pelo homem). Pois bem, o que significa dizer que a automanifestação é revelação e o resto é recepção?
5. Ora, meus amigos: fosse tudo, de fato, metáfora, tudo - até a "automanifestação" de Deus - o seria. Uma "teologia" que - de fato! - se manifeste como metáfora programática, começaria a dizer que a reveção é metáfora, que Deus é metáfora, que a recepção é metáfora. Mas como se pode falar de metáfora, se a automanifestação não o é? Ou o é, mas estamos diante de uma metáfora que se manifesta pela negação da dimensão metafórica que a caracteriza?
6. Penso que tudo que ouvi se resume, de certo modo, naquela mesma maneira de Tillich de dizer que "Deus é símbolo para Deus". Nessa sua nova apresentação pública, a "automanifestação" é revelação" - o resto, recepção. Nenhuma diferença substancial. Começa-se pela fé, e a fé há de guiar todo o resto. Compreensível. Incompreensível é apresentar-se em praça pública como se fora outra coisa.
7. Felizmente, meu artigo não está "errado". Confirmou-se tratar, para todos os fins - de uma "grande metáfora", que "teologia é mesmo uma grande metáfora" - e isso diante da provocação de que se classificaria essa mesma teologia como metafórica. Sim, o é, confessa-se. Todavia, a despeito da confissão, começo a achar que não se trata, de fato, disso - que ainda se opera, no fundo, na ontologia, uma espécie de ontologia disfarçada em pós-modernidade, mas, em todo caso, ontologia: "Deus se automanifesta" - e amorosamente, até! O artigo estava certo em classificar um certo tipo de teologia como teologia-enquanto-metáfora, mas, ainda que o tenha feito com base na confissão pessoal do teólogo de que se tratava, aí, desse tipo de teologia, penso que, nesse particular, nessa identificação confessada, se laborou em equívoco...
8. Não tenho problemas com essa teologia. É tão velha quanto andar pra trás. Tenho problemas com discursos que se querem fazer de outra coisa, sendo a mesma coisa de sempre. Isto é, mudar tudo, mas para não mudar absolutamente nada.
9. O curioso é que quem provoca a confissão de tratar-se, afinal - mas disso começo a duvidar! - de metáfora, acabe desgostando dela pelo fato de confessar-se metáforica, pelo fato de indicar, teoricamente, que Jesus, ressurreição, ascenção, essas coisas da "fé", constituem não-realidades, não-tópicos, mas, apenas, gavetas semânticas, blocos de Lego, que se usam para construir comunidades: atopias para utopias. Eles queriam fundamentos! Quanto a mim, desgosto dessa confissão pelo fato de que, além de não se ir tão longe quanto gostaria, trajar, no fundo, as vestes usadas nas procissões. E por isso traíram-se os ouvidos perturbados da platéia - todavia informados previamente do jogo que se joga nessa liturgia.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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