1. É assim: a modernidade disse que se pode pôr a mão na matéria, olhar para ela, lidar com ela. Também disse que A é A e não pode ser não A - princípio de identidade e de não-contradição. Também disse que o sujeito olha, toca e conhece o objeto. Mais ou menos isso.
2. Aí vêm os pós-modernos. Se disserem que não é verdade que se pode fazer o que a modernidade disse - e diz! (ela não acabou, ainda) - que se pode fazer (e, além do mais, ela o fez!), então o discurso da pretensa filosofia/hermenêutica pós-moderna seria tão moderno quanto o discurso da modernidade. Seria uma posição de verdade em face da posição de erro da modernidade.
3. Dizendo o mesmo de outro modo: se a pós-modernidade filosófico-hermenêutica disser que a modernidade não faz o que ela diz que faz, isto é, se a pós-modernidade disser que sabe que a modernidade não pode fazer o que diz que faz, então a pós-modernidade é, a rigor, o ápice, e na mesma direção, na mesma potência, na mesma essência, da modernidade: a modernidade descobre que não é possível fazer o que se diz que se pode, e, então, transforma-se em pós-modernidade, que é apenas a conclusão, em regime moderno, da tragédia moderna. A pós-modernidade é a descoberta final da modernidade, o que (nesses termos) faz, de ambas, a mesma coisa.
4. Os pós-modernos sabem disso. E têm de evitar a armadilha. Só para os de fora, porque, aos de dentro, quantos buracos houver, quantos fingirão não haver... Mas, para os de fora, isto é, para neutralizarem - é o que pensam! - a crítica, têm de inventar outro regime discursivo. E, então, dizem que não se trata de discursar no mesmo nível da modernidade: não estamos falando do real! Estamos falando de hermenêutica! São só palavras, propostas, um jogo que estamos propondo - querem jogar conosco?
5. Como não? Deixemos que um excelente representante da hermenêutica dita pós-moderna fale:
A verdade histórica da hermenêutica, ou seja, sua pretensão de ser um pensamento mais 'válido' que outros - por exemplo, de ser uma filosofia mais 'verdadeeira' que o neo-empirismo ou o materialismo histórico etc. - não pode evidentemente se sustentar com base em uma descrição de como, segundo ela, seria o real estado das coisas (...) a hermenêutica mudou a própria realidade das coisas (...) o conhecimento é sempre interpretação e nada mais do que isso" (Gianni Vattimo, A Idade da Interpretação, em O Futuro da Religião, Relume Dumará, p. 63).
6. Aí está. Não sei com base em que Vattimo se reportará a isso escrito para defender o que disse - mas, no que me diz respeito, o que ele disse é que: a) a hermenêutica (pós-moderna) não é um modo "melhor", no sentido da essência, do que os demais - é outra coisa. Mais: b) ela não pode recorrer à descrição da realidade para sustentar-se; de modo que, então, c) ela é apenas isso: interpretação. Mas, me ajudem: interpretação de quê?
7. Ora, se a hermenêutica pós-moderna não pode recorrer ao objeto interpretado - não pode, não quer, tanto faz! -, ela é, então, "interpretação" de quê? Não há nada lá para ser interpretado! Vai ver há, mas ela não pode ir lá! O que a hermenêutica diz não é interpretação de algo: é uma fala mágica, um espetáculo de teatro, mais nada. Uma pulsão de dizer, um prurido. Salvo se não é nada disso - salvo se é, sim, mas ela nega, crença numa realidade diferente da realidade que a modernidade diz estar lá, mas que, pelo fato de criticar o método moderno, não pode a ele recorrer, de modo que só crê, mas não pode dizer que crê, e, então, trinca os dentes, e mete-se numa fantasia de dizer pelo dizer. Só Freud para explicar isso... Em dias de um Slavoj Zizec recorrer a Lacan, não me parece anacrônico apelar para Freud... E vai ver é isso. Vai ver é um caso para Zizec, mais do que para Freud...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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