domingo, 20 de março de 2011

(2011/187) Unir, separar, reunir


1. O real é complexo - é "tecido", entretecido por/de/com diferentes camadas. O real não é simples: não é um bloco, um cubo de uma só peça - é muito mais como um grande órgão, um grande tapete.

2. Apreendê-lo, até aqui, tem sido desmontá-lo - cartesianamente. Desmontando-o, crê-se poder olhar mais facilmente cada pedaço dele. De fato. Se você corta um pedaço do músculo cardíaco para estudar o coração, compreenderá bastante melhor esse músculo. Todavia, o coração não é esse músculo.

3. Assim, é preciso reunir o que separamos. Entretanto, não se pode conhecer o coração sem separar suas partes - sem aquele músculo! -, nem se pode conhecer o coração com suas partes separadas. É pois necessário unir o que está separado, separar o que está unido, e reunir tudo outra vez. É preciso um olho tão novo (escreveria "mágico") que possa, ao mesmo tempo, olhar as coisas separadas e unidas, ao mesmo tempo!

4. Não temos como optar entre conhecer as coisas sem desmontá-las ou conhecer as coisas desmontando-as. Só podemos conhecer as coisas desmontando-as sem desmontá-las, e mantendo-as montadas, enquanto as desmontamos: desmontar-remontar-desmontar-remontar.

5. O problema até aqui foi que apenas desmontamos as coisas - chegou a época de remontá-las: mas há de se enganar terrivelmente quem julgar que é possível "remontar" as coisas sem que sejam, antes desmontadas. Quem julgar que a disciplinaridade está, doravante, abolida, por conta da transdisciplinaridade, incorrerá em erro tão crasso quanto a disciplinaridade - e com um agravante: a disciplinaridade (me) parece um (ter sido um) passo necessário antes da transdisciplinaridade, de modo que os erros da disciplinaridade são compreensíveis (como a transdisciplinaridade incorrerá em equívocos de ignorância, antes de aperfeiçoar-se e transformar-se, e mesmo depois...). Nos termos da consciência transdisciplinar, todavia, a supressão epistemológica da disciplinaridade assume as afeições de uma violência epistemológica inexplicável: porque no coração da transdisciplinaridade está a chama de reunir o que está separado, e não tratar as coisas sem que estejam (antes) separadas. A transdisciplinaridade somente será complexa se mantiver a idéia de que o real é complexo, reconhecendo e recuperando essa complexidade entre o isolado e o unido, o fio e o tecido.

6. Não se trata de voltarmos lá atrás, na véspera da disciplinaridade, e recomeçar, sem ela: o que implicaria na impossibilidade da própria transdisciplinaridade. Se trata de desde agora, promovermos um movimento de reunião dos saberes disciplinares - todos eles: humanistas, naturais, exatos. A ciência, doravante, deve fazer-se com a vida em curso.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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